Foi divulgado na última quinta-feira 18 a 18ª edição do Anuário Brasileiro da Segurança Pública, o mais amplo e qualificado estudo sobre o tema, feito a partir da base de dados disponibilizada por todas as unidades da Federação.
As mortes violentas intencionais registradas em 2023 foram 46.328, uma redução de 3,4% em relação ao ano anterior. Embora o número de homicídios venha em queda desde 2018, o Brasil segue como um dos países mais violentos do mundo, com taxa de 22,8 mortes para cada 100 mil habitantes – quase o quádruplo da média mundial de 5,8, segundo a ONU.
Deve-se ainda observar que a redução das mortes violentas vem acompanhada de crescimento proporcional (3,2%) dos registros de desaparecimento, que foram 80.317 casos.
De todo modo, a redução nos números gerais não se reflete em menos riscos aos alvos principais das mortes violentas: os negros. Os percentuais são escandalosos: 78% das vítimas desse tipo de ocorrência são pretos ou pardos, índice que sobe para inacreditáveis 82,7% quando as mortes são fruto de intervenção policial.
Isso significa que um negro tem quase quatro vezes mais chance de ser assassinado pela polícia do que um não negro. E como mata a polícia brasileira! Foram 6.393 mortes causadas por policiais em 2023. Nos últimos 10 anos, a taxa de letalidade policial explodiu, ampliando em 188,9%.
As mortes registradas de policiais foram 127, queda de 18,1% em relação a 2022. Mas o impressionante é que, também aqui, 69,7% das vítimas eram pessoas negras. Uma situação inusitada produzida pelo racismo estrutural: o negro deve ter medo da polícia e também deve ter medo de ser polícia!
E quando pegamos o recorte de crimes de violência contra a mulher? O número de estupros ocorridos em 2023 deveria indignar e envergonhar a todos os brasileiros, 83.988 casos, o equivalente a 1 a cada 6 horas. E quem são as principais vítimas? 52,2% são negras, a maioria delas crianças de até 13 anos. É sórdido e revoltante!
Lamentavelmente, todas as modalidades de violência contra a mulher cresceram, mostrando o aumento de uma mentalidade retrógrada, machista e misógina, bem ao estilo da extrema-direita. As agressões domésticas registradas foram 258.941, acréscimo de 9,8%; violência psicológica, 38.507 casos, aumento de 33,8%; feminicídios foram 1.467 ocorrências, sendo que 63,6% das vítimas eram mulheres negras.
Embora o crime de injúria racial tenha diminuído em 14%, com 13.897 registros, não se pode considerar uma boa notícia, porque os crimes de racismo cresceram 77,9%, com 11.610 casos. Sabe-se que a diferença do crime de injúria racial para o de racismo é que o primeiro é dirigido contra o indivíduo, enquanto o segundo é contra a coletividade. Ainda assim, seria interessante aprofundar o estudo para ver se os números não se devem a uma nova forma de comunicação da agressão pelas vítimas, já que, a partir da Lei 14.532/2023, a injúria foi equiparada ao racismo, o que implicou em aumento de pena.
Outros crimes de ódio cresceram, demonstrativo de uma sociedade cada vez mais intolerante e predisposta à violência. O racismo por homofobia ou transfobia cresceu 87,9%, com 2.090 casos, e os homicídios da população LGBTQIA+ foram 214, 41,7% a mais que no ano anterior.
Como se vê, as estatísticas podem ser vistas pelo ângulo do copo meio cheio ou meio vazio. Mesmo em um quadro ainda muito ruim, a redução contínua no número de mortes violentas intencionais é importante e deve ser perseguida ano após ano.
Mas, ao lado disso, é revoltante notar que a violência contra a população negra não se reduz. É triste dizer isso, mas ser negro é um risco permanente no Brasil. Até quando homens, mulheres e meninas negras continuarão andando com um alvo no meio do peito?