A Alemanha, representada pelo atual chanceler Olaf Scholz (SPD) e pelo líder conservador e chanceler eleito Friedrich Merz (CDU), apresenta nesta quinta (6), na cúpula extraordinária da União Europeia, em Bruxelas, uma proposta para expandir os investimentos militares do bloco. A iniciativa reflete a escalada da militarização europeia diante do colapso da ordem imperialista, em que interesses econômicos da União Europeia (UE) e dos Estados Unidos se sobrepõem ao discurso de defesa da soberania ucraniana.

O futuro chanceler anunciou na última terça-feira (4) um pacote de 500 bilhões de euros (cerca de R$ 3,1 trilhões) em investimentos militares para os próximos dez anos. O pronunciamento ocorreu ao lado de Markus Söder (CSU), Saskia Esken (SPD) e Lars Klingbeil (SPD), líderes dos partidos que negociam a formação do próximo governo.

Além de prever um aumento significativo nos gastos com defesa, a proposta inclui uma alteração constitucional para isentar despesas militares acima de 1% do PIB do limite de endividamento público. É uma guinada na postura de Friedrich Merz, que passou a campanha eleitoral defendendo a manutenção da Schuldenbremse – a regra constitucional que limita o endividamento público da Alemanha.

Antes das eleições, o líder conservador criticava qualquer tentativa de flexibilizar essa norma e chegou a classificar a criação de fundos especiais como um “Taschenspielertrick” (truque de ilusionismo) para contornar a disciplina fiscal. No entanto, diante do novo cenário internacional e da pressão dentro da União Europeia, Merz agora defende que os gastos com defesa acima de 1% do PIB fiquem isentos dessa restrição.

“As eleições parlamentares de 2025 ocorreram há menos de dez dias e os eventos políticos no mundo estão se desenrolando rapidamente. Na Europa, as condições em que devemos atuar na Alemanha mudaram mais rápido do que poderíamos prever na semana passada”, disse Merz em seu pronunciamento na terça-feira (4), justificando a guinada em seu discurso sobre política fiscal e defesa.

A proposta já recebeu o aval do Partido Social-Democrata (SPD), que faz parte das negociações para a formação do novo governo. Durante o pronunciamento de terça, Lars Klingbeil e Saskia Esken, co-líderes da legenda, chamaram a flexibilização da Schuldenbremse de uma “medida necessária” e destacaram que o plano de investimentos inclui, além do orçamento militar, um fundo especial de infraestrutura de outros 500 bilhões de euros para os próximos dez anos.

Esse fundo deverá destinar 100 bilhões de euros aos estados federados, permitindo investimentos em áreas como transportes, digitalização e energia.

A possível nova coalizão, porém, quer aprovar a proposta antes mesmo da posse do novo governo, ainda dentro da legislatura vigente. A estratégia se justifica pelo fato de que a CDU/CSU e o SPD ainda possuem, junto com os Verdes, uma maioria de dois terços no atual Bundestag, o que permite alterar a Constituição sem depender de partidos da extrema direita ou da esquerda radical.

Com a recomposição do parlamento após as eleições, essa maioria não estará mais garantida, já que os novos resultados deram maior peso à Alternativa para a Alemanha (AfD), que promete bloquear qualquer mudança constitucional relacionada ao orçamento militar. Por isso, CDU/CSU e SPD apostam em uma votação acelerada, buscando aprovar o plano antes do início da nova legislatura.

Indústria bélica e o papel da Alemanha na nova ordem militar europeia
A mudança na política fiscal alemã ocorre em um contexto mais amplo de reestruturação do bloco europeu diante da incerteza sobre o papel dos Estados Unidos no conflito entre Rússia e Ucrânia. A proposta da Alemanha se insere no pacote mais amplo da União Europeia, anunciado pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que prevê a elevação dos gastos militares do bloco em 800 bilhões de euros.

No entanto, nenhuma das medidas anunciadas até o momento inclui esforços diplomáticos concretos para um cessar-fogo. Todas as soluções encontradas pelos líderes europeus caminham para o lado belicista.

A incerteza sobre o comprometimento dos EUA com a Otan está acelerando o processo de remilitarização do continente, com a Alemanha assumindo um protagonismo inédito desde a 2ª Guerra Mundial. Se antes Berlim era cautelosa com o crescimento de seu setor militar, hoje lidera o movimento de rearmamento europeu.

E entre os principais beneficiados desse processo, claro, estão as gigantes da indústria bélica, como a alemã Rheinmetall, produtora dos tanques Leopard, e a Airbus, que atua na fabricação de aeronaves militares.

Veja as empresas alemãs que passarão ter maiores lucro:

  • Rheinmetall – Fabricação de tanques, munições e artilharia pesada.
  • Airbus Defence and Space – Aeronaves militares e tecnologia espacial de defesa.
  • Krauss-Maffei Wegmann (KMW) – Produção dos tanques Leopard 2.
  • Diehl Defence – Produção de mísseis e sistemas de defesa aérea.

Na última semana, a Rheinmetall anunciou que está convertendo fábricas que antes produziam peças para a indústria automobilística em unidades para fabricar equipamentos militares, um sinal da mudança estrutural que a economia alemã enfrenta sob a justificativa da segurança nacional.

A União Europeia, por sua vez, segue a mesma lógica de Washington: expandir sua influência econômica e militar sob o pretexto da defesa da democracia. O governo alemão aposta que, ao abrir espaço para o setor militar em seu orçamento, estará fortalecendo sua posição como potência europeia.

O discurso de defesa da Ucrânia, no entanto, esconde o fato de que a dependência de Kiev em relação ao Ocidente cresce a cada dia, ao mesmo tempo em que a União Europeia fortalece sua própria indústria de defesa e se projeta como ator militar global.

O alerta da esquerda e a ameaça de uma nova corrida armamentista
Setores da esquerda alemã têm denunciado a nova política de defesa como uma estratégia para consolidar um projeto econômico baseado no fortalecimento da indústria militar em detrimento dos investimentos sociais. Jan van Aken, líder do Die Linke, classificou a decisão de Merz e do SPD como uma “declaração de falência política” e denunciou que a manobra para aprovar a mudança constitucional na legislatura vigente representa um “cheque em branco para o rearmamento”.

O parlamentar afirmou que a esquerda estuda a possibilidade de contestar juridicamente a tramitação acelerada da proposta no Bundestag. A crítica da esquerda não se limita ao aumento dos gastos militares, mas também ao uso político da Schuldenbremse, a regra fiscal.

“Quando se trata de investimentos em infraestrutura, habitação ou saúde, a CDU e o SPD defendem o limite de endividamento. Mas quando o dinheiro vai para tanques e mísseis, de repente a regra pode ser ignorada”, afirmou van Aken.

A postura da Alemanha na cúpula europeia também reflete uma mudança na política externa do bloco. Enquanto países como França e Polônia pressionam por uma postura ainda mais agressiva em relação à Rússia, partidos de esquerda como o Die Linke (A Esquerda) demonstram preocupação com a possibilidade de uma nova corrida armamentista.

A proposta alemã de flexibilizar as regras fiscais para gastos militares cria um precedente que pode ser seguido por outras nações, intensificando o desmonte de políticas de austeridade apenas quando isso favorece o setor militar.

A crise do imperialismo ocidental fica evidente na contradição entre o discurso europeu e suas ações. A Alemanha e a União Europeia não se posicionam como forças de pacificação, mas, sim, como novos atores em uma disputa por influência global, que não necessariamente fortalece a Ucrânia, mas estimulam os interesses industriais e financeiros do bloco. O discurso da segurança esconde um projeto econômico e geopolítico que pode ter impactos irreversíveis para a estabilidade do continente.

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 06/03/2025