Com quatro milhões de espectadores no Brasil e indicações ao Oscar de Melhor Filme, Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz (Fernanda Torres), Ainda Estou Aqui consolida Walter Salles como voz central no cinema político contemporâneo. Baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva, o longa retrata o desaparecimento do deputado Rubens Paiva durante a ditadura militar (1964-1985), mesclando drama familiar e denúncia histórica. Para Caio Plessman, diretor e convidado do podcast Entrelinhas Vermelhas, o sucesso se deve à “convergência de fatores”: a qualidade narrativa, o momento político pós-Bolsonaro e a urgência de revisitar crimes da ditadura.

“O filme é uma luz sobre uma história que muitos já sabiam, mas que precisava ser contada de novo. Revela o que a sociedade ainda não superou”, afirma Plessman. A indicação inédita na categoria principal do Oscar, antes restrita a “Filme Estrangeiro”, simboliza, para ele, uma abertura da Academia a narrativas do Sul Global.

Veja o episódio completo: Entrelinhas Vermelhas com Caio Plessman:

Entre ditadura e democracia: o filme como espelho da sociedade
Lançado em um contexto de tentativa de golpe em 2023 e ataques à democracia, Ainda Estou Aqui ganhou leitura atual. Plessman destaca que o longa “ecoa o impasse político contemporâneo”, lembrando que o Supremo Tribunal Federal (STF) reabriu o caso Rubens Paiva como “crime contra a humanidade” após o lançamento do filme.

A discussão no podcast ressalta paralelos entre a perseguição política retratada e o negacionismo recente: “Os adeptos do bolsonarismo ainda não perceberam que defendem algo sem fundamento, como os apoiadores da ditadura no passado”, reflete Plessman. A Rede Globo, ao transmitir o Oscar durante o Carnaval, amplifica o debate em um momento de alta audiência, misturando cultura popular e reflexão histórica.

Cinema nacional em foco: conquistas e desafios estruturais
O podcast também aborda obstáculos crônicos da indústria:

  • Baixa ocupação de mercado: O cinema brasileiro tem apenas 14% das bilheterias nacionais, ante 40% na era da Embrafilme (extinta em 1990).
  • Desigualdade geográfica: 90% dos municípios não têm salas de cinema.
  • Concorrência com plataformas: A luta por cotas em streaming (como Netflix) ainda é incipiente.

Plessman defende políticas agressivas: “Precisamos de uma meta: um cine teatro por cidade. E ingressos mais baratos para democratizar o acesso”. A restauração da cota de tela (extinta por Bolsonaro) e a pressão por cotas em VOD são passos recentes, mas insuficientes.

Do passado ao presente: a luta por uma indústria estável
O cinema brasileiro vive ciclos de ascensão e colapso. Nos anos 1960, o Cinema Novo sonhava em ser “a Hollywood do século XXI”, projeto interrompido pela ditadura. Nos anos 1990, o ex-presidente Fernando Collor extinguiu a Embrafilme; nos 2000, Lula e Dilma impulsionaram a retomada, com títulos como Cidade de Deus e Tropa de Elite. Agora, após o desmonte bolsonarista, o desafio é criar bases sustentáveis.

“Precisamos tornar o cinema lucrativo aqui dentro, sem depender só de incentivos. Isso exige educação cultural e preços acessíveis”, argumenta Plessman. Ainda Estou Aqui, com US$ 22 milhões arrecadados, mostra que é possível conciliar crítica e público — mas a receita ainda é exceção, não regra.

O legado de “Ainda Estou Aqui” para além do Oscar
Se vencer ou não, o filme já deixou marcas.

  • Impacto cultural: Revitaliza o debate sobre justiça transicional e memória.
  • Diálogo global: Apresenta ao mundo uma narrativa brasileira de resistência, em sintonia com filmes argentinos e chilenos sobre ditaduras.
  • Fomento à produção: A indicação pode alavancar investimentos em novos projetos políticos.

Como resume Plessman: “O mundo precisa do nosso cinema. ‘Ainda Estou Aqui’ não é só sobre o Brasil: é sobre a luta entre democracia e autoritarismo, que é universal”.

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Last Update: 02/03/2025