Apesar de estar entre os 20 países mais importantes do mundo em termos de população e território, o Irã segue sendo subestimado e mal compreendido na política internacional, sobretudo no Ocidente. A avaliação é do embaixador Cesário Melantonio Neto, que já representou o Brasil no Irã, Egito e Turquia. Em entrevista ao programa Nova Economia [confira abaixo], Cesário compartilhou uma série de reflexões sobre a relevância estratégica do país persa, suas alianças geopolíticas e os interesses dos Estados Unidos e Israel no atual contexto de tensão internacional.

“O Irã é um dos 20 países mais importantes do mundo. Tem mais de 90 milhões de habitantes, um território de quase 2 milhões de km², e uma história milenar de mais de 4.500 anos. Já foi o maior império do mundo antes de Cristo”. 

Para o diplomata, a distância geográfica é apenas um dos motivos que explicam a importância subestimada do Irã. Nos Estados Unidos, por exemplo, o ensino é voltado à própria história e geografia. “Isso produz uma visão provinciana. Eles mal conhecem o mundo fora de suas fronteiras”.

Melantonio ressalta ainda o peso cultural e geoestratégico do Irã. “O sufixo ‘ão’ em países como Cazaquistão, Turcomenistão e outros vem do persa, significa ‘província’. Esses territórios faziam parte do Império Persa. O Irã também está no cerne da formação da ideia ariana, que os nazistas tanto idolatraram. O nome ‘Irã’ vem de ‘aria’.”

O país também tem forte inserção no mundo islâmico. “São 22 países na Liga Árabe e 57 Estados membros na Conferência Islâmica. O Irã é um ator central ali. E é um povo extremamente orgulhoso de sua história, de suas raízes”.

Resistência interna e efeitos das sanções

Mesmo sob duras sanções econômicas impostas há mais de duas décadas, o Irã mantém um nível notável de resiliência social e institucional. “É um povo acostumado a viver com dificuldade, o que gera uma resiliência impressionante. Em contrapartida, o impacto psicológico de ataques em Israel, onde o padrão de vida é muito mais alto, é bem maior”.

As recentes tensões na região reacenderam o debate em torno do Estreito de Ormuz — ponto estratégico por onde circula cerca de 20% do petróleo mundial. Em meio aos ataques de Israel e dos Estados Unidos, o Irã chegou a ameaçar o fechamento da rota, mas recuou. “O governo sabe que isso também afetaria suas próprias exportações”, explica Cesário.

Quanto à questão nuclear, o diplomata é enfático ao afastar a ideia de que o Irã deseja desenvolver armamentos atômicos, porque a teocracia no poder não apoia o uso nem a produção de armamentos nucleares. “Se quisesse, já teria feito. Existe uma fátua religiosa que proíbe isso”. Além disso, Irã pertence ao TNP (Tratado de não proliferação de armas nucleares), embora tenha ameaçado sair em meio aos ataques sofridos.

Palestina e o ponto de união

Entre os fatores que tensionam a relação do Irã com o Ocidente está o apoio declarado do país à causa palestina. Para o ex-embaixador, o Irã é um dos principais aliados da Palestina na cena internacional, algo que incomoda profundamente Israel e Estados Unidos.

Vale lembrar que o recente ataque conjunto de Estados Unidos e Israel contra o Irã, ainda que justificado como resposta a ameaças, teve o efeito prático de desviar o foco da tragédia em curso na Faixa de Gaza. “É preciso lembrar que essa guerra também é uma narrativa, e o Irã virou alvo porque continua a apoiar um povo que resiste”.

A desordem internacional e a crise do direito

A entrevista também abordou o colapso das normas que regem o sistema internacional. Cesário vê um enfraquecimento preocupante das instituições multilaterais e do respeito às normas básicas do direito internacional.

“Estamos vivendo uma crise do estado de direito global. Não se respeita mais a ONU, a Corte Internacional de Haia ou a Agência de Energia Atômica. Atacam países sem consulta aos parlamentos. Isso é o colapso da ordem internacional”.

Ele lamenta a banalização da guerra como instrumento de política externa, e reitera que toda guerra é ruim para todos os lados. “Espero que a diplomacia prevaleça. Mas para isso, é preciso compreender a complexidade do Irã. E isso, infelizmente, ainda é raro entre os decisores ocidentais”.

China, rota da seda e alianças silenciosas

Por fim, o embaixador falou sobre o papel do Irã em alianças estratégicas que fogem aos holofotes da grande imprensa. Ao comentar a parceria entre China, Irã e Rússia, Cesário afirma que ela é mais sólida do que parece.

 “As instalações nucleares subterrâneas do Irã foram construídas com apoio chinês, a profundidades cinco vezes maiores que o padrão. Já no ano 2000, havia mais de 2 mil russos trabalhando na usina nuclear de Bushehr”, província no sul do Irã, ameaçada por Israel recentemente.

Segundo ele, o Irã é peça-chave no projeto chinês da Nova Rota da Seda. “A rota da seda é o principal projeto externo da China. Para isso, o Irã é essencial, tanto pelo fornecimento de energia quanto pela localização estratégica. A China importa cada vez mais petróleo e gás, e o Irã é um dos seus principais fornecedores”.

Melantonio também destacou que a entrada do Irã no BRICS, no ano passado, foi fortemente apoiada por China e Rússia. “Isso mostra que há um movimento deliberado de fortalecimento de um bloco multipolar. E não por acaso, a próxima cúpula do BRICS será no Brasil, em julho”.

Nota da redação: Este texto, especificamente, foi desenvolvido parcialmente com auxílio de ferramentas de Inteligência Artificial na transcrição e resumo das entrevistas. A equipe de jornalistas do Jornal GGN segue responsável pelas pautas, produção, apuração, entrevistas e revisão de conteúdo publicado, paragarantir a curadoria, lisura e veracidade das informações.

A entrevista completa está disponível no canal do Nova Economia. Confira o link abaixo:

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 28/06/2025