AI-5 nunca mais!
por Francisco Celso Calmon
Dia 13 de dezembro de 1968 é um dia de triste lembrança, pois foi quando foi instituído o AI-5. Um monstrengo jurídico, parido do ventre de outro monstro político: o golpe de 1964.
Com o AI-5 (Ato Institucional nº 5), de 13 de dezembro de 1968, instituíram o terrorismo de Estado e suprimiram o que restava de liberdades democráticas. A ditadura perdeu todo o pudor que porventura restava, raspou o verniz de legalidade e assumiu a feição cruel de uma ditadura escancarada.
A ditadura assumiu o caráter de um Estado terrorista, com licença para matar, sequestrar, encarcerar, torturar, banir, fechar Congresso, cassar parlamentares, e caçar os que combatiam a ditadura.
Alguns historiadores, intelectuais e camaradas classificam o AI-5 como um golpe dentro do golpe.
Manifesto radical discordância e travei, à época (dezembro de 1968), debates com outros quadros defensores dessa posição, que julgo absolutamente equivocada, uma vez que não se rompeu a “legalidade” da ditadura e nem se levantaram movimentos de força para desalojar o grupo até então dominante.
O que ocorreu é que o grupo de militares mais radical, denominado de linha dura, conseguiu se impor ao grupo menos radical. Foram mudanças na correlação de forças internas da ditadura, notadamente no Exército. Essas refregas intestinais dos militares se estenderam até o final da ditadura, até mesmo levando a linha dura a sofrer revezes, e não devem ser caracterizadas como golpes dentro do golpe.
Afirmei na época, assim como hoje, que o AI-5 significou a radicalização da ditadura, para que a tirania fosse absoluta, tornando o Estado terrorista, com licença para cometer sequestros e assassinatos, desaparecimentos, mutilações de vivos e esquartejamentos de mortos.
O mês de dezembro de 1968 não foi o mês de Boas Festas, foi o mês mais cruel para a história dos Direitos Humanos no Brasil. Destruíram o Teatro Opinião, no Rio de Janeiro, símbolo da resistência cultural à ditadura; a Imprensa passou a sofrer censura prévia. Prisões e cassações de políticos, jornalistas, intelectuais e militantes opositores à ditadura ocorreram no mesmo dia, inclusive a do ex-presidente, Juscelino Kubistchek, retirado do teatro municipal e levado à Vila Militar.
Com o AI5 cassaram 104 parlamentares, 3 ministros do STF, e até o próprio corvo do golpe militar, o ex-governador Carlos Lacerda. Com o AI-5, o Congresso Nacional foi fechado e o habeas-corpus para os chamados crimes políticos foi abolido. Além de prisões e cassações, esse hediondo ato institucional instituiu a licença para caçar, sequestrar, torturar e matar, sangrou uma geração de brasileiros.
Fui caçado em janeiro de 1969 no meu trabalho, escapei passando de um edifício para um outro pela cobertura que unia os dois, em fevereiro no casamento de minha irmã escapei pela sacristia nos fundos da igreja. Em 4 novembro conseguiram me sequestrar, junto com mais duas companheiras, sem chance de resistência.
Encarcerado, torturado, algumas vezes ameaçado de morte, sobrevivi para continuar a luta até hoje.
O AI5 durou 10 anos e 18 meses, durante esse tempo o Brasil esteve sob um imenso pau-de-arara.
Mesmo sob a guilhotina do AI5 e da Lei de Segurança, nós combatemos à ditadura. Custou muito, mas a democracia venceu. Ao não extirpar por completo as raízes daquela ditadura, através da aplicação da Justiça de Transição, voltamos a um Estado de exceção com o golpe de 2016, o governo de militares bolsonaristas e a intentona de 8 de janeiro de 2023.
O fascismo há muito deixou de ser sussurrado: hoje, sem pudor algum, clamam pela volta do AI-5 e reverenciam a memória dos torturadores.
Sob novas formas e outros pretextos, essa mesma lógica autoritária reaparece. O Congresso Nacional, movido por aspirações ditatoriais, vem usurpando funções do Poder Executivo e, em menor medida, do próprio Supremo Tribunal Federal, impondo um semipresidencialismo ilegítimo, à margem da vontade popular e da Constituição.
Esse processo não se encerra na política institucional. Ele também se projeta na disputa pela memória. Ainda se preservam estátuas que celebram torturadores e narrativas que relativizam crimes de estado. Combater essas permanências é parte da luta para impedir que voltem a reconstruir as práticas e os métodos do passado.
Ninguém deve se calar. É preciso gritar, reagir, avançar na consciência e organização antifascista e de defesa da democracia.
Lembrar para repelir quaisquer tentativas.
Que dezembro seja de boas festas e de boas lutas.
Ditadura nunca mais. Democracia sempre mais!
Francisco Celso Calmon, Analista de TI, administrador, advogado, autor dos livros Sequestro Moral – E o PT com isso?, Combates Pela Democracia, 60 anos do golpe: gerações em luta, Memórias e fantasias de um combatente; coautor em Resistência ao Golpe de 2016 e em Uma Sentença Anunciada – o Processo Lula. Coordenador do canal Pororoca e um dos organizadores da RBMVJ.
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