Após décadas na linha de frente da política, no Congresso ou no governo, o economista Aloizio Mercadante desempenha neste terceiro mandato do presidente Lula uma função considerada mais “técnica”. Na presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, sediado no Rio de Janeiro, o ex-ministro escapa, em alguma medida, do ambiente de intriga de Brasília, apesar de comandar uma instituição invariavelmente na mira do mercado e de seus tarefeiros na mídia e nos partidos. Entre 2023 e 2024, Mercadante aproveitou o tempo para juntar os cacos do BNDES, alvo de um desmonte iniciado na sequência do impeachment de Dilma Rousseff. O resultado é inquestionável. No ano passado, o banco registrou um volume recorde de 276,5 bilhões de reais e lucro de 26,4 bilhões. “O presidente Lula colocou o fortalecimento do BNDES como o grande vetor da neoindustrialização”, afirma o economista na entrevista a seguir, uma conversa sobre a diversificação de financiamento e a recuperação do crédito à indústria, ao complexo da saúde, à transição energética e à preservação ambiental.
CartaCapital: Quais os principais destaques do balanço do ano passado?
Aloizio Mercadante: O presidente Lula colocou o fortalecimento do BNDES como o grande vetor da neoindustrialização e do fomento à inovação, à transição energética, à economia verde e aos investimentos de longo prazo como uma diretriz estratégica do governo. Para isso, implementamos um conjunto de iniciativas articuladas e inovadoras que fizeram com que, em 2024, o BNDES lançasse um volume recorde de injeção de crédito na economia brasileira, nesse período histórico. Se somarmos o volume de crédito aprovado no BNDES, mais o que alavancamos via garantias, injetamos 276,5 bilhões de reais na economia brasileira. Nosso lucro foi de 26,4 bilhões, crescimento de 20,5% em relação a 2023, e o BNDES alcançou a maior carteira de crédito desde 2017, no valor de 584,8 bilhões, com a menor inadimplência do sistema financeiro, 0,001%. Um dos grandes destaques é o volume de crédito para micro, pequenas e médias empresas, segmento no qual também temos registros históricos. Em conjunto com os agentes financeiros parceiros, foram 156 bilhões para o setor. São 92,4 bilhões aprovados diretamente pelo BNDES e 63,9 bilhões alavancados pelo fundo garantidor, o que significa 119,8% a mais do que em 2022.
Os empréstimos do banco não afetam a “potência” da política monetária, garante o presidente do banco
CC: Como ficou o crédito para a indústria?
AM: Além do resultado extraordinário apontado, temos aspectos muito relevantes na qualidade do financiamento. A indústria liderou as aprovações de crédito do BNDES, situação que não víamos desde 2017. Foram 52,4 bilhões de reais, aumento de 132% em relação ao último ano do governo anterior. Mas a agropecuária também teve forte crescimento. Aprovamos 52,3 bilhões, número muito próximo àquele emprestado ao setor industrial e um crescimento de 92% em relação ao governo anterior. O que quero dizer com isso é que o nosso balanço mostra um desempenho importante de aprovação de crédito em todos os setores e muito superior ao resultado do governo anterior. Só na Nova Indústria Brasil, política de neoindustrialização liderada pelo vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin, o BNDES aprovou, em nossa gestão, 181,3 bilhões.
CC: A que taxas o BNDES tem operado?
AM: É importante destacar que, ao contrário do propagado por alguns “perseguidores” institucionais, todos esses avanços ocorrem com o BNDES a operar, majoritariamente, com taxas de mercado. Em torno de 68% do nosso desembolso, em 2024, foi realizado com juros praticados pelo sistema financeiro. Além disso, o BNDES respondeu, no ano passado, por apenas 1,4% do total de novas concessões de crédito do SFN. Portanto, não se pode falar que o BNDES afeta a potência da política monetária. A Taxa de Longo Prazo não tem valor mais elevado desde a sua criação, em 2018, um cenário bastante desafiador, não apenas para a dinâmica da atividade econômica em si, que terá maior custo de crédito, mas para o financiamento do investimento com o objetivo de elevar a parcela da indústria na economia. Diante disso, é evidente que o movimento atual dos juros tem influência sobre a demanda de recursos. Mas, como pontuei, apesar do cenário desafiador, o resultado apresentado pelo BNDES tem sido impressionante e muito importante para a nossa reindustrialização e para a retomada do desenvolvimento sustentável no longo prazo.
CC: Como a instituição enfrenta a restrição fiscal, que impede repasses do Tesouro?
AM: O BNDES tem demonstrado sua eficiência operacional ao longo dos anos. Veja bem, entre 2008 e 2014, o Tesouro Nacional emprestou, em valores nominais, 440,8 bilhões ao banco para o enfrentamento dos efeitos da crise financeira internacional daquele período. Do total, o BNDES devolveu cerca de 700 bilhões, seja em termos de pagamento ordinário de juros e amortização do principal, seja via liquidação antecipada da dívida. O saldo devedor é relativamente reduzido, e seu pagamento foi repactuado no fim de 2023, com a liquidação integral prevista para 2030. Essa é, portanto, uma página virada para o banco. Além disso, em 2024, contribuímos com o esforço fiscal do governo federal ao transferir, sob a forma de tributos e dividendos, o valor de 35 bilhões de reais, perto de 0,3% do PIB. Não por acaso, o BNDES teve, em 2024, o terceiro maior lucro do sistema financeiro. Além disso, nosso lucro por empréstimo é o maior do sistema, mais de sete vezes o resultado do segundo colocado.

Transição. Os projetos sustentáveis ganham vulto nas análises da instituição, que foi ativa no financiamento ao Rio Grande do Sul depois das enchentes – Imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil e Chuva RS
CC: Há novas fontes de financiamento?
AM: Nesta nova realidade, o BNDES tem trabalhado para diversificar as fontes de financiamento. A fonte institucional tradicional são os repasses constitucionais do Fundo de Amparo ao Trabalhador, mas parte desses recursos tem sido direcionada a despesas previdenciárias. Na jornada de diversificação de financiamento, recentemente, o Congresso aprovou, e o BNDES passou a emitir, Letras de Crédito do Desenvolvimento, um instrumento de renda fixa doméstica com incentivos tributários para pessoas físicas e jurídicas. A instituição também retomou as captações com organismos internacionais. Desde 2023, foi captado um volume aproximado de 5,6 bilhões de reais. Além disso, a carteira de crédito agrícola possibilita ao BNDES emitir LCAs. Por fim, há uma parcela importante das fontes provenientes de fundos públicos, destinadas a temas específicos importantes, como o Fundo Clima e o Fundo de Investimento em Infraestrutura Social. Não se pode esquecer ainda do Fundo Social do Pré-Sal, destinado a famílias do Rio Grande do Sul a partir dos eventos climáticos extremos de meados de 2024.
CC: Existe a intenção de financiar a produção nacional de equipamentos de saúde sofisticados?
AM: O BNDES vê o complexo industrial da saúde como altamente estratégico, não apenas pelo seu impacto social e sua conexão direta com a sustentabilidade do SUS, mas por ser um setor de alta tecnologia. O banco aprovou, no ano passado, 4,8 bilhões de reais em apoio ao complexo industrial e de serviços da saúde. O valor representa crescimento de 140% sobre os números de 2023 e de 280% na comparação com as aprovações de 2022. Desde janeiro de 2023, o valor soma 6,8 bilhões, recorde histórico. Esse número supera as aprovações para o setor da saúde no período de 2019 a 2022. Também lançamos, em 2024, o programa BNDES Fornecedores SUS, com orçamento de 500 milhões de reais e vigência até 30 de junho de 2028. Voltado para o financiamento dos fabricantes locais de equipamentos e materiais médicos ou dispositivos para saúde, o programa tem um formato mais ágil e simples, que consegue alcançar melhor as empresas de médio porte.
CC: Quais as transformações operadas na política de crédito para a transição energética?
AM: Segundo a Bloomberg, o BNDES é a instituição que mais financia energia renovável no mundo. Na nossa gestão, a principal transformação da atuação em relação à agenda de transição energética foi a mudança de escala do Fundo Clima, que em 2024 atingiu a marca de 10,4 bilhões de reais anuais. O Fundo Clima é operado pelo BNDES com os recursos reembolsáveis do Fundo Nacional de Mudança do Clima. Esse orçamento permitiu um pico de aprovações, de 10,2 bilhões, e desembolso de recursos de 1,1 bilhão em 2024. Este é um enorme salto do fundo, que entre 2013 e 2022 desembolsou pouco mais de 2 bilhões. As emissões evitadas pelas operações aprovadas foram de 26,7 milhões de toneladas de gás carbônico equivalentes, entre 2013 e 2023, no conceito de vida útil. Em 2024, essa estimativa era de 86,6 milhões, ou seja, 3,2 vezes maior.
O BNDES não é uma caixa-preta, mas um aquário, cuja transparência é reconhecida, diz Mercadante
CC: Há algo específico em relação à Amazônia?
AM: Outro aspecto importante do nosso esforço em relação à floresta, especialmente por meio do Fundo Amazônia. Paralisado por quatro anos no governo anterior, nos últimos dois anos conseguimos recordes de aprovação e iniciativas, em um total de 1,6 bilhão, com muito apoio aos povos originários, aos quilombolas, ao restauro florestal, ao planejamento de espécies nativas, que é um projeto que tem capacidade de absorver carbono da atmosfera de forma muito expressiva. Fizemos uma parceria com o Ministério da Justiça e com a Polícia Federal para o projeto AMAS. São 318 milhões de reais para combater o crime organizado, que está por trás do narcogarimpo e de todas as formas de tráfico. Também estamos muito avançados na concessão de florestas, outra área inovadora do banco. Por fim, liberamos 45 milhões para os Corpos de Bombeiros de estados da região Amazônica.
CC: Qual a marca do BNDES neste terceiro mandato do presidente Lula?
AM: O banco está empenhado em reconstruir os alicerces que lhe tem permitido retomar patamares históricos de atuação. O “novo” BNDES busca uma arquitetura diferente de funding, mais diversificada, robusta e permanente. Precisamos também de novas formas de atuação que permitam tratar o conjunto de crises atuais, entre elas a climática. Após 12 anos, realizamos um novo concurso, o que permitiu a reposição do pessoal de carreira e a chegada de uma nova geração de funcionários públicos. O BNDES está mais digital, de olho na inclusão social, no emprego, no apoio às micro, pequenas e médias empresas e na economia verde. Nos orgulhamos de não sermos uma caixa-preta, mas um aquário, reconhecidos pela Controladoria-Geral da União e pelo Tribunal de Contas como uma das instituições mais transparentes do Estado. O banco tem feito muito mais, com mais velocidade. Com o presidente Lula, o BNDES voltou a ser motivo de orgulho e o grande instrumento de financiamento do desenvolvimento nacional. •
Publicado na edição n° 1354 de CartaCapital, em 26 de março de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Alicerce do crescimento’