O novo documentário de Petra Costa, apesar das lindas imagens, fotografia impecável e acessos super exclusivos a espaços e acontecimentos, como o pós-8 de janeiro, tem abordagem superficial e frustrante para quem esperava uma reflexão mais detida, provocativa ou um enquadramento original sobre como o movimento evangélico teria aberto caminho para Ppresidência de Jair Bolsonaro. Tudo isso sob narração arrastada, por vezes pedante, com carga dramática em descompasso com as imagens e, por vezes, entediante, ou mesmo chata.

Antes de tudo, fazer justiça: a experiência diante de ‘Apocalipse nos Trópicos’ é necessária. As imagens e os acessos do documentário são impressionantes. Várias vezes fiquei pensando “como ela conseguiu isso?”. E a escolha de abordar o espetacular crescimento do movimento evangélico e a sua relação com a ascensão e expansão da extrema direita fascista no Brasil é acertadíssima. Ainda, impecável a justeza com que o documentário afirma sobre as responsabilidade de líderes do fundamentalismo religioso com as ameaças à democracia hoje no país. Um relato necessário sobre os perigos que ainda corremos.

O título com o nome do famoso livro da bíblia “Apocalipse nos Trópicos” é poderoso – e imediatamente pode nos remeter ao tremendo sucesso do seu uso em Apocalypse Now. No documentário da Petra Costa, o livro presente na bíblia dos evangélicos – e católicos – é utilizado como forma de descrição e argumentação para uma tese apresentada, de que a ascensão do movimento evangélico representaria hoje uma ameaça de teocracia nacional. Contudo, o paralelo traçado entre o Apocalipse bíblico e a democracia brasileira soa forçado, parecendo existir mais pela dramaticidade das
palavras do que por uma correspondência real, demonstrada.

O documentário não discorre, com alguma profundidade, sobre os sentidos do livro Apocalipse, não contextualiza a origem da sua escrita e a sua inclusão na bíblia, nem descreve como seria utilizado hoje como elemento de mobilização política das massas ou para a estratégia da teologia do domínio, que é tratada de modo muito rápido. A impressão que temos é que saímos do filme sabendo o mesmo do que já sabíamos antes sobre tal livro, apenas lugares comuns. Assim, não podemos ser convencidos de um risco de teocracia maior que o de uma ditadura militar, ou de um outro tipo de regime de exceção. Nem mesmo o filme aborda a possível relação entre os estrategistas da teocracia com as outras formas de regimes reacionários.

O filme, que também é narrado em inglês e que ficou apenas uma semana em cartaz nos cinemas, parece ter orientação para o mercado internacional. Tem cara de feito pra gringo. E isso seria muito importante e necessário, considerando os reais riscos presentes hoje na realidade brasileira. E o fio narrativo arranca da Brasília modernista, propagandeada como parte de um projeto de desenvolvimento nacional e de futuro, até a Brasília destruída por uma tentativa de golpe em 8 de janeiro. Justamente por tentar explicar a o que aconteceu no Brasil a quem está de fora e por meio desse fio, o documentário falha, ao tratar o tema de forma apressada, resumida e superficial. Por exemplo, faltou relacionar o movimento evangélico com os outros grupos, frações de classes e setores sociais articulados em torno do bolsonarismo.

Outra questão que tem sido apontada é a falta de complexidade na análise do próprio movimento evangélico. Mas falha ao descrever o movimento evangélico sem entrar as complexas diferentes internas e na consciência média de quem professa a fé cristã em igrejas evangélicas, além de Invisibilizar evangélicos progressistas O documentário aparenta querer mostrar o avanço da fé evangélica no Brasil e sua aliança com a extrema direita, mas em alguns momentos não fica nítido se o foco é a chegada de Bolsonaro ao poder com apoio evangélico ou a influência de Silas Malafaia no governo e no meio religioso, tamanho é o protagonismo do líder evangélico no filme.

Silas Malafaia, apesar de ser poderoso e ter grande repercussão midiática, está longe de ser o principal ou um dos principais líderes do mundo evangélico hoje. Considerando todos os seus ramos, a Assembleia de Deus aparece como a maior denominação evangélica do Brasil, reunindo 12,3 milhões de fiéis, conforme os dados mais recentes do IBGE, de 2010, sobre o tamanho das religiões no país. Os segmentos Belém (com base em São Paulo) e Madureira são os mais expressivos, tanto em número de membros quanto em representantes eleitos, o que lhes confere maior influência política. Correntes como a Assembleia de Deus Madureira, liderada pelo bispo Samuel Ferreira, e a Igreja Universal do Reino de Deus figuram hoje entre os grupos evangélicos mais influentes do que aquele liderado por Silas Malafaia, a Assembleia Vitória em Cristo, a Advec, um ramo, entre os menores, da Assembleia de Deus.

Além disso, em que pese a escolha por tratar do movimento evangélico, o documentário traça uma linha maniqueísta entre evangélicos e católicos. Esses últimos são tratados apenas para falar sobre a teologia da libertação, um movimento muito minoritário da Igreja, apesar da sua importância histórica. Com isso, o filme faz parecer que os católicos seriam um ramo “bonzinho”, com escolha pelos pobres, quando, na verdade, a Igreja Católico tem enorme participação na chamada “onda conservadora” no Brasil. Lembro que a chamada “Ideologia de Gênero” é uma tese criada e propagada pela Igreja Católica por toda a América latina, em especial a partir de 2010. É a partir desse período, também, que Bolsonaro tem um salto na sua repercussão política e eleitoral. O então deputado federal viu a sua votação sair do patamar de 100 mil votos em 2010 para 400 mil votos em 2014, justamente impulsionado pela agitação conservadora, anti- feminista, anti-gênero e lgbtifóbica do período.

Por fim, me resta refletir que com tanto dinheiro que o filme contou e com capacidade de circulação – com um produtor como Brad Pitt – que o documentário tem, seria bem legal se o tivesse sido feito com maior profundidade, em diálogo mais próximo de pesquisadoras e estudiosas sobre o tema das igrejas e do mundo evangélico e buscando relacionar a influência evangélica com os demais grupos que compuseram e compõem o bolsonarismo, buscando, apesar de delimitado, um retrato mais da totalidade da situação reacionária cá os trópicos.

Vale a pena assistir? Será indigesto pelas imagens e diálogos, mas com certeza vale assistir. Vale comentar sobre falhas, excessos e acertos, vale também.

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 25/07/2025