Por Maria Fernanda Silva**
Esta foi uma semana terrível para Bolsonaro.
Revelações de que comandou o esquema de roubo de joias sauditas que pertencem ao acervo da Presidência da República e, tão ou mais grave, que ele e seu grupo espionaram integrantes dos Três Poderes, o colocaram mais próximo da cadeia.
Era para a mídia corporativa brasileira ter dado o maior destaque para tais assuntos, a exemplo do que fez a mídia internacional.
No caso das joias, Bolsonaro vinha negando qualquer ação envolvendo relógios, colares, anéis e estatuetas que afanou e depois, atabalhoadamente, tentou devolver.
Quanto à espionagem, nem seus aliados de primeira hora, como os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, escaparam dela. O esquema montado pelo ex-capitão e sua turma espionou também ministros do STF, empresários, advogados e jornalistas.
Literalmente ninguém estava seguro e com privacidade garantida durante os quatro anos em que esteve no poder.
Detalhe: nesta espionagem, foi utilizada tecnologia israelense. O que explica aquelas inúmeras viagens, sem aparente motivo, de filhos e assessores de Bolsonaro a Israel. Explica ainda o “carinho” desta família para com um estado que comete genocídio contra o povo palestino.
As ações de Bolsonaro envolvendo o roubo das joias só vieram a público, porque o ministro do STF, Alexandre de Moraes, retirou o sigilo do inquérito que lhe foi encaminhado pela Polícia Federal.
Se dependesse da mídia corporativa brasileira, ela daria a notícia, como deu, de forma discreta, e nada mais.
Um assunto como esse, envolvendo militares de alta patente, como o tenente-coronel Mauro Cid, e seu pai, o general Lourena Cid, viagens aos Estados Unidos, uso de aviões da FAB e até de uma agência do governo brasileiro, a Apex, não mereceu sequer uma reportagem investigativa!
As joias que Bolsonaro roubou valem mais de R$ 6 milhões. Na tentativa de encobrir o crime, ele contou com assessores militares e civis, deixando nítido como transformou a presidência da República em uma espécie de escritório para os seus interesses.
O caso da espionagem é pior ainda. Ele só veio a público em função da operação deflagrada, na quinta-feira (11), pela Polícia Federal. Se dependesse da mídia corporativa brasileira, você, caro leitor ou leitora, não ficaria sabendo de nada.
Já imaginou se tivesse sido o contrário? Se o governo Dilma ou Lula tivessem espionado os demais Poderes da República e a própria mídia?
A mídia corporativa brasileira gastou centenas de edições de jornais e revistas para denunciar um tríplex que nunca pertenceu a Lula e para tentar convencer o respeitável público que deixar algumas roupas e comprar dois pedalinhos era prova de que Lula e sua então esposa, dona Marisa, eram os verdadeiros proprietários de um sítio supostamente recebido como propina.
O Jornal Nacional, da TV Globo, fez inúmeras chamadas extraordinárias para as ações da Operação Lava Jato.
Não há como esquecer aquela imagem de um cano enferrujado, num fundo vermelho, do qual jorravam notas de R$ 100 para denunciar corrupção na Petrobras e atribui-la a Lula e ao PT, sem que nada fosse provado e sem que a família Marinho tenha pedido desculpas aos injustamente acusados e ao público.
Lula foi preso e permaneceu 580 dias na cadeia, e não lhe foi dado, sequer, o direito de se pronunciar sobre o assunto.
Não é estranho que essa mesma mídia, diante de evidências e provas as mais diversas de que Bolsonaro cometeu crimes, finja que não está acontecendo nada?
A título de exemplo, basta observar as manchetes dos principais jornais durante a última semana ou mesmo o noticiário da televisão e do rádio.
O escândalo da espionagem feito pela Agência Brasileira de Informação (Abin) por determinação de Bolsonaro não está presente, mesmo com todo o caráter explosivo que possui.
Era para ter merecido manchetes e explicações detalhadas de como acontecia, mas ficou confinado a notinhas de pé de página ou a notícias que sequer mencionavam o nome de Bolsonaro.
É importante lembrar que esse esquema além de monitorar ilegalmente autoridades, também produzia notícias falsas, as fake news, apontando para uma relação estreita com o chamado “Gabinete do ódio”, comandado por Carlos, um dos filhos de Bolsonaro.
Por que a mídia corporativa brasileira esconde os crimes de Bolsonaro e família?
Ao contrário do que alguns possam imaginar, essa não é uma pergunta cuja resposta seja difícil.
Essa mídia busca preservar Bolsonaro na tentativa de ainda usá-lo contra Lula nas eleições deste ano e em 2026, mesmo ele estando inelegível até 2030.
Além disso, é importante lembrar que essa mídia é parte do golpe que derrubou Dilma Rousseff, em 2016, prendeu Lula sem crime, em 2018 e garantiu a eleição de um ser abjeto como o ex-capitão.
Às vésperas da eleição de 2018, por exemplo, o jornal Estado de S. Paulo, em editorial, não afirmou que era muito difícil escolher entre Fernando Haddad, um professor, com várias pós-graduações, ex-ministro da Educação, um humanista, e Bolsonaro?
A mídia corporativa sabia quem era Bolsonaro. Conhecia seu histórico de péssimo militar, seus negócios escusos envolvendo “rachadinhas” e milicianos, suas posições fascistas em defesa da tortura, contra mulheres, negros e o segmento LGBTQIA+.
Parte da classe dominante brasileira, a mídia corporativa empoderou a mentirosa Operação Lava Jato, foi decisiva para derrubar Dilma e para a prisão, sem crime, de Lula e acreditava que, depois de tudo isso, o ex-presidente estaria politicamente liquidado.
A vitória de Lula para um terceiro mandato desconcertou essa turma, mas não fez com que desistisse de seus propósitos.
Lula não tem tido um minuto de tranquilidade desde que tomou posse, tendo que enfrentar e driblar uma extrema-direita feroz no Congresso Nacional e à frente do Banco Central, ambas apoiadas e elogiadas pelos proprietários de O Globo, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo.
A aposta desta mídia é de que o terceiro governo Lula naufragaria, diante da impossibilidade de viabilizar os compromissos que assumiu em campanha.
Como está acontecendo o contrário e a popularidade de Lula volta a subir, ela vê Bolsonaro como um aliado no combate ao adversário comum.
Tentar esconder o roubo das joias e a espionagem significa poupá-lo das críticas e da avaliação negativa da população e mesmo entre os seus seguidores.
Se parte dos bolsonaristas se assemelha ao gado, nada os faz mudar de opinião, a maioria não é assim e sabe distinguir o certo do errado.
Daí a importância da mídia corporativa esconder os crimes de Bolsonaro, fazendo uma espécie de parceria com as redes sociais da extrema-direita que enganam seus usuários ao colocar o ex-presidente como “vítima de perseguição política”.
É na mídia corporativa que os bolsonaristas raiz podem confirmar as informações que recebem. Se lá não encontram nada sobre os crimes de Bolsonaro, a conclusão a que chegam é de que ele realmente seja vítima de injustiça.
Desnecessário dizer que o “gado” não se informa pela mídia independente.
Mesmo Bolsonaro estando inelegível até 2030, a mídia corporativa brasileira acredita que ele possa ser útil para eleger prefeitos e vereadores esse ano contra os candidatos apoiados por Lula e, sobretudo, enfrentar o próprio Lula em 2026.
Para desespero dessa mídia, Lula já anunciou que se houver risco de a extrema-direita voltar ao poder, poderá disputar a reeleição.
Se a semana que passou foi terrível para Bolsonaro, os próximos dias podem se transformar em pesadelo se vier a público o conteúdo de um áudio em que ele, o então diretor-geral da Abin, Alexandre Ramagem (PL), e o então ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, articulam para brindar o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no caso das “rachadinhas”.
O áudio, além de atingir diretamente Bolsonaro e seu filho, pode ser fatal para a candidatura de Ramagem, que pretende disputar a Prefeitura do Rio de Janeiro.
Está nas mãos do procurador-geral da República, Paulo Gonet, decidir se o processo contra Bolsonaro e demais envolvidos no caso das joias será aberto imediatamente, aguardará o término de outras investigações ou será arquivado.
O arquivamento, pela quantidade de provas, se tornaria um escândalo do qual Gonet não se livraria jamais.
Quem o conhece acredita que possivelmente ele opte por aguardar o término de outros inquéritos dos quais Bolsonaro é alvo – falsificação de carteira de vacinas e atentado contra o estado democrático – para juntar tudo num mesmo processo.
Pode demorar um pouco ainda, mas Bolsonaro não sairá ileso dos crimes que cometeu.
Até lá, continuará sangrando e vendo seus seguidores minguarem.
Já a máscara da mídia corporativa caiu completamente.
Sua verdadeira face ficou à mostra. Ela está a serviço de todo aquele que garantir os privilégios de seus proprietários, pouco importando que sejam extremistas de direita, fascistas e criminosos como Bolsonaro, sua família e sua turma.
*Maria Fernanda Silva é Jornalista. Professora da UFMG. Membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)
*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
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