“Ainda estou aqui”: a necessidade de proteger e incentivar o cinema nacional

por Roberto Bitencourt da Silva

A feliz consagração da estupenda atriz Fernanda Torres e do filme “Ainda estou aqui”, em circuitos internacionais de exibição e competição cinematográfica (Globo de Ouro e Veneza), é uma boa oportunidade para um sério debate público a respeito do cinema nacional: sua importância para a construção da identidade cultural do país, para a veiculação audiovisual de diferentes expressões da diversidade natural, histórica, étnica e cultural do Brasil; um meio de autorreconhecimento e autoconsciência brasileira.

A justa celebração em torno do filme, maravilhoso, da carismática atriz Fernanda Torres e de um cineasta incrível, Walter Salles, precisa estimular a reflexão sobre a necessidade de se pensar na produção e, sobretudo, na distribuição dos filmes brasileiros. A legislação brasileira é leniente. Ainda que exista a cota de tela de produção criativa nacional, porém determina não mais do que 12, 13%, na prática, de exibição de filmes nacionais no cinema. Na TV a inserção é muito baixa, tanto quanto nas salas de exibição.

O acesso coletivo à diversidade de produtores cinematográficos fica completamente comprometido: tem toda uma produção pulsante, há duas décadas pelo menos, no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Pernambuco – talvez o polo mais imaginativo, ousado e engenhoso do cinema brasileiro –, produção pujante que pouco é conhecida do grande público.

Inúmeras cidades não têm salas de exibição no país. Outras tantas ficam submetidas ao semimonopólio de grandes redes estrangeiras ou suscetíveis ao poderoso marketing e à grana forte de companhias estadunidenses, Disney, Marvel etc. Tirando filmes de comédia rasgada produzidos pela Globo, o cinema nacional via de regra fica marginalizado a uma semana em uma sala, pingando aqui e acolá em cinemas – raríssimos – dedicados a uma exibição alternativa a Hollywood. É muito pouco.

Cumpre observar que o que não é visível, na prática, deixa de existir; não integra o raio de atenção nem sensibiliza a subjetividade do público. Assim, ficamos submetidos a um verdadeiro colonialismo cultural. É preciso mexer no vespeiro da distribuição e exibição, ousar um enfrentamento ao imperialismo cultural, aos complexos empresariais donos das salas, e aos canais de TV aberta e por assinatura, cúmplices desse colonialismo.

Medidas protecionistas de mercado são vitais. Na União Europeia foi criada uma rede própria de salas de cinema para viabilizar o escoamento da produção continental, como meio de garantir razoável autonomia frente ao peso de Hollywood. Tem poder de decisão e de influência sobre a cultura e a consciência popular aqueles que possuem os meios de produção, ensinava um antigo e sábio filósofo alemão.

Ademais, para garantir e impulsionar um mercado consumidor interno, em qualquer segmento produtivo que se pretenda dotado de capacidade criativa autóctone, como o cinema, é fundamental elevar as condições de vida das massas trabalhadoras. Com a ampla maioria assombrada pela fome ou mergulhada no enfrentamento das necessidades materiais mais básicas do cotidiano, o cinema não tem vez na cesta de consumo dos brasileiros. Uma indústria nacional somente pulsa e resiste com mercado consumidor interno.

Roberto Bitencourt da Silva – cientista político e historiador.

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Last Update: 10/01/2025