Um fim de semana que retratou o Brasil dos contrastes

Por Antonio Sérgio Neves de Azevedo*

O Brasil viveu, neste fim de semana, uma sequência de cenas que condensam, em imagens potentes, os contrastes da nossa vida pública.

De um lado, a comoção nacional pela despedida de Preta Gil, celebrada com dignidade, afeto e cultura. De outro, a lenta agonia política de um bolsonarismo que se desfaz entre tornozeleiras eletrônicas, bravatas e protestos esvaziados.

A morte de Preta Gil não foi apenas a perda de uma artista, foi o adeus a uma voz corajosa da diversidade brasileira, alguém que transformou dor em arte e usou sua visibilidade para falar de amor, respeito e superação. O país se despediu com homenagens sinceras, numa rara união em tempos de tanta polarização.

Enquanto isso, o campo político era tomado por episódios que beiram o surreal, mas que, lamentavelmente, se tornaram parte do cotidiano institucional do país.

Em outro espectro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro decidiu dobrar a aposta na radicalização e publicou um vídeo com ataques diretos ao ministro do STF, Alexandre de Moraes, e à Polícia Federal.

Num tom provocativo, lançou insinuações de retaliação e tentou colocar sob suspeita as instituições democráticas, num gesto que revela não força, mas o desespero de quem perdeu o protagonismo e tenta sobreviver no caos.

O isolamento do bolsonarismo torna-se cada vez mais evidente, um projeto político que se mostra esgotado não apenas em sua viabilidade, mas também em sua retórica.

Enquanto isso, o ex-presidente Jair Bolsonaro passou o fim de semana recluso, monitorado por tornozeleira eletrônica. Esta, carregada de simbolismo, resume o colapso de um projeto de poder autoritário que desprezou o diálogo e o respeito às instituições e que agora, não por acaso, é cobrado com o rigor da lei.

Nesse passo, a reação popular foi marcada pela ironia e pelo alívio: festas com samba, cartazes satíricos e celebrações espontâneas tomaram as ruas em algumas cidades.

O tom era de leveza, uma espécie de carnaval democrático fora de época, que confirma o distanciamento crescente entre o povo e o ex-presidente. Tentando exibir alguma resiliência, grupos bolsonaristas convocaram uma manifestação em apoio a Donald Trump e Bolsonaro. O resultado foi pífio.

Na avenida Paulista, antes bastião da extrema direita, restaram alguns poucos militantes dispersos, e o contraste com as mobilizações de outrora foi gritante. A maré virou, e com ela o eco de um passado que já não empolga nem mesmo seus fiéis mais ruidosos.

Do outro lado do hemisfério, Trump também vive dias de desconforto. A pressão sobre o presidente norte-americano aumentou após novas revelações sobre sua possível ligação com a lista de contatos do milionário Jeffrey Epstein. As suspeitas reacenderam debates sobre moralidade, impunidade e a fragilidade ética de certos líderes que se vendem como paladinos da família.

Assim como Bolsonaro, Trump vê o passado bater-lhe à porta com a força implacável das instituições que ele tentou subverter. O que os unia ideologicamente agora os aproxima também no desgaste jurídico e político.

E como se não bastasse a simetria entre os escândalos, o Brasil ainda precisa lidar com os reflexos da retórica protecionista de Trump. O presidente americano ameaçou aplicar tarifas de até 50% sobre produtos brasileiros como carne, café e suco de laranja a partir de agosto.

Em resposta, o ministro Fernando Haddad afirmou que o Brasil permanecerá à mesa de negociação, pronto para acionar a Lei da Reciprocidade e redirecionar exportações, bem como criar linhas de crédito para mitigar impactos sobre os produtores nacionais.

A postura do governo brasileiro, marcada pela firmeza sem confronto, revela uma maturidade institucional que se contrapõe, com elegância e estratégia, à histeria tarifária que se alastra por certos círculos do populismo global.

O contraste entre as despedidas e os delírios do fim de semana não poderia ser mais revelador.

Enquanto o país chora uma artista que simbolizava resistência, alegria e coragem, a política nacional busca se desvencilhar dos escombros de um projeto autoritário já sem povo, sem voz e sem rumo.

Ao cabo, resta-nos a lição inescapável: a democracia não foi concebida para servir de tablado a bravateiros, nem de trincheira a falsos messias, tampouco de reduto a aprendizes de tirano.

Ela é, e continuará sendo, uma construção árdua, sedimentada na memória dos que resistiram, na cultura dos que sonharam e na justiça dos que ousaram fazer diferente.

É curioso, porém, que justamente aqueles que mais clamam por “liberdade” se revelem tão desconfortáveis com o seu exercício legítimo, sobretudo quando exercido por instituições sólidas e cidadãos livres.

No fim, a História, com seu humor impiedoso e senso de proporção, se encarrega de colocar cada personagem no devido rodapé. E o Brasil, entre sambas e tropeços, segue, de cabeça erguida e olhar atento, escrevendo suas páginas com a tinta teimosa da esperança na conquista de um futuro melhor para todos.

*Antonio Sérgio Neves de Azevedo – estudante de doutorado – Curitiba/PR

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Last Update: 22/07/2025