““Ainda estou aqui” mostra o que significa desaparecer uma pessoa, que não é o mesmo que a morte”, diz neto recuperado pelas Avós da Praça de Maio
por Maíra Vasconcelos, especial para Jornal GGN
“É uma grande contribuição. Não tenho dúvida, se um argentino que não entende nada sobre a ditadura na Argentina, assiste a esse filme, pode perceber o que significa desaparecer uma pessoa. O que significa o ódio.”, disse Manuel Gonçalves Granada.
Qual o impacto que o filme “Ainda estou aqui” pode causar em um filho, que, assim como Marcelo Rubens Paiva, também teve o pai sequestrado e desaparecido durante o terrorismo de Estado, pela ditadura cívico-militar? Nesse caso, um pai que se encontra desaparecido, na Argentina, desde 1976. Nesse caso, um filho argentino que foi um dos bebês roubados pelo regime, após o assassinato da mãe, e entregue ilegalmente para adoção. Nesse caso, um filho que por 20 anos desconheceu o fato de que seus pais verdadeiros foram vítimas da ditadura. Por isso, um filho que, até os seus 20 anos, esteve privado de saber a sua verdadeira identidade. E, para esse filho, Manuel Gonçalves Granada, o longa de Walter Salles, “Ainda estou aqui”, retrata ao público aquilo que talvez fosse óbvio, mas apenas à simples vista: ter um pai desaparecido não é a mesma coisa que ter um pai morto.
“Isso é o que o filme mostra, o que significa desaparecer uma pessoa. Não apenas para essa pessoa, mas para todas as pessoas que o amaram”. “Por isso, também condena, de alguma maneira, que toda essa família, a cada dia, padeça essa morte”. Talvez, por isso, a frase, “enquanto a morte do meu pai não tem fim”, pudesse ter sido dita pelo argentino Gonçalves. Mas é de autoria de outro filho que teve o pai desaparecido. Com essas palavras, Marcelo Rubens Paiva termina o livro “Ainda estou aqui”, que deu origem ao filme. O corpo do ex-deputado Rubens Paiva permanece desaparecido, desde 1971.
Em 1997, Gonçalves Granada soube que era filho de Gastón Roberto Gonçalves e Ana María del Carmen Granada, quando as Avós da Praça de Maio o identificaram. Ele era, então, o neto 57, dos 500 ainda buscados por elas, até hoje. As Avós já encontraram 139 netos e netas. Naquele então, ele era Cláudio Noboa, e desconhecia que tinha um irmão, Gastón Gonçalves, baterista da lendária banda argentina de reggae e Ska, “Los Pericos”.
“Acho que o que mais me comoveu, porque o filme alcança seu objetivo, que é sensibilizar-nos sobre esse assunto, foi o pai (Rubens Paiva, interpretado por Selton Mello). Ou seja, mostra o pai que eu perdi”. O longa entrará em cartaz dia 20 de fevereiro, na Argentina. Gonçalves assistiu a uma sessão especial para organismos de direitos humanos e pessoas ligadas ao cinema, em Buenos Aires, a convite da produtora.
Ele comentou a importância do filme não apenas para o Brasil, como resgate da memória da ditadura, mas também para a Argentina. Apesar de o país ter uma longa trajetória e experiência no resgate da memória, além de ter sido o único da região que julgou e condenou os repressores. “Esse filme chega em um momento que é muito importante para nós. É uma grande contribuição”, disse, reafirmando a urgência de se fazer memória.
“Há uma situação, e depois a sociedade resolve isso olhando pra frente, como se, aqui, não aconteceu nada. Isso condena (o fato) ao esquecimento, a que volte a acontecer. As vítimas não apenas padecem o desaparecimento da sua mãe, do seu pai, mas depois você convive em um país onde parece que aos demais não lhe importou. Ao governo não lhe importou, à Justiça não lhe importou, e à sociedade também não lhe importou. E a dor é toda sua. Isso é muito forte”.
Pela proximidade com a luta das Avós, ele falou sobre a importância da figura de Eunice Paiva, interpretada por Fernanda Torres, como exemplo na busca pelos desaparecidos. “Ela acaba fazendo tudo o que se vê no filme, e certamente fez muito mais, que é, definitivamente, nunca abandonar o seu marido, nunca deixar a busca, nunca se conformar e conseguir justiça. Ir trilhando um caminho que ilumina outras buscas, outras mulheres, outras famílias”, comentou.
Gonçalves contou que foi encontrado dentro de um armário, aos cinco meses, deixado ali, como medida de proteção, por sua mãe, que nesse dia foi assassinada. Em uma casa incendiada e metralhada por quarenta policiais, em novembro de 1976. Como único sobrevivente dessa operação policial, foi levado a um hospital e entregue ilegalmente para adoção. As outras duas crianças que estavam na casa, de três e cinco anos, Fernando e Maria Eugénia, morreram asfixiadas.
Hoje, Manuel Gonçalves coordena, por meio do Estado, na Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (CONADEP, sigla em espanhol), e na Associação Civil das Avós da Praça de Maio, a busca dos 500 bebês que foram roubados durante a ditadura cívico-militar, na Argentina (1976-1983).
Para Gonçalves, não há dúvida de que durante a ditadura militar brasileira também houve roubo de bebês. Pelo simples fato de que sempre houve roubos de bebês, antes, durante e depois das ditaduras, disse. “Certamente, há crianças e bebês que deveriam ser buscados no Brasil, como no mundo inteiro. Aconteceu em toda a América Latina. Todos os países tiveram roubo de bebês. Todos, todos”, afirmou.
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Bom, vamos ao filme, quando você assistiu? Como foi?
Recebemos um convite da produtora e do Walter Salles, feito para o pessoal do cinema e dos direitos humanos. Vimos uma projeção especial, que foi muito bonita. Além do mais, porque encontrei com pessoas de quando trabalhei com cinema e publicidade. Vi nesse entorno, com gente muito querida.
As avós estavam nessa sessão especial?
Não tinha nenhuma avó, são muito poucas as que podem se movimentar, a projeção foi de noite, elas não moram perto. Tenho vontade de que, em algum momento, possamos passar o filme para elas assistirem.
O que achou do tratamento dado ao assunto? Você conhecia a história de Rubens Paiva?
Tinha alguma referência sobre a história de Rubens Paiva, acho que por sua condição de ex-deputado, então, é um caso medianamente conhecido, nesse sentido. Várias coisas do filme me deram alegria, antes mesmo de assistir. Que tenha sido feita por Walter Salles… não sei se conheço toda a sua cinematografia, mas vi vários de seus filmes, e sabia sobre o último documentário que ele fez, sabia que tinha muito tempo que não filmava, me apaixonei por “Diário de Motocicleta”, claro, por ser argentino, pelo Che, também por Rodrigo Lacerna, que é muito próximo à causa das Avós, sempre colaborou, desde o teatro, com a busca dos netos, sempre foi muito solidário. Tinha muitas coisas que me vinculavam a essa situação.
Nós não conhecemos muito sobre a ditadura no Brasil, materiais que abordem o assunto. Sempre senti que tinha um desbalance em relação ao que a Argentina fez sobre o que foi a nossa ditadura, com o cinema, com o teatro e com a literatura. Pelo menos aqui, não sabemos tanto, que o Brasil tenha feito um exercício de memória a partir da arte… E quando fiquei sabendo sobre o filme, do que se tratava, e que Walter Salles era o diretor, fiquei feliz já “de por si”. Claro, era ele quem tinha que fazer esse filme.
O cinema continua sendo um aliado..
O cinema é um enorme aliado, ainda mais, para essa época, para a memória. O cinema pode contar muitas vezes uma história que a sociedade não quer ver, ou quer esquecer, ou não sabe como ver. Acho que minha história, se bem contada, já é um filme, já é um livro, já é uma série, como todas as outras histórias, quero dizer.
Bom, por tudo isso, cheguei muito entusiasmado para ver o filme. O que me aconteceu, como poucas vezes, fiquei muito comovido. Com os dias, me perguntava o que era que me havia acontecido que, de alguma maneira, o filme me tocou tão profundamente. Mas conversei com muitos companheiros e companheiras, e muitos falavam da mãe, da figura de Eunice Paiva, que acaba fazendo tudo o que se vê no filme, e certamente fez muito mais, que é definitivamente, nunca abandonar o seu marido, nunca deixar a busca, nunca se conformar, e conseguir justiça, ir trilhando um caminho que ilumina outras buscas, outras mulheres, outras famílias. É isso, finalmente, o que há de se reclamar frente ao desaparecimento de um ser querido.
Mas isso pra mim, é uma prova da força das mulheres, nessas condições. E isso conheço muito bem, por causa das Avós, das Mães da Praça de Maio, e como fizeram tudo isso. E isso se vê muito bem na condição de Eunice Paiva, nessa história.
Mas acho que o que mais me comoveu, mais me afetou, digo, porque o filme alcança seu objetivo, que é sensibilizar-nos sobre esse assunto, é o pai. Ou seja, pra mim, mostra o pai que eu perdi, é como… essa ideia de que se eu tivesse sido criado por um pai assim. Temos uma tendência a idealizar nossos pais. Nessa condição de que não os tive. Bom, sei pelo o que já me contaram, meu pai era muito amoroso, muito carinhoso. Meu irmão, sete anos mais velho, sim, conheceu nosso pai. Então, a figura desse pai, com esse amor, por outro lado, uma pessoa comprometida com o que acontecia no país, me afetou muito nesse sentido. Mas isso é uma questão muito pessoal.
O que eu acho que o filme consegue mostrar é a enorme diferença entre o amor e o ódio. É um filme muito luminoso. Toda a primeira parte é tão linda, a vida de uma família, o que significa uma mãe, um pai e os filhos, esse grupo familiar, com diferentes idades, e como tudo funciona em conjunto, de alguma maneira. E como uma mãe e um pai são cúmplices, entre si, do papel que cumprem um e outro, com esses filhos e para que eles cresçam felizes. Toda essa mostra de felicidade que tem no começo do filme, em um momento, se quebra e mostra o que significa a desaparição de uma pessoa. Que não é o mesmo que a morte de uma pessoa.
Outra coisa é o desaparecimento…
Se nessa família o pai tivesse sido morto, seria muito duro, certamente. Mas em algum momento isso se acomoda em um lugar mais saudável. Você processa o luto, com dor, com saudade, no caso dela, o marido. Mas desaparecê-lo é um dano maior, é uma perversidade que faz com que seja pior do que a morte. Não saber onde está, o que aconteceu. Por isso, também isso condena, de alguma maneira, que toda essa família, a cada dia, padeça essa morte. Acho que o filme, de alguma maneira, contrasta muito bem isso. Isso é o amor, isso é o ódio. Isso significa desaparecer uma pessoa. Não para essa pessoa apenas, para todas as pessoas que amaram essa pessoa.
Às vezes, para resumir, falam do desaparecimento de uma pessoa como números. Há milhares de desaparecidos. Aqui dizemos 30 mil desaparecidos, mas cada número, cada um é uma vida, é alguém que foi amado, que amou, que teve filhos. Então, o desaparecimento dessa pessoa, afetou mais uma pessoa, afetou esse filho. O desaparecimento condicionou a vida de todos esses outros também.
E isso é o que ele conseguiu contar nesse filme de uma maneira estremecedora para alguém… eu conheço muito essas histórias, conheço essas histórias de vida internamente. Conheço a história dos desaparecidos, dos seus filhos, de suas esposas ou de suas mães. Mas poucas vezes acontece que um filme me provoque mais do que eu já conheço. Com esse filme, sim, aconteceu isso. Bom, então celebro muito. Porque acho que para o Brasil vai ser muito útil esse filme. Ao mundo inteiro. Mas em particular para o Brasil, sinto que é muito importante que tenham feito esse filme.
Para nós, na Argentina, que já fizemos tanto por essas histórias (dos desaparecidos) e temos muitos filmes que falam dessas histórias, esse é um filme que chega em um momento que é muito importante para nós. É um grande aporte. Não tenho dúvida de que se um argentino, que não entende nada sobre a ditadura na Argentina, vê esse filme, pode se dar conta do que significa desaparecer uma pessoa. O que significa o ódio. A ideia de que alguém é dono da vida e da morte, somente porque você pensa ou sonha em um mundo distinto.
Você diz da importância do filme para o Brasil, por que sabe que não houve julgamento aos militares, por exemplo?
Realmente… ou seja, sei do Brasil e sei de tantos outros países. O Brasil talvez seja o lugar onde menos pude participar. Tomara que possa fazer mais. Mas no ano passado estive no México, Colômbia, Chile, trabalhando nesses países, porque também sofreram desaparições e o Estado ainda não começou a buscar os desaparecidos, como fizemos aqui. Não buscam os bebês roubados, ou seja, que também tiveram. Essa ideia de que isso não aconteceu. E no Brasil, como na maioria dos países, como os chamados, entre aspas, países de primeiro mundo, se ocultou tudo. Na Espanha, o franquismo desapareceu pessoas, teve roubo de bebês, também não fizeram nada. Na Alemanha, roubaram bebês, e não foi feito nada. Desapareciam pessoas. E continua acontecendo agora com as guerras.
Há uma situação, e depois a sociedade resolve isso olhando pra frente, como se, aqui, não aconteceu nada. E isso condena (a situação) ao esquecimento, a que volte a acontecer, e as vítimas não apenas padecem o desaparecimento da sua mãe, do seu pai, do seu irmão, mas depois você convive em um país onde parece que aos demais não lhe importou. Ao governo não lhe importou, à Justiça não lhe importou, e à sociedade também não lhe importou. E a dor é toda sua. E isso é muito forte.
Eu vivi na Argentina no momento em que havia impunidade. E é muito diferente de como me sinto agora com o meu país, em comparação a como me sentia naquele momento. Às vezes, viajo a outros países, posso contar em carne própria o que significa a impunidade e a Justiça. Como reparar as vítimas que ficaram, que são os familiares, essa chegada da Justiça. E como no caso, se você foi uma pessoa que foi roubada durante o desaparecimento de seus pais, bom, restituir a identidade é algo que te cura, que te sana muito. Inclusive para aqueles que não buscaram.
No Brasil, você sabe ou acha que aconteceram roubos de bebês?
Os dados precisos eu não tenho. Mas, sem dúvida alguma, aconteceu. Porque é uma questão… primeiro, o Brasil tem contabilizado um número de desaparecidos. Nunca esse número é o número real, porque as ditaduras trabalhavam na clandestinidade. Não é que terminou a ditadura disseram, olha, fizemos todo esse dano, e aqui está. Não. Por isso continuam desaparecidos. Não dizem onde estão, quantos são. Nesse caminho, sim, não tenho dúvida de que pode ter acontecido situações de roubo de bebês.
Porque o roubo de bebês, no mundo inteiro, aconteceu antes, durante e depois de uma ditadura. Em condições de ditadura, isso pode ter sido intensificado, sim. As condições de clandestinidade em que eram levados os sequestros, os desaparecimentos, justamente, eram também propensos para isso. Se houve um momento em que alguém foi sequestrado, e tinha uma criança, e estava clandestina, a família poderia não saber se nasceu, se a mãe estava grávida ou não.
Nós na Argentina temos encontrado bebês… de fato, hoje, no Banco Nacional de Dados Genéticos da Argentina, há mais casos de famílias que buscam bebês, que não os buscavam inicialmente. Somente buscavam o filho ou a filha desaparecidos. Souberam, por sobreviventes dos centros clandestinos de detenção, que sua filha estava grávida. A partir disso, se incorporaram ao Banco de Dados Genéticos.
A condição de clandestinidade, a perseguição que muitos sofreram, até serem desaparecidos, e a impossibilidade de estar em contato com sua família, não lhe deixava avisar que estavam esperando um bebê. Certamente, há crianças e bebês que deveriam ser buscados no Brasil, como no mundo inteiro. Teve em toda a América Latina. Todos os países tiveram roubo de bebês. Todos, todos.
No Chile, tem 20 mil crianças que foram levadas a outros países. Nesse caso, na Argentina, não teve esse plano de exportação de crianças. Elas ficavam aqui. A maioria de nós foi apropriado aqui dentro. No Chile, só na Suécia, tem 2 mil crianças adotadas por suecos. O Estado chileno permitia que essas crianças fossem levadas a outros países. Cidadãos suecos que desconheciam essa situação. Ah, crianças chilenas, no Chile te dão um documento, você chega na Suécia e diz, o Estado chileno me deu, vou adotar, pronto. O Estado chileno falou que ele não tem família, que o abandonaram. Na realidade, isso é produto do sequestro de suas mães, desaparecimento de suas mães, ou por condições socioeconômicas vulneráveis da mãe. E o Estado chileno tirava e dava para adoção. Certamente, havia um negócio, alguém ganhava dinheiro. Havia de tudo.
É a mesma coisa. Tratar de usar a situação de conflito ou de vulnerabilidade socioeconômica, que está presente em toda a América Latina, e continua tendo, para tirar crianças de uma família e dar a outra. No Brasil, são 400 pessoas que não tinham crianças? Não havia uma mulher grávida? Espero que não. Mas acho um erro não tomar como uma variável possível. Porque pode ter acontecido, sim, pode.
À margem disso, o filme fala de um adulto desaparecido, ou seja, um adulto que foi arrancado de sua família. Isso já é suficiente para que se faça mais pelos 400. Vamos supor que sejam 400, que não são apenas esses 400. Aqui se diz que são 30 mil. E se não são 30 mil, quartos são? Nesses 400 não está a condição da clandestinidade em que tudo foi feito. Qual é o registro oficial? Aquele que os próprios perpetradores entregaram em umas condições em que nada foi bem feito?
Minha mãe foi sequestrada, a desapareceram, e depois a continuaram buscando. Em Buenos Aires, continuavam indo buscá-la na casa dos meus avôs. Ela já tinha sido assassinada, no momento em que a buscavam. Não existia nem a tecnologia, nem a possibilidade de fazer algo bem feito para ter um registro preciso do que estavam fazendo.
Esses registros não são reflexos exatos. O que são é um reflexo, uma base do que aconteceu. O que aconteceu é mais do que isso. Por isso, quando aqui se discute se são 30 mil, ou não são 30 mil. Então, digam quantos são? São 15 mil, são 20 mil? Digam, então, quantos são e onde estão.
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As Avós estimam que foram roubados 500 bebês. Nós temos 139 já resolvidos. Temos no Banco de Dados 300 famílias que estão buscando, que são casos que se pode documentar que estão buscando um bebê. Então, os 300 que estão no Banco ainda não encontraram esses bebês. Mais os 139 são 439, ou seja, que a estimativa de 500 das Avós seria um 20% mais do que realmente já se documentou. Ou seja, 20% de um registro que foi clandestino. Não sabemos…provavelmente foram 500, ou foram 600, 700 os bebês roubados. Isso não se sabe. Hoje, tantos anos depois, demonstra que nem sequer essa estimativa foi alocada, foi o que se pode entender que pode ter sido o que aconteceu. Hoje você vê que provavelmente são mais de 500.
Você vê uma diferença no modo como o Brasil trata a questão da memória?
É uma sensação que eu tenho. Mas também não quero afirmar algo sobre o qual um pouco desconheço. Tenho a sensação de que com o tempo, ainda falta um exercício da memória. Na Argentina, a literatura chegou até o Jardim de Infância para contar essas histórias. Como transmitir a memória a uma sociedade que não quer escutá-la, ou que acredita que isso é parte do passado.
Mas uma mãe de um desaparecido no Brasil, uma mãe na Argentina, na Espanha, sentem a mesma dor. Mas por que na Argentina a figura das mães, da avós, se constituiu dessa maneira? Bom, deve ter algo na idiossincrasia, que também gerou isso. Essa potência com a qual se constituíram aqui as Mães. Não duvido da dor das mães, é a mesma. Mas algumas puderam transformar essa dor em uma luta coletiva incansável e outras não conseguiram. Não conseguiram que a sociedade lhes dê esse lugar.
Maíra Vasconcelos é jornalista e escritora, de Belo Horizonte, e mora em Buenos Aires. Escreve sobre política e economia, principalmente sobre a Argentina, no Jornal GGN, desde 2014. Cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina (Paraguai, Chile, Venezuela, Uruguai). Escreve crônicas para o GGN, desde 2014. Tem publicado um livro de poemas, “Um quarto que fala” (Urutau, 2018) e também a plaquete, “O livro dos outros – poemas dedicados à leitura” (Oficios Terrestres, 2021).
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