A crescente instabilidade política nos Estados Unidos e o avanço global da desdolarização têm alimentado pressões internas na Alemanha e na Itália para que repatriem parte significativa de suas reservas de ouro — atualmente estimadas em US$ 245 bilhões — armazenadas em cofres do Federal Reserve, em Nova York.

Segundo e terceiro maiores detentores de ouro do mundo, atrás apenas dos EUA, os dois países europeus mantêm mais de um terço de suas reservas metálicas fora de suas fronteiras, sobretudo sob custódia do banco central americano. Com o cenário geopolítico cada vez mais imprevisível, vozes políticas e econômicas na Europa defendem que esse ouro retorne aos cofres nacionais.

“Trump quer controlar o Fed, o que também significaria controlar as reservas de ouro alemãs nos EUA”, afirmou Michael Jäger, presidente da Associação de Contribuintes da Europa (TAE), em entrevista à Reuters. “É o nosso dinheiro, deve ser trazido de volta.”

A declaração se soma a críticas semelhantes feitas por Fabio De Masi, ex-membro do Parlamento Europeu e atualmente ligado ao partido populista alemão BSW. Já na Itália, o comentarista econômico Enrico Grazzini alertou, em artigo publicado no Il Fatto Quotidiano, sobre os riscos de deixar 43% das reservas italianas sob custódia americana “em um contexto em que Trump, um político imprevisível, volta ao poder”.

Desconfiança

A desconfiança quanto à custódia americana não é nova. Na Alemanha, o movimento “Traga nosso ouro de volta”, iniciado em 2010, levou o Bundesbank a repatriar 674 toneladas do metal entre 2013 e 2017, incluindo lotes armazenados em Paris. A operação de € 7 milhões resultou na concentração de metade das reservas em território alemão, embora 37% ainda permaneçam nos EUA.

Na Itália, o partido Irmãos da Itália, da primeira-ministra Giorgia Meloni, já defendia a repatriação do ouro em 2019. Desde que chegou ao poder, no entanto, Meloni tem evitado o tema.

As tensões aumentaram com declarações recentes de Trump sugerindo que poderia intervir no Fed caso o banco central não reduza os juros. O ex-presidente também voltou a mencionar Fort Knox, insinuando que o ouro poderia ter sido roubado: “Talvez alguém tenha roubado o ouro. Toneladas de ouro”, afirmou.

Tendência global de armazenar ouro em casa
De acordo com pesquisa do Conselho Mundial do Ouro, 59% dos bancos centrais afirmaram em 2025 manter parte de suas reservas de ouro em território nacional, ante 41% no ano anterior. O levantamento também mostra que 43% dos bancos planejam aumentar suas reservas no próximo ano, com ênfase em proteção contra crises, inflação e diversificação cambial.

Embora o Banco da Inglaterra ainda seja o local mais popular para armazenagem externa, cresce a cautela em relação à custódia nos EUA. Apenas 7% dos entrevistados pretendiam aumentar o armazenamento doméstico em 2024; esse número subiu significativamente neste ano.

Pressão

Nos EUA, um novo elemento alimenta o debate. Um projeto de lei apresentado na Câmara pelo deputado Thomas Massie propõe a primeira auditoria completa das reservas de ouro americanas em mais de 60 anos. A medida prevê inspeção em Fort Knox, West Point e Denver, além de revisão das transações com ouro nos últimos 50 anos.

Segundo Jp Cortez, da Sound Money Defense League, há dúvidas sobre a real propriedade e pureza do ouro em poder do governo americano. “Não sabemos se o ouro está lá, se foi penhorado ou emprestado. Isso pode ter consequências graves para a credibilidade econômica dos EUA”, disse ele à Investing News Network.

Apesar de Trump não ter declarado apoio formal ao projeto, seu interesse pela questão amplia as especulações. “Estamos indo a Fort Knox ver se o ouro está lá”, afirmou recentemente.

Com o aumento da tensão entre os EUA e seus aliados, o debate sobre soberania monetária e segurança das reservas ganha novo fôlego na Europa. A decisão de repatriar ou não as toneladas de ouro armazenadas em Nova York poderá ter impactos duradouros nas relações transatlânticas — e na arquitetura financeira global.

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Last Update: 25/06/2025