do Diap – Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar

Antônio Queiroz: Redes sociais como desafio do governo federal

Eventos recentes ressaltam a emergência de mudança profunda na comunicação do governo federal para o ambiente digital e na regulamentação das redes sociais no Brasil, considerando o papel estratégico dessas plataformas na construção de narrativas e na influência política.

Antônio Augusto de Queiroz

Entre os marcos que ampliam a janela de oportunidade para essas transformações, destacam-se o julgamento do Marco Civil da Internet pelo STF (Supremo Tribunal Federal), o anúncio de Mark Zuckerberg, CEO da Meta, de abandonar a mediação de conteúdos, a polêmica nomeação de Elon Musk como ministro de Trump e a recente substituição na Secom (Secretaria de Comunicação) da Presidência da República.

Com mais de 170 milhões de brasileiros conectados, o ambiente digital tornou-se espaço de interação constante, onde o WhatsApp se destaca como 1 das plataformas de comunicação mais populares, e outras redes sociais se consolidam como arenas essenciais para debates públicos e construção de narrativas.

Esse cenário posiciona o digital no centro das estratégias de comunicação, que exige do governo abordagem profissional e eficaz para engajar diferentes públicos, superar bolhas e converter as ações em apoio popular.

Nessa perspectiva, o espaço digital tornou-se campo de batalha, em que a comunicação do governo tem se mostrado ineficaz, tanto na forma quanto no conteúdo, o que evidencia a necessidade de comunicação governamental que esteja alinhada às dinâmicas digitais.

Desinformação domina debate público
A insistência em privilegiar o jornalismo tradicional e a publicidade em grandes veículos relegou as redes sociais a papel secundário, o que permite que a desinformação domine o debate público. Essa estratégia não apenas enfraquece a capacidade de o governo se comunicar com a população, mas também gera desgaste significativo na imagem do presidente e da gestão.

O exemplo disso é o fato de que as conquistas do governo, como o crescimento econômico, a geração de empregos e a distribuição de renda, não têm sido traduzidas em apoio popular, como evidencia os índices de aprovação do presidente apontados em diversas pesquisas de opinião.

Regionalização dos conteúdos
Além disso, a falta de regionalização dos conteúdos é outro fator que prejudica a efetividade da comunicação governamental. O Brasil é 1 País de dimensões continentais e profundas desigualdades regionais.

Para dialogar com diferentes segmentos da população, é essencial que as mensagens sejam adaptadas às especificidades culturais, econômicas e sociais de cada região. As políticas públicas, com reflexos positivos em regiões menos desenvolvidas, por exemplo, não têm sido devidamente comunicadas, o que resulta em baixos índices de aprovação, mesmo diante de avanços concretos.

Com a recente mudança na Secom, espera-se redirecionamento da estratégia comunicacional, com foco em mensagens consistentes que transmitam esperança e confiança. É imperativo que o governo priorize a prestação de contas à sociedade, com destaque para as realizações, combatendo desinformações e evitando alimentar narrativas adversárias.

Comunicação com educação política
Comunicação baseada em educação política, promoção da democracia e defesa das instituições é essencial para reverter o atual cenário. Esse esforço demanda equipe qualificada, capaz de explorar ao máximo o potencial das redes sociais para atingir milhões de brasileiros conectados.

Quanto à regulamentação das redes sociais, se antes essa era necessidade, agora tornou-se imperativo. O alinhamento ideológico entre líderes de big techs, como Elon Musk, da X (antigo Twitter), e Mark Zuckerberg, da Meta — Facebook, Instagram, WhatsApp e Threads —, e Donald Trump, evidencia o risco de a consolidação da doutrina ultraconservadora no ambiente digital.

Essas plataformas, ao priorizarem interesses comerciais e ideológicos, criam ambiente propício à propagação de fake news, campanhas de ódio e outras práticas prejudiciais à democracia.

Marco Civil da Internet
O julgamento do Marco Civil da Internet pelo STF é passo importante, mas precisa ser complementado por medidas legislativas robustas, como a aprovação do PLP (Projeto de Lei Complementar) 234/23, do deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP)1.

Esse projeto, que institui a Lei Geral de Empoderamento de Dados, visa devolver ao cidadão a titularidade sobre seus dados, atualmente explorados comercialmente pelas big techs e contribuir para a verdadeira cidadania digital. Ao garantir a privacidade e a propriedade dos dados, o projeto contribui para a criação de ecossistema digital mais justo e transparente.

A ausência de regulamentação adequada, somada à falta de comunicação governamental eficaz, tem permitido que grupos que exploram a insatisfação popular ampliem mensagem de cunho conspiratório, além de consolidar a presença da extrema-direita nesse espaço.

Isso tem levado a que influenciadores digitais alinhados a discursos extremistas não apenas promovam campanha de ódio e desinformação, como se remunerem por essas atividades criminosas, por meio da monetização de conteúdos.

Esses indivíduos frequentemente utilizam as plataformas para atacar autoridades, movimentos sociais e cívicos, enquanto buscam proteção política para perpetuar práticas criminosas. Esse ciclo vicioso, em que o crime compensa, precisa ser interrompido por meio de regulamentação, que responsabilize tanto as plataformas quanto os usuários, e permita a depuração de conteúdos criminosos nas plataformas.

Perpetuação de práticas abusivas
A experiência recente das eleições municipais de 2024 ilustra como a manipulação de algoritmos pelas big techs pode influenciar o resultado eleitoral.

Apesar da interrupção temporária da X, por decisão judicial, e a mediação de conteúdos, que a Meta ainda praticava naquele período, tenham limitado parcialmente o impacto da extrema-direita, a falta de regulação mais ampla deixou o terreno propício para a perpetuação de práticas abusivas.

Frente a esse cenário, é essencial que o governo federal atue de forma coordenada em 2 frentes complementares:

• na implementação de comunicação eficaz e inclusiva, que reconheça a importância das redes sociais como espaço central para o debate público; e

• na promoção de regulamentação robusta, que garanta a responsabilidade das plataformas e dos usuários.

Somente assim será possível enfrentar os desafios impostos pelas redes sociais e criar ambiente digital que promova a democracia, o respeito às instituições e o bem comum.

Antônio Augusto de Queiroz Jornalista, analista e consultor político, mestre em Políticas Públicas e Governo pela FGV. É sócio-diretor da empresa “Consillium Soluções Institucionais e Governamentais”, foi diretor de Documentação do Diap. É membro da Câmara Técnica de Transformação do Estado, do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, e do Cdess (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável) da Presidência da República – Conselhão. Publicado originalmente na revista eletrônica Teoria&Debate.
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1 Projeto vai ser submetido à análise de comissão especial, pelo fato de ter sido distribuído a mais de 4 comissões temáticas da Câmara dos Deputados. Decisão tomada pela Mesa Diretora, em 19 de de junho de 2025.

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Last Update: 13/01/2025