Por Ângela Carrato*
A megaoperação de combate ao crime organizado, Carbono Oculto, considerada a maior no gênero em toda a história do Brasil, tanto em abrangência quanto em complexidade, que, na última quinta-feira (28/8) mirou 350 alvos, entre eles 42 no coração financeiro de São Paulo, a avenida Faria Lima, quase desapareceu da mídia corporativa.
Exceto no noticiário das TVs na mesma noite da operação e nas manchetes dos jornalões no dia seguinte, praticamente não se falou mais no assunto.
Em qualquer país onde a mídia fosse minimamente séria, era para o assunto seguir nas manchetes, com os diversos veículos de comunicação trazendo diariamente novas informações, entrevistas e produzindo reportagens investigativas.
Não faltam conexões a serem investigadas, atitudes suspeitas de figurões e de seus assessores, fugas cinematográficas em lanchas e escritórios vazios quando a Polícia Federal chegou a alguns prédios da Faria Lima.
Não seriam esses elementos de sobra para o assunto continuar “quente” no noticiário?
Como nada é por acaso, a explicação para tal sumiço passa pelo “rabo preso” desta mídia com o “mercado” (do qual a Faria Lima é sinônimo), do apoio que dá a figurões do meio empresarial suspeitos de financiarem políticos da direita e da extrema-direita golpista e do comprometimento dela própria com o golpismo no Brasil.
Depois de uma década promovendo a Operação Lava Jato e seus falsos heróis – Sérgio Moro e Deltan Dalagnol – como paladinos no combate à corrupção e ao crime de colarinho branco, o mínimo que esta mídia teria que ter feito é pedir desculpas ao público pela enganação que lhe proporcionou.
Como isso não aconteceu e ela segue “passando pano” para o lavajatismo, mesmo após o fim melancólico e desmoralizado desta operação, é pouco provável que tenha qualquer interesse em cobrir e se aprofundar no efetivo combate à corrupção no “andar de cima”.
Para quem é familiarizado com o funcionamento desta mídia, tem sido muito interessante observar como, desde o primeiro momento, houve a tentativa de transformar as instituições financeiras alvo da operação em vítimas. No máximo, as fintechs (bancos digitais) teriam sido “usadas” pelo crime organizado (PCC) para lavar dinheiro, sem que suspeitassem de nada.
O avanço do crime organizado sobre o sistema financeiro formal é um fenômeno que merece toda atenção. A recente operação, que prendeu pessoas ligadas ao mercado financeiro por suspeita de colaborarem com o PCC, é um exemplo de como essa engrenagem criminosa opera.
Esse fato não deveria estar merecendo da mídia o maior destaque e aprofundamento nas informações?
Não se trata apenas de transações ocultas, mas da criação de estruturas para dar aparência de legalidade a recursos ilícitos, a famosa “lavagem” de dinheiro, por parte de empresas do mercado.
Por que não estão sendo feitas reportagens mostrando o que são e como surgiram as fintechs, empresas que atuam no mercado financeiro baseando-se inteiramente na tecnologia?
Uma possível resposta passa pelo fato de até antes da Operação Carbono Oculto elas não serem reguladas no Brasil, transformando-se em uma espécie de big techs da gestão de fundos e dos investimentos, por onde circulam bilhões de reais.
Situação que, obviamente, estas empresas gostariam que fosse mantida.
Um levantamento inicial indicou, por exemplo, que o PCC movimentou R$ 46 bilhões de recursos, de 2020 a 2024, através da Faria Lima.
Por que igualmente não teve o devido destaque e a repercussão que merece o anúncio feito pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que a Receita Federal passará a enquadrar as fintechs como instituições financeiras, determinando que cumpram as mesmas obrigações legais e fiscais dos bancos tradicionais?
Para uma mídia que exalta o “mercado” e o consulta para tudo – desde se gostou da subida ou queda do dólar ou de medidas adotadas pelo governo Lula -, não seria obrigação mostrar quem são, como vivem e agem os banqueiros e “figurões” da Faria Lima, alvo da operação da PF contra o PCC?
Por que os nomes de Mohamed Mourad, João Pedro Mansur, Rodolfo Riechert, Roberto Augusto Leme da Silva, Ricardo Magro, Maurício Quadrado e Nelson Tanure não viraram manchetes?
Por que não foram ouvidos ou tiveram suas conexões empresariais transformadas em ilustrações exibidas pela mídia?
Uma possível resposta, uma vez que são nomes conhecidos e fontes de vários jornalistas e analistas econômicos, é o fato de possuírem negócios e parcerias com os donos desta mídia.
O caso mais visível é Rodolfo Riechert, fundador e CEO da Genial Investimentos.
Alvo da operação, o seu banco administra o fundo Radford. O Ministério Público Federal afirma que o fundo, de R$ 100 milhões, foi constituído e utilizado pelo PCC.
O grupo Genial é também o parceiro do Instituto de Pesquisas Quaest, que substituiu o extinto Instituto Gallup na divulgação de pesquisas de opinião na TV Globo.
Já o CEO da Quaest, Felipe Nunes, é diretor da Comissão Fullbright no Brasil, conselheiro da Fundação Roberto Marinho, comentarista de política na TV Globo e na GloboNews. Mais uma vez, parece que não seria interessante para os irmãos Marinho, herdeiros do Grupo Globo, um aprofundamento sobre suas parcerias.
No terceiro governo Lula, a Genial/Quaest tem pesquisado dia sim e outro também, a popularidade do presidente Lula e suas chances numa disputa para um novo mandato em 2026. Mesmo Bolsonaro estando inelegível por oito anos, os formulários de pesquisa insistem em incluir seu nome em todas as rodadas sobre eleição presidencial.
Mero acaso? Detalhe sem importância?
Claro que não.
Vale notar que estas pesquisas, da forma como são estruturadas, acabam prestando um desserviço à democracia, colocando água no moinho dos golpistas e da extrema-direita que insistem em questionar as decisões da Justiça quanto a Bolsonaro, cujo julgamento acontece a partir desta terça-feira (2/9).
A Quaest não é o único instituto de pesquisa que tem agido desta maneira e na maioria das vezes tais pesquisas são bancadas pelo mercado financeiro. Isso, no entanto, parece um detalhe sem importância para esta mídia, sempre a procura de uma “terceira via” que a livre de uma nova vitória de Lula nas eleições
O jornal Folha de S. Paulo também é bastante próximo de uma fintech. Entre os negócios de seu proprietário, Luis Frias, está o PagSeguro, uma das maiores fintechs da América Latina, que oferece serviços financeiros como pagamentos online, contas digitais e pagamento via maquininhas de cartão. A empresa não está entre as investigadas, mas mesmo assim seu proprietário parece querer distância do assunto.
A Operação Carbono sumiu da Folha de S. Paulo e do portal UOL, outro veículo do grupo, no dia seguinte à sua realização.
Para uma mídia que, aparentemente, tenta se colocar distante dos bolsonaristas – o que definitivamente não corresponde à realidade – outra pauta interessante e oportuna seria investigar as conexões de fintechs com extremistas de direita, a exemplo do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG).
Seu vídeo denunciando uma inverídica taxação do governo Lula sobre o PIX, sistema brasileiro instantâneo de pagamentos, viralizou recentemente de forma escandalosa e muito suspeita.
O vídeo gerou uma enxurrada de fake news sobre a falsa taxação, que levou a Receita Federal a revogar medidas que apenas disciplinavam o uso e ampliavam a fiscalização do PIX. A ação de Nikolas teve alto custo político para o governo Lula e não poderia estar passando em branco.
Observando os fatos em retrospectiva, a mídia está devendo ao público reportagens ligando as pontas deste episódio, aí incluído o PCC e a lavagem de dinheiro e o próprio ataque do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao PIX considerado por ele como “concorrência desleal” às empresas de seu país.
Por ser gratuito para as pessoas físicas e ter custo baixo para as empresas, o PIX representa um forte concorrente para as grandes operadoras de cartão de crédito estadunidenses, como Visa e Mastercard.
Trump não tem nada com isso e, pior ainda, não deveria tentar se meter na vida de empresas de outro país. Mas age e tem tentado, de toda forma, prejudicar o Brasil e os interesses do povo brasileiro, auxiliado por brasileiros traidores da pátria e pela própria mídia que não mede esforços para criticar Lula e tentar responsabilizá-lo até pelas ações imperialistas de Trump contra o Brasil.
Esta mídia consegue a proeza de falar sobre as taxações dos produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos e as sanções de Trump contra autoridades brasileiras sem contextualizá-las e, sem, jamais, chamá-las pelo nome: imperialismo ou tentativa de transformar o Brasil em “quintal” do Tio Sam.
Ao agir contra o PIX, como fez Nikolas Ferreira, ele não poderia ter propositalmente prejudicado o serviço de pagamentos brasileiro?
Não poderia estar facilitando a lavagem de dinheiro por parte do PCC?
A mídia tem obrigação de abordar o assunto, especialmente num momento em que se avolumam denúncias contra este parlamentar e integrantes do seu partido, que estenderam a bandeira de Trump e dos Estados Unidos em pleno Congresso Nacional.
Para quem não poupou artifícios e mentiu descaradamente para transformar a Operação Lava Jato, parceria da classe dominante brasileira com os interesses dos Estados Unidos, em algo que pudesse parecer positivo para a nossa população, o silêncio diante da Operação Carbono Oculto é pleno de significados.
A Operação Lava Jato foi responsável pelo golpe contra a presidente Dilma Rousseff e pela prisão, sem crime, de Lula, viabilizando assim a vitória de Jair Bolsonaro para a presidência da República em 2018, com todo o entreguismo daí decorrente.
Para quem continua acreditando que a Lava Jato foi uma operação genuinamente brasileira, sugiro a leitura do livro de Luis Eduardo Fernandes, “A Internacional da Lava Jato. Imperialismo, nova direita e o combate à corrupção como farsa” (editora Autonomia Literária, 2024).
O autor detalha e comprova como a Lava Jato fez parte da chamada “guerra híbrida” dos Estados Unidos contra o Brasil. Guerra que tem início em 2013 e prossegue mais ativa do que nunca nos dias atuais.
Como a Operação Carbono Oculto deverá ter desdobramentos, não só figurões no meio político como a turma das fintechs estão preocupados. E a mídia corporativa também.
Se o papel da mídia é mostrar os fatos, o da mídia corporativa brasileira tem sido ocultá-los o máximo possível.
Resta saber até quando terá sucesso nesta empreitada.
Enganação que levou ao golpe contra a presidente Dilma Rousseff, em 2016, à prisão, sem crime, de Lula, em 2018, e à eleição de Jair Bolsonaro. Um pesadelo do qual ainda não conseguimos nos livrar totalmente.
*Ângela Carrato, jornalista, professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG. É membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Imprensa (Abi)