Alesc proíbe cotas raciais em universidades catarinenses

A Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) aprovou, na quarta-feira (10), por 24 votos a 7, o Projeto de Lei 753/2025, de autoria do deputado Alex Brasil (PL). A medida proíbe ações afirmativas baseadas em critérios raciais, étnicos ou de gênero em universidades públicas estaduais e instituições que recebem recursos do governo catarinense, como a Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e faculdades da Associação Catarinense das Fundações Educacionais (Acafe). Com multas de R$ 100 mil por edital “ irregular” e ameaça de corte de verbas, o texto representa um ataque à inclusão e uma tentativa de apagar conquistas históricas na luta contra o racismo estrutural.

A aprovação, ocorrida na última sessão ordinária de 2025, veio em meio a um pacote de pautas ideológicas, incluindo a proibição de “doutrinação ideológica” em salas de aula. O PL, apresentado em outubro, limita cotas a critérios socioeconômicos – como baixa renda, origem em escolas públicas e pessoas com deficiência –, ignorando a interseccionalidade das desigualdades raciais no Brasil. Se sancionado pelo governador Jorginho Mello (PL), o texto entra em vigor imediatamente, com 90 dias para regulamentação das punições.

Tramitação do PL é marcada por manobras e silêncio

O PL 753/2025 surgiu em outubro, impulsionado pela base bolsonarista da Alesc, como parte de uma ofensiva contra políticas de reparação racial. O autor do projeto, Alex Brasil, justificou a proposta alegando violação à “isonomia constitucional” e defesa do “mérito individual”, argumentando que ações afirmativas devem priorizar “quem realmente precisa”, sem “grupos de interesse militantes”. A medida ignora, no entanto, que cotas raciais combinam exatamente esses elementos – renda e raça –, conforme a Lei Federal 12.711/2012, atualizada em 2023.

A tramitação foi acelerada e controversa. Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), aprovada em reunião extraordinária na segunda-feira (8), o texto enfrentou resistência inicial. O relator Fabiano da Luz (PT) emitiu parecer pela inconstitucionalidade, apontando colisão com a Constituição Federal (artigo 5º, sobre igualdade material) e o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010). “É um retrocesso que ignora precedentes do STF, como a ADI 3330/2004, que validou cotas como reparação histórica”, alertou o deputado petista. Após pedido de vista, o parecer foi alterado para aprovação, sem nomeação de novo relator nas atas oficiais – um indício de manobra para viabilizar a pauta.

No plenário, a votação nominal foi rápida, sem debates prolongados. Votaram a favor, majoritariamente a base governista (PL, PP, Republicanos e MDB), incluindo o autor e aliados. Contra, posicionaram-se Fabiano da Luz (PT), Marquito (PSOL), Neodi Saretta (PT), Padre Pedro Baldissera (PT), Paulinha (Podemos), Rodrigo Minotto (PDT) e Vicente Caropreso (PSDB), que denunciaram a medida como “violação à igualdade material e retrocesso em direitos humanos”.

Contradições jurídicas e sociais

Juridicamente, o texto colide com normas federais, uma vez que os estados não podem revogar a Lei de Cotas, que reserva vagas às instituições públicas combinando raça e renda. Se sancionada, a lei deverá ter judicialização imediata no Supremo Tribunal Federal (STF) ou no Tribunal de Justiça de SC (TJSC).

Socialmente, o impacto é devastador. Negros representam 20% da população de SC, mas menos de 10% nas Instituições de Ensino Superior públicas estaduais – um abismo que cotas ajudaram a mitigar. “Antes disso, a Udesc já tinha cotas estaduais estruturadas: 30% das vagas reservadas e agora querem descartar esse legado. Isso não é ajuste técnico, é ataque ideológico”, dispara a vereadora Giovana Mondardo (PCdoB-Criciúma). Eleita a mais votada da história em Criciúma, em 2024, Mondardo denuncia: “A Alesc quer apagar a história e fechar portas no futuro de uma geração. Proibir cotas raciais em universidades estaduais de SC é negar o Brasil real e retroceder décadas de luta por igualdade, com ameaça de multa e corte de verbas para quem ousar resistir à medida”, afirmou.

Movimentos sociais se mobilizam contra a medida

A aprovação gerou imediata repercussão nas ruas e redes. A União Nacional dos Estudantes (UNE), coletivos negros e a própria UFSC classificaram a medida como “ofensiva da extrema direita”. O Sindicato dos Trabalhadores em Educação classificou, nas redes sociais, o PL de “absurdo racista” e prevê mobilizações em janeiro.

Para Mondardo, os dados não mentem. “As cotas raciais impulsionaram a presença de estudantes negros, pardos e indígenas na UFSC em +120% e são elementos essenciais para confrontar o racismo estrutural que segue sepultando sonhos nos corredores da nossa educação. Só 9% dos docentes da UFSC são negros, indígenas ou quilombolas; a política de cotas era um dos poucos instrumentos estruturais para rasgar essa desigualdade.”

Enquanto em Criciúma, Mondardo propõe auditorias em editais locais de bolsas e parcerias com IES para monitorar inclusão racial e campanhas educativas contra o racismo na educação básica, estadualmente, ela sugere que se faça uma emenda à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) “para blindar verbas de programas inclusivos”, afirma.

O governador Jorginho Mello tem 15 dias úteis para sancionar ou vetar – prazo que se estende até janeiro, com recessão legislativa. Pressões do Ministério Público Federal (MPF) podem forçar um veto, mas a base do PL indica sanção integral.

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