Em entrevista ao britânico Financial Times, Celso Amorim afirma que tarifaço tem motivação política e defende que o Brasil trabalhe por agenda multipolar no BRICS
O Brasil, acusado por setores do campo progressista de conduzir uma diplomacia vacilante sobre temas como a ampliação do BRICS e a adesão à Nova Rota de Seda da China, pode caminhar de modo mais acelerado na direção de um fortalecimento do Sul Global. Em meio à pressão ao país imposta pelas tarifas de 50%, anunciadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, há cerca de três semanas, o país deverá reforçar laços com os países que integram o BRICS, incrementando a agenda multipolar do bloco. A avaliação é do assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Celso Amorim. Em entrevista ao jornal britânico Financial Times, publicada neste domingo (27), o ex-chanceler brasileiro criticou a chantagem de Trump ao Brasil, reiterando que as razões do tarifaço são eminentemente políticas.
Ao FT, Amorim pontuou que a interferência de Trump nos assuntos internos do Brasil é algo “que não se via nem nos tempos coloniais”. “Acho que nem a União Soviética faria algo parecido”, acrescentou, observando que Trump “tenta agir politicamente dentro [do Brasil] em favor de seu amigo”. O diplomata referiu-se a Jair Bolsonaro, cuja família alimenta o ataque americano à soberania nacional para livrar o extremista da cadeia em função dos crimes cometidos na tentativa de golpe de Estado de 2022.
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Para Amorim, a investida de Trump pode ser um tiro no próprio pé, do ponto de vista geopolítico. “[Esses ataques] estão, na verdade, fortalecendo nossas relações com o BRICS, pois queremos relações diversificadas e não depender de um único país”, sustentou. Ele argumentou que a China não deve ser a única beneficiada em uma estratégia de ampliação da participação brasileira no comércio internacional. “Não é a nossa intenção”, disse, referindo-se ao maior parceiro comercial do Brasil e responsável pela importação de US$ 94 bilhões em produtos agrícolas e minerais no ano passado.
União Europeia e Mercosul
Seguindo essa lógica, o assessor da Presidência voltou a defender o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, ainda travado nas mesas de negociação. Na visão de Amorim, o avanço do tratado se dá até por uma necessidade de recalibragem da balança de poder no tabuleiro geopolítico global. “Se a União Europeia fosse inteligente, ratificaria não só pelo ganho econômico imediato, mas também para buscar mais equilíbrio em suas relações”, avaliou.
Amorim afirmou também que o Canadá demonstrou interesse em negociar um acordo de livre comércio com o Brasil e revelou que o governo Lula deve intensificar suas atenções na América do Sul. A região é a que menos faz comércio interno no mundo, e Lula há muito defende a necessidade de maior integração latino-americana, independente do viés ideológico de cada governo.
Relembrando o ditado diplomático de que “os países não têm amigos, só interesses”, Amorim apontou que o extremista de direita americano é um caso à parte, pois “não tem amigos nem interesses, apenas desejos”. A postura do presidente norte-americano é, de acordo com o diplomata, “uma amostra de poder absoluto”.
União Europeia e EUA
Ao jornal O Globo, em entrevista também publicada neste domingo, Amorim comentou o recém-firmado acordo entre os Estados Unidos e a União Europeia, claramente desfavorável aos europeus, não pode ser comparado com o imbróglio brasileiro com Washington. “Não conheço em detalhe [o acordo] e que me consta a União Europeia não teve seu sistema judicial agredido. Não dá pra comparar”, declarou o ex-chanceler brasileiro.
Há pouco mais de uma semana, o secretário de Estado americano, Marco Rubio, anunciou a revogação do visto do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), para entrar nos Estados Unidos, além de outros ministros da Suprema Corte. A imprensa informa que novas sanções podem entrar em vigor na próxima semana, em ataque frontal à soberania do Brasil.
PT Nacional, com Financial Times e O Globo