Anistia, o veneno mortal para a democracia brasileira

por Carlos Frederico Alverga

A possibilidade de concessão de anistia para os terroristas que atentaram fortemente contra a democracia nacional, pretendendo exterminá-la, tem sido dos assuntos mais em voga nos últimos tempos. Tal pretensão imoral e descabida tem ocupado vasto espaço na agenda legislativa do Congresso Nacional. A anistia é inadmissível e impossível juridicamente, pois a Constituição Federal, no seu artigo 5º, inciso XLIII (43), veda completamente a concessão de anistia ou graça para atos de terrorismo, categoria na qual, indiscutivelmente e indubitavelmente, se enquadram os atos antidemocráticos e pró implantação da ditadura de extrema-direita no Brasil perpetrados em 8 de janeiro de 2023. Tal dispositivo constitucional tem a seguinte redação:

“a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;”

É relevante salientar que a Constituição vedou totalmente tanto a graça, concedida pelo Presidente da República, titular do Poder Executivo da União, quanto a anistia, decidida pelo Congresso Nacional (Poder Legislativo da União), relativamente ao cometimento dos delitos de terrorismo, tais como os perpetrados no 8 de janeiro de 2023.

Na mesma linha precedentemente exposta, o Ministro Celso de Mello, em artigo publicado no site do Instituto Conhecimento Liberta em 15/04/2025 argumenta pela total e plena impossibilidade de concessão de anistia para os perpetradores dos atos terroristas de 8 de janeiro que pretendiam implantar no Brasil a ditadura terrorista da extrema-direita do finado AI-5. Escreve o Ministro:

“O Congresso Nacional NÃO pode exercer seu poder de legislar, em matéria de anistia, (1) naquelas hipóteses pré-excluídas pela Constituição do âmbito normativo desse ato de clemência soberana do Estado (tortura, racismo, tráfico de drogas, terrorismo, crimes hediondos e delitos a estes equiparados, CF, art. 5º., n. 43), (2) nos casos em que o Legislativo incidir em desvio de finalidade, distorcendo ou subvertendo a finalidade dessa modalidade do poder de graça, como ocorreria se a concessão de anistia objetivasse atribuir ao Parlamento a condição anômala (e inadmissível) de órgão revisor das decisões judiciais (as do STF, na espécie), como revela a intenção motivadora do projeto de lei (e de seu substitutivo) ora em curso na Câmara dos Deputados, (3) em situação que caracterize ofensa ao princípio da separação de poderes (vício em que também incide a proposição legislativa acima mencionada) e (4) se a medida tiver por finalidade beneficiar qualquer pessoa que haja ofendido ou desrespeitado os cânones inerentes à democracia constitucional”.

Enfatiza o ex decano e ex Presidente do STF que a aprovação da lei de concessão de anistia aos terroristas do 8 de janeiro implicaria em o Congresso Nacional atuar com desvio de finalidade ao exercer, indevidamente, o papel de órgão revisional de decisões do Poder Judiciário, violando, desta forma, a cláusula pétrea da separação dos poderes, incorrendo, assim, em inconstitucionalidade insanável.

De qualquer forma, tal projeto de lei ainda teria um longo percurso a ser percorrido, tendo que vir a ser submetido ao Senado Federal e ao veto do Presidente da República, que certamente ocorreria, e tal veto teria que ser derrubado por maioria absoluta nas duas Casas Legislativas do Congresso Nacional. Mesmo que ultrapassasse todas essas fases, certamente seria declarado inconstitucional pelo Pretório Excelso, mas esse percurso tortuoso provocaria uma crise institucional totalmente desnecessária e inócua.

A anistia absurdamente agora pleiteada difere totalmente da anistia de 1979. Naquela ocasião, o país estava num processo de abertura política realizada num período de ditadura militar, regime de exceção, totalmente incompatível com a democracia, recém-saído na ocasião dos dez anos de trevas do Ato Institucional nº 5 de um regime que exterminou qualquer característica democrática do sistema político brasileiro. Situação completamente diversa é a atual, em que se pleiteia uma inadmissível anistia para terroristas que atentaram contra o sistema democrático em pleno funcionamento para impedir a posse de um Governo legitimamente eleito num pleito idôneo para implantar outra ditadura sanguinária de extrema-direita no Brasil.

Por fim, menciono um exemplo histórico, concreto e empírico da inconveniência e do equívoco fatal que será a concessão de anistia para os terroristas de 8 de janeiro de 2023. Nossa história começa em 10 de fevereiro de 1956, quando oficiais da Aeronáutica desencadeiam a revolta de Jacareacanga no Pará, sob a liderança do major Haroldo Veloso e do capitão José Chaves Lameirão, que tomaram a base militar de Jacareacanga, no Pará, com o objetivo de depor o governo legitimamente eleito de JK, evento que tem relação com outro movimento golpista ocorrido em novembro de 1955 e derrotado pelo Marechal Lott, movimento golpista este que tinha como fim impedir a posse legítima de JK na Presidência da República, atestando o inconformismo castrense com a prevalência da soberania popular na política.

Infelizmente, o Presidente Kubitschek concedeu anistia a Veloso e Lameirão. Aí, em dezembro de 1959, Veloso, o mesmo que tinha sido anistiado por JK, desta vez acompanhado por João Paulo Burnier, então tenente-coronel aviador da Aeronáutica, tentaram novamente depor Juscelino no levante de Aragarças. A anistia concedida pelo Governo JK havia sido o incentivo para que Veloso reincidisse no mesmo atentado à democracia, estímulo este que também motivou Burnier no seu cometimento de crime contra o Estado Democrático de Direito para destituir o Governo democrático e legítimo de JK, com a finalidade de implantar um regime autoritário de extrema-direita fascista em seu lugar.

Após a rebelião de Aragarças, em 1959, da qual participou como um dos líderes, estimulado pela anistia concedida por JK aos golpistas de Jacareacanga, o oficial da Aeronáutica João Paulo Moreira Burnier posteriormente participou ativamente do golpe de 1964; depois, em junho de 1968, planejou a explosão do Gasômetro da Avenida Brasil que poderia ter assassinado milhares de pessoas, além de ter tencionado jogar vivos de aviões da FAB em operação políticos como Lacerda, JK entre outros nos voos da morte depois adotados na Argentina como método de execução de opositores, para colocar a culpa dos atentados na esquerda da época, plano que só não foi concretizado devido à denúncia corajosa do capitão Sérgio Miranda de Carvalho. Além disso, o Brigadeiro Burnier foi o Comandante da 3ª Zona Aérea, que abrangia a Base Aérea do Galeão, local onde foram assassinadas no início dos anos 70 algumas pessoas sob tortura, tais como o militante Stuart Edgard Angel Jones em maio de 1971. Moral da História: a impunidade é a mãe da reincidência. Se os terroristas de 8 de janeiro forem anistiados, daqui a 6 meses haverá outra tentativa de detonar nossa frágil e débil democracia. Não esquecer, sempre lembrar, para nunca mais repetir.

Fontes para as informações sobre o Brigadeiro Burnier:

https://www.brasildefato.com.br/colunista/ayrton-centeno/2020/02/05/o-capitao-que-salvou-o-brasil/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Caso Para-Sar

Luis Carlos Sarmento e Gabriel de Barros Nogueira (1 de julho de 1985). «Caso Para-Sar: O homem que evitou um banho de sangue» (PDF). Revista Fatos, nº 15, Editora Bloch.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Paulo_Burnier

https://pt.wikipedia.org/wiki/Revolta_de_Jacareacanga

Carlos Frederico Alverga: economista graduado na UFRJ, especialista em administração pública pelo Cipad/FGV e em Direito do Trabalho e Crise Econômica pela Universidade de Castilla La Mancha (Espanha) e mestre em Ciência Política pela UnB. E-mail: [email protected]

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 24/04/2025