Um estudo do Valor Data alerta para os efeitos danosos da política monetária do Banco Central, presidido até o final de 2024 pelo bosonarista Roberto Campos Neto. Segundo o levantamento, as empresas com maior pressão sobre o custo da dívida deverão sentir mais fortemente os efeitos do novo ciclo de aumento de juros já nos primeiros meses de 2025, o que tende a acelerar os pedidos de reestruturação das companhias, incluindo pedidos de recuperação judicial, que já estão em nível recorde.
O assunto é um dos destaques da edição do jornal Valor Econômico desta segunda-feira (6). A matéria mostra que, considerando as 100 maiores empresas na bolsa em termos de receita – a grande maioria de capital aberto -, 23 estão com o índice de alavancagem medido pela razão entre dívida líquida e Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) acima de 3 vezes, considerado elevado. Destas, 11 elevaram esse indicador no terceiro trimestre de 2024 em relação ao mesmo período de 2023. Nesta amostragem também estão empresas não listadas.
Leia mais: Gleisi alerta: “Selic alta é sequestro da economia nacional pelo Copom”
Ricardo Knoepfelmacher, consultor de reestruturação e sócio da RK Partners, afirma que “qualquer empresa com uma alavancagem próxima a três vezes precisa reestruturar sua dívida em momentos em que a Selic ultrapassa os 12%”, patamar que acaba de ser atingido pela última decisão do Copom. “Se trata de um sinal amarelo muito forte”, afirma ele.
O Consultor afirma que tanto as recuperações judiciais quanto as extrajudiciais “são medidas extremas”, e que, antes de a situação financeira se deteriorar, o ideal é que a empresa se sente com seus credores para abrir negociações, reveja os planos de negócio e coloque alternativas para desalavancagem na mesa, como a venda de ativos.
Knoepfelmacher aponta um estudo feito pela RK Partners, referente ao terceiro trimestre, com 403 empresas, entre médias e grandes, com dados financeiros públicos. Nesse levantamento, 27% não tinham capacidade de servir a dívida. Sua projeção é que, com os dados do último trimestre de 2024, essa fatia suba para 30%. “Muitas empresas estão adiando conversas difíceis e jogando para 2025.”
Dificuldade para pagamento
O número de empresas com problemas, no entanto, é ainda maior. Incluídas as pequenas e médias, a lista com menor capacidade de pagar a dívida cresce consideravelmente, segundo a Seneca Evercore. “Empresas médias estão com metade do índice de cobertura que tinham há dois anos. Ou seja, a capacidade de pagar seu serviço de dívida caiu pela metade”, afirma Daniel Wainstein, sócio da Seneca no Brasil. “Tem muita empresa média insolvente. Não me surpreende que o número de recuperações judiciais tenha aumentado.”
Douglas Bassi, sócio da empresa de reestruturação VirtusBR, diz que, com o atual cenário, empresas do setor imobiliário e de capital intensivo terão mais impacto, lembrando que, embora haja recursos, o crédito está mais caro.
Leia mais: Zeca Dirceu coloca especuladores do mercado financeiro na mira do CADE
O sócio da gestora Journey e presidente do Conselho de Administração da TMA Brasil (Turnaround Management Association), Luiz Fabiano Saragiotto, diz que a “expectativa está muito ruim” e as empresas que renegociaram prazos de vencimento em 2024, esperando queda de juros, terão de adotar ações mais proativas, o que deve elevar o número de pedidos de recuperação judicial e extrajudicial.
Varejo e indústria
Muitas companhias de varejo, infraestrutura e da indústria têm trabalhado nos últimos meses na redução da alavancagem, parte delas com a venda de ativos.
Em outubro, a Marfrig informou que recebeu R$ 5,7 bilhões pela venda de 13 ativos, negociação que totalizou R$ 7,2 bilhões. Segundo a companhia, se esses recursos tivessem sido recebidos no terceiro trimestre, a alavancagem seria de 2,56 vezes no período. O grupo encerrou o terceiro trimestre com a sexta redução trimestral consecutiva na alavancagem consolidada, alcançando 3 vezes, em reais, medida pela relação dívida líquida consolidada sobre o Ebitda ajustado consolidado.
Leia mais: Alta da Selic é “incompreensível e totalmente injustificada”, afirma CNI
Da Redação, com informações do Valor Econômico