A Grande São Paulo e o interior paulista voltaram a experimentar, em dezembro, um cenário de colapso energético que se tornou frequente nos últimos anos. Em apenas dez meses de 2025, a Enel SP já registrou 328 mil ocorrências de falta de energia — média de 1.079 por dia —, o maior número desde que assumiu a concessão, em 2019. Os dados da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) reforçam o padrão de degradação: interrupções mais numerosas, maior reincidência e impacto crescente sobre serviços essenciais, transporte e abastecimento de água (que também depende de eletricidade).
Mesmo assim, o governo estadual mantém uma postura reativa, sem apresentar um plano consistente de adaptação climática ou exigências efetivas de cumprimento de metas pela concessionária.
Uma infraestrutura fragilizada e uma gestão pública ausente
A ventania de até 98 km/h que atingiu a capital e 23 municípios da região metropolitana na quarta (10) foi suficiente para deixar mais de 2,2 milhões de clientes sem eletricidade. Mas o impacto não pode ser tratado como imprevisto. Os alertas da Defesa Civil e de institutos meteorológicos haviam sido emitidos desde o fim de semana, com detalhamento sobre rajadas intensas e risco de queda de árvores.
Nem a Enel nem o governo Tarcísio atuaram preventivamente. A concessionária investiu apenas 18% do previsto para o ciclo 2025–2027 até setembro. E o Estado, responsável por fiscalizar e articular respostas, repetiu o padrão de “gabinetes de crise” sem ações estruturais, enquanto áreas inteiras permaneceram às escuras por mais de 24 horas.
Recorde negativo: mais quedas, menos preparo, mais prejuízo

Além das interrupções recordes, o apagão desta semana causou efeitos sistêmicos:
- 1,5 milhão de clientes ainda estavam sem luz na manhã seguinte.
- 1,642 mil quedas de árvores foram registradas na quarta (10), agravadas pela falta de manejo preventivo — responsabilidade compartilhada entre prefeitura de São Paulo, Estado e Enel.
- Abastecimento de água interrompido em pelo menos nove regiões da capital e diversos municípios da Grande São Paulo.
- 218 semáforos apagados, gerando quase 600 km de congestionamento.
- 344 voos cancelados em Guarulhos e Congonhas.
- Prejuízo de R$ 1,54 bilhão ao comércio e serviços em apenas dois dias.
As repetidas crises — novembro de 2023, outubro de 2024 e agora dezembro de 2025 — mostram que a infraestrutura da Enel não responde mais a eventos climáticos cada vez mais previsíveis e frequentes.
Enel sob pressão: fiscalização atrasada e investimento insuficiente
A reação regulatória veio tarde. A Aneel notificou a concessionária e pediu explicações sobre ativação do plano de contingência; falta de mobilização antecipada de equipes; execução insuficiente de investimentos; reincidência de falhas sob condições climáticas semelhantes.
A própria agência admite que a gravidade e a frequência dos apagões já configuram possível descumprimento contratual — podendo levar à recomendação de caducidade da concessão.
O Procon-SP também contestou a versão da empresa, afirmando que imagens mostram pátios lotados de veículos enquanto bairros inteiros permaneciam no escuro.
O governo Tarcísio e a aposta no improviso
Embora atribua todos os problemas à concessionária, o governo Tarcísio falha em três pontos centrais:
- Fiscalização insuficiente: a Arsesp, agência estadual responsável pelo acompanhamento do serviço, não apresentou relatórios públicos robustos nem medidas efetivas ao longo de 2024 e 2025.
- Ausência de planejamento climático: São Paulo tem alertas frequentes, mas não tem políticas de adaptação integradas entre estado e municípios.
- Postura reativa: as ações surgem apenas após o caos, nunca antes.
O resultado é um Estado que terceirizou responsabilidades sem garantir capacidade pública de supervisão, permitindo que a concessionária priorize margens financeiras à manutenção preventiva.
Em um clima extremo, São Paulo continua vulnerável
A COP30 colocou a “adaptação” como agenda urgente, mas a capital brasileira com maior carga econômica e demográfica segue despreparada. O episódio atual demonstra que a rede elétrica não está preparada para rajadas de vento dentro de padrões esperados; a integração entre energia, água e mobilidade é frágil; eventos extremos estão se tornando rotina — e não exceção; bairros periféricos sofrem mais e por mais tempo.
Enquanto isso, governo estadual, prefeitura e concessionária trocam responsabilidades, sem transparência, metas claras ou responsabilidades assumidas.
A crise não é climática — é de governança
A ventania acelerou um colapso que já estava em curso. Não é o clima que desorganiza São Paulo, mas a combinação de gestão pública omissa; fiscalização frágil; privatização sem contrapartidas; infraestrutura deteriorada; ausência de planejamento estratégico.
Até que o Estado reassuma o papel de garantir segurança energética e exigir investimentos vinculados a metas, os paulistas continuarão contando, ano após ano, os dias — e os prejuízos — no escuro.