O então presidente Arthur da Costa e Silva foi responsável pelo período mais autoritário da ditadura militar brasileira (1964–1985) a partir do decreto do Ato Institucional nº 5 (AI-5) em 13 de dezembro de 1968.
Considerado o instrumento mais duro do regime, o AI-5 concentrou poderes quase ilimitados no Executivo, permitindo o fechamento do Congresso Nacional, a cassação de mandatos parlamentares, a suspensão de direitos políticos e a intervenção federal em estados e municípios sem qualquer controle judicial.
O decreto também suspendeu o habeas corpus para crimes políticos, abriu caminho para prisões arbitrárias, censura prévia à imprensa, perseguição a artistas e intelectuais e intensificou práticas de tortura nos órgãos de repressão.
Seu impacto foi tão profundo que o período posterior ficou conhecido como os “anos de chumbo”. O AI-5 permaneceu em vigor por dez anos, sendo revogado apenas em 1978, no governo do general Ernesto Geisel, já no contexto da chamada “abertura lenta e gradual”.
Contexto político e social do AI-5
O AI-5 foi editado em um momento de forte mobilização social, marcado por protestos estudantis, greves operárias e crescimento da oposição ao regime militar. Em 1968, o assassinato do estudante Edson Luís pela Polícia Militar, no Rio de Janeiro, desencadeou grandes manifestações, como a Passeata dos Cem Mil.
O estopim formal para o decreto foi o discurso do deputado Márcio Moreira Alves, que criticou as Forças Armadas e convocou a população a boicotar os desfiles militares. O episódio foi tratado pelos militares como uma “crise institucional”, usada como justificativa para o endurecimento do regime.
Além disso, historiadores apontam que atentados atribuídos a grupos de extrema-direita e setores do próprio aparato repressivo ajudaram a criar um clima de instabilidade que favoreceu a ascensão da chamada “linha dura” dentro das Forças Armadas. Com o AI-5, o presidente passou a governar por decretos acima da Constituição, e atos do Executivo tornaram-se imunes à análise do Judiciário.
Os atos golpistas de 8 de Janeiro de 2023
Em 8 de janeiro de 2023, manifestantes bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília. A ação ocorreu uma semana após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e foi caracterizada pelas autoridades como uma tentativa de golpe de Estado.
Durante os ataques, parte dos manifestantes pediu abertamente intervenção militar e a edição de um “novo AI-5”, defendendo o fechamento do STF, do Congresso e a suspensão de direitos constitucionais.
As investigações revelaram a existência de minutas golpistas, encontradas com aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, que previam medidas semelhantes às do AI-5, como a prisão de ministros do STF e do TSE e a anulação do resultado eleitoral.
Conexões históricas e simbólicas
Especialistas e historiadores apontam que os atos de 8 de Janeiro resgataram, de forma explícita, a retórica autoritária do período da ditadura.
O pedido por um “novo AI-5” não foi apenas simbólico, mas refletiu a defesa concreta de um regime de exceção, com supressão de direitos, criminalização da oposição e concentração de poder no Executivo.
Embora Jair Bolsonaro tenha classificado os manifestantes como “malucos”, as investigações conduzidas pela Polícia Federal e pelo STF indicam que houve planejamento prévio, financiamento e articulação política, com paralelos diretos às práticas institucionais legitimadas pelo AI-5 em 1968.
Para historiadores, a evocação do AI-5 nos atos golpistas evidencia a permanência de uma memória autoritária mal resolvida no país e reforça a importância da preservação da democracia e do Estado de Direito.