Alterações nos tributos diretos entre 2023 e 2025 no Brasil
por Róber Iturriet Avila [1]
Entre 2023 e 2025, houve uma série de mudanças tributárias no Brasil. No âmbito dos tributos diretos as primeiras alterações foram nos fundos de investimentos. Já a partir de 2024, os fundos exclusivos, direcionados para investidores com mais de R$ 10 milhões aplicados, passaram a ser tributados periodicamente como os demais fundos de investimentos. Anteriormente a tributação era efetuada apenas no resgate, em assim sendo, além de não ocorrer pagamento periódico, a tributação não paga era rentabilizada. Foi estabelecida uma tributação de 15% sobre os ganhos, semestralmente, para os fundos de longo prazo e 20% para os de curto prazo. A receita com o tributo no primeiro ano em que vigorou foi de R$ 13 bilhões.
Os rendimentos de aplicações no exterior, principalmente em paraísos fiscais, também passaram a ser tributados em até 20% anualmente. A receita com a nova tributação foi de R$ 7,67 bilhões em 2024.
Foi fracassada outra iniciativa do executivo de tributar aplicações financeiras que atualmente são isentas de Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF). A medida-provisória 1303/2025 propunha a incidência do Imposto de Renda (IR) para novas emissões de títulos, atualmente isentos, como Letras de Crédito Agrícola (LCA), Letras de Crédito Imobiliário (LCI), Certificado de Recebível Imobiliário (CRI), Certificado de Recebível do Agronegócio (CRA) e debêntures incentivadas. A taxa seria de 5%. Porém, o Congresso Nacional não votou a medida-provisória, fazendo-a perder validade antes de entrar em vigor. A proposta de regulamentação do imposto de grandes fortunas foi também rejeitada pela Câmara dos Deputados em 2024.
A grande reforma tributária de 2023 foi centrada nos impostos indiretos, mas também abarcou mudança nos diretos. Foi aprovado a cobrança de Imposto sobre Propriedades de Veículos Automotores de itens que eram isentos, como jatinhos, iates e jet skis. Existem aproximadamente 20 mil aeronaves e 735 mil embarcações que passarão a ser tributadas. A lei ainda precisa ser regulamentada, estima-se que a receita para os entes subnacionais chegue a R$ 10 bilhões anuais.
Na mesma reforma, foi permitido que as prefeituras atualizassem o valor venal dos imóveis via decreto, sem passar pelas câmaras de vereadores. Isso facilita a correção de Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana de acordo com variações nos preços de mercado.
Ainda nesta reforma de 2023, foi aprovada a obrigatoriedade de progressividade do Imposto sobre Doações Causa Mortis e Doação, de competência estadual. A regulamentação ainda não foi votada, mas tramita no congresso nacional no PLP 108/2024. A reforma de 2023 não chegou a alterar a alíquota máxima, que é de 8%, baixa em termos internacionais, de toda forma, espera-se que após a regulamentação haja majoração de alíquotas em grande parte dos estados da federação.
Embora seja um tributo indireto, houve também alterações no Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) com caráter progressivo no ano de 2025. Aportes em fundos de previdência privada superiores a R$ 50 mil mensais passou a ser tributado em 5%. Essa mudança teve um caráter de coibir um subterfúgio utilizado para escapar da tributação sobre heranças via fundos de previdência. Anteriormente, o governo federal tentou incluir tais aplicações no conceito de “heranças”, mas a Câmara dos Deputados rejeitou, assim, o IOF foi a alternativa criada.
A principal alteração legal se deu na reforma do IRPF, aprovado em 2025 para vigorar em 2026. A legislação de renda no Brasil tributa diferentemente rendimentos do capital, do trabalho e de aplicações financeiras. A principal diferença está entre os rendimentos do capital e do trabalho. Os últimos possuem uma tabela com uma faixa de isenção de R$ 2.428,80[2] e uma alíquota progressiva até 27,5% no patamar de R$ 4.664,68 mensais. Já os rendimentos de distribuição de lucros e dividendos são isentos de IRPF, o que faz com que os indivíduos mais ricos paguem menos IRPF, uma vez que quanto mais ricos, mais rendimentos do capital e mais lucros e dividendos compõem a renda individual. Tal configuração produz uma distorção distributiva e uma regressividade no IRPF: os estratos superiores de renda pagam menos imposto do que a classe média que possui rendimentos do trabalho.

O gráfico 1 separa os 40,6 milhões de declarantes de 2023 em 100 partes iguais e a alíquota realmente paga (considerando isenções e deduções) em relação a renda total (salários, lucros, alugueis, rendimentos financeiros), de modo que na esquerda estão os que ganham menos e na direita os que ganham mais. O corte inicia-se no 15º centil, porque as primeiras faixas estão na linha de isenção, mas declaram devido a rendimentos com tributação exclusiva.
A questão da tributação exclusiva é relevante, pois os dados não aparecem nas declarações de IRPF, mas são tributados. São, por exemplo, ganhos de capital, aplicações financeiras, 13º salário e juros sobre o capital próprio. Para ser rigoroso, é preciso imputar uma alíquota paga de tributação exclusiva, que não aparece nas declarações. No geral, a tributação é de 15%, a não ser para o 13º, que varia de acordo com o nível salarial. Assim, na simulação com a alíquota exclusiva, são imputadas tributações de 15% para ganhos de capital e proporcional ao salário para o 13º. A tributação exclusiva majora a tributação dos mais ricos.
Com a reforma, o desconto simplificado passará a ser até R$ 5.000,00 em 2026. Já para quem ganha entre esse valor e R$ 7.350,00 mensais, haverá um desconto regressivo, iniciando em 75% na faixa de R$ 5.500,00 mensais até 0% na faixa acima de R$ 7.350,00 mensais.
O desconto terá a seguinte fórmula:
Desconto = 8429,73 – (0,095575 X rendimento tributável)
Para compensar a perda arrecadatória, será estabelecido um patamar mínimo de 10% de alíquota efetiva a quem recebe acima de R$ 1,2 milhão mensais. Haverá também uma majoração para quem ganha acima de R$ 50.000,00 mensais, caso parte deste rendimento seja de lucros e dividendos. A partir deste valor, a alíquota mínima efetiva será progressiva de 2,5% até 10% na faixa de R$100.000,00 mensais.
A fórmula de imposto mínimo para quem ganha anualmente de R$ 600 mil a R$ 1,2 milhão será a seguinte:
Alíquota % = (RENDIMENTO/60.000) – 10
A distribuição de lucros e dividendos passará a ter imposto retido na fonte de 10% se o valor superar R$50.000,00 mensais. Já a remessa de dividendos ao exterior terá retenção de 10% sobre qualquer valor. Mesmo as regras anteriormente descritas garantem a tributação de lucros e dividendos acima deste patamar, os quais antes eram isentos.
A reforma amplia moderadamente a tributação sobre os muito ricos no Brasil, que pagam relativamente menos. Isso porque muitos rendimentos de aplicações financeiras, por exemplo, continuam isentos de IRPF.
Atualmente, uma pessoa que ganha R$11.000,00 mensais de todos os rendimentos paga uma alíquota efetiva de 8,27% e 9,33% considerando a exclusiva. Já quem ganha R$24.500,00 de todas as rendas paga uma alíquota efetiva de 10,15% e 11,69%, considerando a exclusiva. Assim, o que podemos considerar a alta classe média, paga entre 8% e 12% de IRPF de alíquota efetiva. Já o último ponto da curva está muito mais abaixo e convém olhar com maior detalhamento.
O gráfico 2, efetua uma simulação do que ocorreria com a tributação antes e após a reforma, ponderando a questão da tributação exclusiva.

O ponto 99 demarca quem ganha entre R$ 51.478,00 e R$ 78.505,00 mensais. Eles pagam uma alíquota efetiva de 7,82% e 9,79%, considerando a exclusiva. Abaixo da alta classe média.
Separando o último centil em 10 partes iguais e averiguando o pagamento de imposto sobre a renda total, considerando a exclusiva, antes e após a reforma, temos o seguinte gráfico:

Esses seriam os indivíduos que passariam a pagar mais IRPF de acordo com a proposta do governo, especificamente 284.693 seriam mais atingidos. Para esses, os rendimentos isentos são muito representativos na renda total. Note-se que aqui foi imputada uma tributação de 15% para rendimentos de aplicações financeiras, embora nem todas tenham esse patamar de tributação, mas não é possível saber a fonte da receita financeira dos indivíduos.
Podemos perceber que para os primeiros indivíduos a alíquota efetiva com a exclusiva é de 8,67% e passará a 10,7%. Para os 40.671 indivíduos que ganham a partir de R$ 422,8 mil mensais, a alíquota considerando exclusiva sairá de R$ 7,66% e passará a 10% sem a exclusiva e 16,4%, considerando a tributação exclusiva.
Entre 2023 e 2025, o Brasil teve diversas mudanças tributárias, visando tornar o sistema não cumulativo, mais simples e mais progressivo. As reformas dos tributos diretos passam a valer plenamente em janeiro de 2026. Os indiretos terão transição mais lenta, mas também trarão aspectos progressivos, como o cash-back, a isenção da cesta básica e de muitos medicamentos. Tais mudanças parecem ser mais profundas do que as reformas tributárias de 1946 e de 1967.
Contudo, ainda ficam mudanças pendentes para que o sistema tributário seja mais progressivo. O Imposto Territorial Rural permanece muito baixo e com arrecadação irrisória. O imposto sobre heranças está ainda em patamar muito baixo em termos internacionais. A existência de aplicações financeiras isentas de IRPF é uma excrescência e não há justificativa razoável para sua manutenção. Embora seja notável a elevação de tributação para o último decil do último centil, a reforma do governo federal de tributar os milionários no mesmo patamar que a classe média é na verdade muito tímida, uma vez que a literatura atual de fronteira na área de tributação é uníssona na proposição de tributar mais os indivíduos que mais recebem receitas de todas as fontes (salário, capital, juros, alugueis, etc). A alíquota efetiva de quem ganha mais de R$ 78,5 mil mensais deveria ser superior a 12% e crescer até o nível mais alto de rendimentos no Brasil, para que o sistema tributário brasileiro ficasse mais alinhado com o que sugere a literatura teórica de tributação na área de economia.
[1] Professor do Programa de Pós-Graduação Profissional em Economia da UFRGS, diretor do Instituto Justiça Fiscal. Este artigo contou com o apoio da Plataforma Regional de Cooperação Tributária da América Latina e Caribe (PTLAC)
[2] Há um desconto simplificado para quem ganha até R$ 3.036,00 mensais, zero imposto para essa faixa.
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