O ministro Gilmar Mendes vê como inaceitáveis os pedidos de anistia a investigados pela tentativa de golpe de Estado em 2022 e defende que, a partir do trabalho da Polícia Federal, a Procuradoria-Geral da República apresente denúncias “em muitos casos”.
“Não vejo sentido nessa proposta”, resumiu Gilmar, nesta quinta-feira 12, em entrevista a CartaCapital. Segundo ele, o perdão serviria como estímulo para que movimentos como a intentona que culminou no 8 de Janeiro se repitam. “Isso de maneira nenhuma é aceitável.”
Os bolsonaristas tentam garantir uma espécie de perdão prévio a Jair Bolsonaro (PL), um dos 40 indiciados pela PF por envolvimento na trama golpista de dois anos atrás. Os investigadores enquadraram o ex-presidente nos crimes de organização criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.
A lista original da PF apresentava 37 indiciamentos. Na quarta-feira 11, a corporação encaminhou ao STF mais três nomes, todos de militares. Um deles, o coronel da reserva do Exército Reginaldo Vieira de Abreu, enviou em novembro de 2022 ao general Mario Fernandes (também apontado como articulador do golpe) uma foto de Gilmar Mendes no aeroporto de Lisboa, em Portugal. Os dois estiveram no mesmo voo.
O homem que se explodiu na frente da sede do Supremo no mês passado e as revelações da PF nos dias seguintes esfriaram as conversas sobre anistia, mas o tema continua vivo na tropa de choque bolsonarista no Congresso Nacional. Os principais objetivos são evitar a prisão de Bolsonaro e devolvê-lo ao jogo político, a partir de uma reversão de sua inelegibilidade.
Mendes disse esperar que o Legislativo não tome decisões neste sentido. “Mancharam a imagem do Brasil no exterior e agora, diante do insucesso, sugere-se uma anistia. Isso não faz qualquer sentido.”
Na entrevista, o ministro relembrou ainda os desafios enfrentados pela Corte sob o governo Bolsonaro e defendeu a abertura, em 2019, do chamado inquérito das fake news, sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes. Trata-se de um dos principais meios pelos quais avançaram investigações contra aliados de Bolsonaro.
“Entendemos de abrir o inquérito das fake news, talvez para fazer face ao movimento que havia na Lava Jato, de Curitiba, em que insistiam em atacar o STF, mas também para enfrentar aquilo que se timbrou chamar de ‘gabinete do ódio’ — a ideia de que havia um espaço no Palácio do Planalto para destilar informações contra instituições.”
Além do ‘gabinete do ódio’, diz Gilmar, vieram a pandemia da Covid-19 e o recrudescimento dos ataques às urnas eletrônicas, de olho na eleição presidencial de 2022.
As investigações apontaram, na avaliação do decano do STF, que as urnas eram um mero pretexto para justificar, em caso de derrota de Bolsonaro, o fechamento do Tribunal Superior Eleitoral e outras medidas de ruptura institucional.
“E aí aparecem essas propostas de prender ou eventualmente matar um ministro do STF, o presidente e o vice”, acrescenta. “Agora, essas medidas vão ser certamente investigadas aprofundadamente pela PGR e, em muitos casos, dever haver denúncias e o tribunal prosseguirá no julgamento dessa matéria.”
Alexandre de Moraes enviou o inquérito do golpe à PGR, comandada por Paulo Gonet, que pode denunciar os indiciados, arquivar o caso ou solicitar novas diligências.
Leia o que diz a Polícia Federal sobre o papel de Bolsonaro na trama e o motivo pelo qual o plano fracassou:
“Os dados descritos corroboram todo o arcabouço probatório, demonstrando que o então presidente da República, Jair Bolsonaro, efetivamente planejou, ajustou e elaborou um decreto que previa a ruptura institucional, fato que não se consumou por circunstâncias alheia a sua vontade, no caso, a resistência do comandante do Exército Freire Gomes e da maioria do Alto Comando que permaneceram fieis a defesa do Estado Democrático de Direito, não dando o suporte armado para que o presidente da República consumasse o golpe de Estado”.
Assista na íntegra à entrevista de Gilmar Mendes a CartaCapital: