Brasil, Minerais Críticos e Soberania Tecnológica

Por Antonio Sérgio Neves de Azevedo*

Na encruzilhada entre a geopolítica do século 21 e a emergência climática, o Brasil começa a redescobrir o valor estratégico de seu subsolo.

A recente iniciativa do governo federal para estruturar uma Política Nacional de Minerais Críticos representa mais do que um ajuste de rota: trata-se de tentativa histórica de reposicionar o país no tabuleiro global da tecnologia e da energia limpa.

O mundo vive uma corrida inédita por minerais como nióbio, terras raras, lítio, cobalto e grafite, insumos essenciais à transição energética, à mobilidade elétrica e à indústria de ponta.

De repente, nomes que antes circulavam apenas em laboratórios de engenharia ou planilhas de mineradoras passaram a figurar nos corredores diplomáticos e nos fóruns internacionais de segurança nacional. O Brasil, até aqui um exportador passivo de riquezas brutas, é agora visto como peça-chave em um novo arranjo de poder mundial.

Essa nova atenção internacional ficou evidente com a revelação recente de que os Estados Unidos formalizaram interesse em estabelecer parcerias com o Brasil para o fornecimento de minerais estratégicos.

A narrativa, em tese, é de cooperação entre democracias para diversificar cadeias de suprimento e reduzir a dependência da China. Mas, para quem observa com lupa, percebe-se que o interesse é menos pela parceria e mais pela posse.

A história da mineração brasileira é uma aula amarga de como não fazer política de recursos naturais: ausência de valor agregado, destruição ambiental, exclusão social e lucros drenados ao exterior.

O Brasil detém 98% das reservas conhecidas de nióbio e possui depósitos promissores de terras raras em estados como Bahia, Pará e Amazonas.

No entanto, seguimos sem dominar as tecnologias de transformação desses elementos em bens industriais de alto valor agregado, como supercondutores usados no desenvolvimento de IAs, turbinas avançadas e ligas metálicas de alta performance.

É por isso que a nova política para minerais críticos precisa romper com o modelo colonial de exploração. Três eixos devem estruturá-la: controle estratégico estatal, autonomia tecnológica nacional e segurança jurídica com justiça socioambiental.

Primeiro: o Estado precisa assumir papel de protagonista, garantindo soberania sobre os depósitos, orientando a exploração com responsabilidade socioambiental e exigindo contrapartidas concretas em forma de investimento, pesquisa e reindustrialização. Minerais críticos não são commodities comuns: são ativos de poder.

Segundo: não haverá soberania real sem domínio tecnológico. O Brasil precisa investir pesadamente em centros de excelência voltados à extração, separação, refino e aplicação de elementos estratégicos.

Temos universidades e institutos com potencial, mas carecemos de visão de longo prazo e de investimentos maciços em ciência, tecnologia e inovação. A transformação do nióbio e das terras raras em motores elétricos, baterias sólidas ou ligas metálicas supercondutoras exige conhecimento de ponta, ciência em seu estado mais puro e refinado.

É nesse ponto que a engenharia e a ciência dos materiais se tornam absolutamente importantes. Trata-se de uma área estratégica, responsável por estudar, projetar e aplicar materiais em sua forma mais nobre, promovendo inovação desde a extração até o produto final.

Essa engenharia está na base de muitos dos avanços em energia limpa, eletrônica, mobilidade elétrica e tecnologias médicas. Sem profissionais altamente qualificados nas ciências duras, o Brasil permanecerá como mero fornecedor de matérias-primas, incapaz de disputar o protagonismo industrial do futuro. Valorizar, formar e reter talentos é, portanto, uma questão de soberania nacional.

Terceiro: é urgente estabelecer mecanismos legais e diplomáticos que protejam os interesses nacionais contra práticas neocoloniais. A mineração high-tech precisa romper com a lógica de exclusão que caracterizou o passado. Isso inclui garantir os direitos das comunidades tradicionais, estabelecer compensações ambientais justas e assegurar o retorno social da riqueza gerada.

Além disso, o Brasil precisa construir uma governança eficaz para os minerais críticos, orientada ao desenvolvimento soberano. Isso implica integrar políticas industriais, tecnológicas e ambientais, rompendo com a lógica de dependência que marcou a mineração tradicional.

Estudos recentes alertam para os riscos de se repetir o padrão histórico de especialização primária e reforçam a necessidade de uma política pública articulada, que fortaleça a capacidade do Estado em coordenar interesses públicos e privados.

A transição energética só será justa e sustentável se estiver vinculada a um novo pacto federativo e territorial, que democratize os ganhos e reduza as assimetrias regionais.

Nesse contexto, se países como os Estados Unidos desejam acesso ao nosso lítio e nióbio, que venham como sócios, não como achacadores ou compradores de ocasião. Que tragam investimento, transferência de tecnologia, formação de profissionais e respeito ao arcabouço jurídico e constitucional brasileiro. O mundo precisa de nossos minerais, mas o Brasil precisa, sobretudo, de um projeto de nação para um contínuo e estável crescimento.

Dito isso, em tempos de descarbonização global, digitalização acelerada e guerras por cadeias produtivas, o Brasil tem diante de si uma janela histórica de oportunidades. Mas ela se fechará rapidamente se não souber agir com visão estratégica, coragem política e compromisso com as presentes e futuras gerações.

A independência que nos falta hoje não se conquista com espadas ou discursos de ocasião, mas com investimentos maciços em ciência, tecnologia dos microchips, nuclear, supercondutores, superligas e centros de pesquisa em inteligência artificial.

Tudo isso exige atenção urgente do Brasil. Trata-se da independência mineral, científica e tecnológica, e ela deve ser conquistada, palavra por palavra, por mãos brasileiras com dedicação, garra e vontade.

Dessa feita, o século 21 não será lembrado apenas pela emergência climática ou pelas transformações digitais, mas pela redefinição radical das soberanias nacionais a partir da geopolítica dos materiais estratégicos.

Nesse novo cenário, o Brasil não pode mais se permitir o papel subalterno de exportador de riquezas in natura, enquanto importa tecnologia a preços exorbitantes. A construção de uma Política Nacional de Minerais Críticos não é apenas uma resposta à conjuntura internacional, é um gesto de autodeterminação, uma recusa ao velho ciclo de dependência que marcou nossa história.

Assumir o protagonismo nesse campo exige mais do que explorar jazidas: requer transformar potencial em potência, vocação em projeto.

É hora de o Brasil integrar conhecimento científico, proteção ambiental e justiça social em uma política de Estado que vá além dos ciclos eleitorais. Se a riqueza do subsolo brasileiro hoje desperta o apetite das grandes potências, que isso nos sirva de alerta e de avanço, e não de deslumbramento momentâneo.

A verdadeira soberania tecnológica nasce quando um país domina as cadeias de valor, protege seu território e promove seu povo. E esse futuro, embora disputado, ainda está ao nosso alcance.

Cabe aos brasileiros e brasileiras decidirem se continuaremos exportando o futuro, ou se teremos a coragem histórica de construí-lo aqui, com inteligência, dignidade e propósito nacional.

Antonio Sérgio Neves de Azevedo é estudante de doutorado, Curitiba/Paraná

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Governo Lula,

Last Update: 29/07/2025