Anistia. O mais grave é esse cheiro de “in Fux we trust” no ar
por Armando Coelho Neto
Se a mulher do batom tivesse morrido de Covid, Bozo estaria rindo. Essa fala é do jornalista Juca Kfouri, citando um terceiro. Pois é, Bozo não apenas riria, e por certo faria deboches, como o fez com os 700 mil mortos pela Covid que tem nas costas. Nada pessoal, portanto, contra a mulher que abandonou os filhos para se enfronhar no vandalismo golpista, a exemplo de outros que penam nas masmorras argentinas.
Corta! No Brasil, a geração que entendeu e lutou contra a ditadura está morrendo. É desesperador crer que a atual geração possa aprender sozinha o que é ditadura. Essa fala é inspirada em Glenn Diesen, cientista político norueguês, ao se referir à atual geração europeia, que esqueceu a Segunda Guerra Mundial e por disfunção cognitiva dá suporte à guerra na Ucrânia, leia-se, Otan X Rússia, o que é correto.
Por não saber o que é ditadura, muita gente chama de ditadura o momento atual, crente de que numa ditadura, o pastor “Mala-cheia” (segundo alguns) poderia subir num palanque para injuriar e caluniar de forma direta ou indireta membros do Supremo Tribunal Federal, dos Três Poderes como um todo, além de chamar de covardes militares democratas de alta patente, que se opuseram ao golpe de estado.
Quem não sabe o que é ditadura não sabe o que é democracia. Por nada saber de democracia não tem a dimensão a ela conferida pelo processo civilizatório. Atentar contra a democracia pode ser equiparado a um furto de celular, um crime de turba qualquer, como aqueles na cidade de Paulista/PE, 2017. Lojas foram depredadas, um cidadão levou uma televisão para casa e no dia seguinte foi devolver.
Nesse contexto, os culpados defendem não ser hora de procurar culpados; é preciso apaziguar o país, quando eles próprios, os culpados, com enfático apoio da grande mídia, contribuíram para o descrédito nas instituições, criaram a lenda dos gestores como substitutos dos administradores da coisa pública. E, claro, criando canais próprios para distorcer a realidade, do gênero “Brasil Para Lerdos”!
O Direito tem regras próprias, tem crimes e penas definidos, e impor penas é um cálculo definido em lei. Foram Bozo e seus asseclas que criaram a lei na qual foram enquadradas a mulher do batom, Fátima de Tubarão, a velhinha da bíblia, a velhinha da cadeira de rodas e outras mentes corrompidas. Sim, podem até ser coitados. Mas pedir direitos humanos para eles trajando camisa do torturador Brilhante Ustra…
A volta ao tema decorre da onda de hipocrisia, vitimismo e falsas semelhanças com outras passagens históricas. Hipocrisia, por que não há efetiva preocupação com quaisquer dos envolvidos, exceto com a possível prisão do ex-capitão, asseclas, militares e financiadores. Como raposas com as bocas cheias de penas negam que comeram a galinha. Negam até provas por eles produzidas contra si próprios.
Vitimismo. Desejam criar comoção social, como um leproso que expõe suas feridas nas calçadas para ganhar dinheiro explorando a compaixão alheia. Como tenta fazer, por exemplo, o jornalismo fascista que cravou: “Idosa de 74 anos presa pelo 8/1 usa cadeira de rodas no cárcere”. Tão cínico quanto o “Esperem mais 72 horas” – bordão de um general sabujo que cantava “Se gritar pega ladrão não fica um”.
Sobre as falsas semelhanças, tentam comparar o vandalismo jurídico praticado pela Farsa Jato – a maior operação lesa-pátria da história, com as ações de hoje em defesa da democracia. Para tanto, recorrem recorrendo a preciosismos jurídicos, chavões bíblicos, apelos emotivos, além da prostituição das palavras anistia, justiça, uso da liberdade de expressão (pressuposto da democracia) para pregar seu fim.
De inspiração nazifascista, os autores do golpe utilizam como mote os males sociais criados pelos seus financiadores. Leia-se donos de grandes fortunas que não querem pagar imposto, que se apropriam de todas obrigações fiscais, previdenciárias, trabalhistas e depois jogam a culpa na ineficiência do Estado e ou nos governantes que eles ajudam a eleger, com mais ou menos financiamento.
O crime em debate vai muito além do 8 de janeiro. Minimizar tal crime e falar de anistia é reafirmar o desapreço pela democracia, é como pedir o direito de reeditar toda trama golpista. É desconhecer a democracia como fonte de todos os demais direitos. O Estado de Direito continua sob forte risco, cada movimento pró-anistia soa tão forte, a ponto de já se fazer sentir um cheiro de “in Fux we trust” no ar.
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo
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