“Além de macumbeiro, é viado“. Ao ouvir esta frase, na noite da última sexta-feira 16, o babalorixá Leandro de Oyá, sequer imaginou que seria, minutos depois, alvo de pelo menos dois tiros disparados por um homem que se incomodou com suas vestimentas. O caso ocorreu em Mauá, município da região metropolitana de São Paulo, onde o líder religioso vive há 40 anos.
Naquele dia, como de costume, Leandro realizou ritos religiosos em seu terreiro e, vestido de branco – como recomenda a tradição candomblecista às sextas-feiras –, decidiu caminhar pelo bairro. Após algum tempo, foi surpreendido por ofensas homofóbicas proferidas por Tiago Rodrigues da Silva, de 28 anos.
Segundo boletim de ocorrência obtido por CartaCapital, o agressor questionou Leandrosobre uma suposta perseguição, zombou de sua religiosidade e o insultou diversas vezes, chamando-o de “viado”. A discussão se agravou, e o suspeito foi até seu apartamento, de onde retornou com uma pistola calibre .40.
Foram seis disparos, dois dos quais atingiram as pernas do líder religioso. Depois de atirar, o suspeito voltou pra casa, onde foi preso em flagrante. A arma de fogo, que estava com a numeração raspada, foi apreendida e encaminhada para perícia. Os tiros foram dados à queima-roupa, a uma distância de cerca de um metro entre o atirador e a vítima.
Para o babalorixá Sidnei Nogueira, ‘pai espiritual’ de Leandro, a intenção era matar. “Foi um crime de ódio”, resume. Ele relata que toda a comunidade de axé está abalada e teme que, caso seja solto, o agressor tente se vingar. “Leandro está assustado, mal consegue falar. Está traumatizado e cogita até fechar o terreiro”, afirma.
A delegacia registrou o caso como lesão corporal, injúria e porte ilegal de arma. Familiares de Leandro, no entanto, pedem que a investigação trate o episódio como tentativa de homicídio. O babalorixá segue internado no Hospital Nardini, em Mauá. Seu estado é estável, mas ele deve passar por nova cirurgia para corrigir fraturas na perna.
Em depoimento, Tiago confessou o crime e alegou que a vítima teria ‘mexido’ com ele. O agressor teve a prisão mantida durante audiência de custódia na última segunda-feira, mas a defesa pressiona para que o Tribunal de Justiça de São Paulo analise um habeas corpus em caráter de urgência. A reportagem não conseguiu contato com os advogados do agressor. O espaço segue aberto.
O ataque a Leandro de Oyá ocorre em um contexto histórico de perseguição às religiões de matriz africana no Brasil. Dados da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos divulgados no início de 2025 apontam que o Brasil registrou mais de 3,8 mil denúncias de intolerância religiosa no ano passado, sendo a maioria relacionadas ao candomblé e à umbanda – um aumento de 80% em relação a 2023.