A história da luta do povo palestino está profundamente entrelaçada com a vida de seus educadores, intelectuais e organizadores nacionais. Ahmad Samih al-Khalidi, nascido em Jerusalém no início do século XX, é um desses nomes fundamentais. Herdeiro de uma das famílias mais influentes da capital palestina, al-Khalidi representou, durante toda a sua vida, o esforço de construção de uma nação árabe unificada e independente, forjada por meio da educação, da ciência e da cultura nacional.
Seu pai, Haj Raghib al-Khalidi, fundou em 1900 a Biblioteca Khalidi, instituição que se tornaria central na preservação do patrimônio intelectual palestino. Ahmad cresceu nesse ambiente de erudição e militância cultural. Estudou na American Colony School e depois na tradicional St. George’s School, em Jerusalém. Posteriormente, ingressou na Universidade Americana de Beirute, com o objetivo de estudar história. No entanto, seus planos foram interrompidos pela Primeira Guerra Mundial: em 1915, foi recrutado pelo exército otomano e enviado ao Sinai. No ano seguinte, passou a estudar na Escola Médica Otomana em Beirute, graduando-se em farmácia. Chegou a atuar como tenente farmacêutico no hospital de Homs, na atual Síria. Após o fim da guerra, retornou à universidade e concluiu o bacharelado em 1919.
Apesar de sua formação médica, al-Khalidi jamais exerceu a profissão. Ao voltar à Palestina, rejeitou um cargo oferecido pelo regime militar britânico — o de vice-governador de Jerusalém — para dedicar-se integralmente à educação, convencido de que só por meio dela a população palestina poderia se libertar da dominação estrangeira e consolidar sua identidade nacional.
Entre 1919 e 1923, foi inspetor de educação nos subdistritos de Jafa, Gaza e Tulkarm. Durante esse período, ficou conhecido por sua proposta inovadora de expandir o sistema educacional para as regiões rurais: as vilas forneceriam o terreno e a mão de obra para a construção das escolas, enquanto o governo se comprometeria a contratar e pagar os professores. Essa iniciativa teve ampla adesão popular e foi incorporada ao programa educacional nacional por seu amigo e também educador, Mustafa Murad al-Dabbagh.
Em 1923, al-Khalidi defendeu, na Universidade Americana de Beirute, sua tese de mestrado sobre os sistemas educacionais na Palestina durante o domínio otomano. No mesmo ano, foi nomeado inspetor-geral de educação do distrito de Jerusalém e passou a lecionar no Teachers College da cidade. Em 1925, foi nomeado diretor da instituição — rebatizada como Arab College — sucedendo o também renomado educador Khalil Totah.
Sob sua liderança, o Arab College se transformou na mais importante escola da Palestina. Tinha como objetivo a formação de uma nova geração de quadros nacionalistas, enraizados na cultura árabe-islâmica, mas preparados cientificamente. O currículo da instituição era único entre os países árabes, incluindo não apenas a tradição clássica árabe, mas também o estudo de línguas antigas como o latim e o grego, além de matemática e física. Sua defesa da língua árabe como idioma exclusivo do ensino, do jardim da infância à universidade, tornou-se um pilar da política educacional nacional.
Em 1946, foi nomeado também vice-diretor de educação da Palestina, acumulando o cargo com a direção do Arab College. Durante os anos 1940, esteve à frente da Biblioteca Khalidi, onde coordenou, com o auxílio de estudiosos como Shaykh Amin al-Ansari e Istfan Hanna Istfan, a catalogação e preservação de manuscritos raros e documentos históricos.
Paralelamente à sua atuação oficial, al-Khalidi organizou esforços voltados à população mais atingida pela repressão britânica e pela colonização sionista. Fundou o Comitê de Educação Superior dos Muçulmanos e, com o avanço da repressão à Grande Revolta Palestina (1936–1939), estabeleceu o Comitê Geral dos Órfãos Árabes, que passou a cuidar das crianças que perderam seus pais na luta contra o imperialismo britânico e o sionismo. Foi nesse contexto que ergueu a Escola Agrícola Modelo de Deir Amr, próxima a Jerusalém, destinada aos filhos dos mártires, a primeira instituição desse tipo em todo o Oriente árabe. Iniciou também a construção de uma escola similar para meninas, projeto interrompido pela Nakba.
Com a invasão sionista em 1948, al-Khalidi agiu rapidamente para proteger o patrimônio educacional palestino: colocou o Arab College sob proteção da Cruz Vermelha antes de se retirar para o Líbano. Ainda assim, tanto o colégio quanto as instituições de Deir Amr foram ocupadas e saqueadas pelas forças de ocupação. No exílio, al-Khalidi não deixou de lutar. Instalou-se na vila de Hinniyyah, no distrito de Tiro, onde fundou uma escola para refugiados palestinos — que segue funcionando até hoje.
A destruição das instituições que ajudara a edificar, o exílio forçado e o sofrimento de seu povo foram demais para al-Khalidi. Morreu aos 54 anos, de infarto, na cidade libanesa de Beit Mery. Seu corpo foi sepultado em Beirute, no cemitério que leva o nome do jurista islâmico al-Awza‘i, de quem era admirador.
Ao longo da vida, al-Khalidi escreveu e traduziu diversas obras sobre ensino, pedagogia, psicologia e história. Publicou artigos em revistas árabes, entre elas a Al-Risala, do Cairo. Sua atuação influenciou profundamente a política educacional em países como Iraque e Jordânia. Em 1990, foi homenageado postumamente com a Medalha de Jerusalém para a Cultura, Artes e Literatura, concedida pela Organização para a Libertação da Palestina.