O Café PT desta quarta-feira (23) entrevistou Paula Montagner, subsecretária de Estatísticas e Estudos do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, para falar sobre os dois anos da Lei da Igualdade Salarial, as conquistas e os desafios desde sua implementação, além do impacto da legislação na sociedade e o papel das empresas no enfrentamento ao racismo estrutural.
A entrevistada destacou que, desde 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê salário igual entre homens e mulheres, e que a Constituição de 1988 afirma que não pode haver diferenças salariais entre diferentes grupos populacionais. O Ministério do Trabalho e Emprego está encarregado de organizar informações e fazer a fiscalização da legislação, enquanto que o Ministério das Mulheres tem a função de articulação e de discussão sobre a pauta.
Ela explicou que a Lei 14.611/2023 tem por foco acelerar o processo de igualdade salarial no país, tendo em vista que o Brasil atravessou um momento difícil durante a pandemia de Covid-19, em que muitas mulheres tinham perdido o emprego por ter que que ficar em casa para cuidar dos filhos ou pais. “Elas quase sempre foram as primeiras a serem desligadas e as últimas a serem reconduzidas ao mundo do trabalho. Então, precisamos, antes de mais nada, acelerar a contratação de mulheres com vínculo formal, em especial no setor privado e não só em pequenas empresas, nas grandes também, onde há mais oportunidades de melhores salários, e nas atividades que envolvem direção e gerência, porque é lá que faltam mulheres”, disse Montagner.
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“A legislação dá transparência à informação, em especial às grandes empresas. A primeira boa notícia é que a gente vem contratando mais. Entre 2023 e 2024, houve a geração de mais de um milhão de postos de trabalho para empresas com mais de 100 mil empregados. E essa contratação foi dividida em 500 mil mulheres e 500 mil homens. Eu acho que raras vezes a gente contou com períodos em que houve contratação de homens e mulheres em proporções similares, isto é um bom resultado”, revelou. Dos 53 mil estabelecimentos para os quais foram elaborados relatórios, em 30 mil a diferença de salários entre homens e mulheres, principalmente na hora da contratação, é de menos de 5%.
“Já quando eu olho o salário médio, o número de estabelecimentos em que a diferença é de até 5% cai para 17.380, o que é uma fração do total de estabelecimentos. Mas a boa notícia é que nós temos exemplos de que isto é possível em todas as unidades da federal. E praticamente todos os setores de atividade. Então, a gente reputa este fato como um fato importante porque ele mostra que é possível ampliar a inserção de mulheres em todo tipo de postos de trabalho e isto pode, de fato, acelerar e diminuir a desigualdade salarial que está girando em torno de 20,7%, ou seja, as mulheres seguem recebendo em torno de 20% menos do que recebem os homens”
Dinâmica familiar precisa ser observada
A representante do MTE pontua que quando se fala da situação de homens e mulheres, muitas atividades que levam as mulheres a ficarem fora do mercado de trabalho envolve a presença de filhos pequenos, pessoas da família que precisam de apoio e suporte para que estejam em uma condição de vida melhor, e isso em geral acaba muito concentrado nas tarefas das mulheres.
“Uma forma importante que a gente vê em outros países são políticas que permitem que as crianças muito pequenas estejam em creches de tempo integral ou pelo menos durante todo o tempo do trabalho das mulheres e dos homens”, afirmou. Para isso, foi sancionada em dezembro de 2024, Política Nacional de Cuidados, diretriz que estabelece direitos e organiza o caminho para que o cuidado – com crianças, idosos, pessoas com deficiência e outros que precisam de apoio – deixe de ser uma responsabilidade individual e seja compartilhado entre famílias, governos e comunidades.
Uma das estratégias adotadas pelo MTE é, durante a elaboração do relatório, indagar à empresa se há políticas de cuidado. “Fazemos essas perguntas a cada semestre. A gente pergunta também de que forma a empresa apoia a família. Quando uma mãe precisa de férias, de creches, ou de flexibilidade maior ela tem ou não tem. Como é o acesso dos pais à licença-maternidade e à licença-paternidade”, explicou.
Ela revelou que no dia 1º de agosto começará a elaboração do 4º Relatório Transparência e Igualdade Salarial: “A nossa área de fiscalização já vem trabalhando na busca de quem não fez a divulgação dos seus resultados e se isso for recorrente a gente vai passar a multar as empresas. Conforme a gente vai alcançando as empresas, aquelas que não publicam seus relatórios são recorrentemente multadas por isso.”
“A gente também pergunta se as empresas têm políticas de contratação de mulheres, se têm política de promoção de mulheres, porque empresas que já faziam isso queriam que a sociedade também entendesse que elas estão fazendo esse esforço. Não à toa temos empresas que, ao fazer isso, têm resultados com brechas de salários muito menores do que a média, que são aquelas 17 mil empresas cuja diferença salarial entre homens e mulheres é de até 5%”, disse Montagner.
Como a lei pode atuar no enfrentamento ao racismo estrutural?
Tendo em vista que as mulheres já recebem em média 20% a menos do que os homens, quando se aplica o recorte de raça a disparidade remuneratória se torna ainda maior. Montagner esclarece que no último relatório foi proposto olhar além da diferença de salários, observar também a diferença de proporção de mulheres.
“A gente encontrou mais de 20 mil estabelecimentos entre empregados e empregadas que são mulheres negras. Há muitos estabelecimentos com 100 empregados ou mais que simplesmente não nos informam nenhuma mulher celetista negra ou parda. A gente sabe que a diversidade e o respeito começam com as contratações. Precisamos batalhar para que isso ocorra porque só vai haver igualdade salarial entre homens e mulheres se a gente também tiver uma igualdade que também inclua a superação do racismo estrutural”, defende.
Questionada de que maneira a sociedade civil pode colaborar com o MTE para que a lei seja cumprida, a entrevista reforçou a ideia que é preciso seguir incentivando meninas a estarem estudando nas áreas de engenharia, matemática, e naquelas que envolvem o uso de computadores.
“A legislação da igualdade salarial é para quem está trabalhando, mas para essa pessoa chegar no mercado de trabalho, a sociedade precisa ter preparado essas mulheres e essas meninas para que elas entendam que o espaço é de todos e que ela pode seguir aquilo que ela quer, que é estudar não apenas aquelas áreas que têm mais mulheres presentes, mas estudar inclusive para áreas que ela acha interessante”, concluiu a subsecretária.
Da Redação do Elas por Elas