
Por Ana Oliveira e Felipe Borges | Pragmatismo Político
Na manhã de uma sexta-feira, 14 de março, a influenciadora digital Laura Sabino foi vítima de uma tentativa de feminicídio em sua residência, em Belo Horizonte (MG). O agressor, seu próprio irmão, desferiu ao menos nove facadas contra ela e tentou queimá-la viva. A jovem, que tem quase um milhão de seguidores nas redes sociais, sobreviveu ao ataque, mas denuncia que o crime foi precedido por uma série de ameaças e perseguições ignoradas pelas autoridades, mesmo após sua inclusão em programas de proteção e a concessão de uma medida protetiva.
Sabino, de 25 anos, é estudante de História na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e atua desde 2019 como comunicadora política, especialmente em defesa de pautas progressistas. Sua atuação online lhe rendeu grande visibilidade, mas também a transformou em alvo constante de ataques e campanhas de desinformação.
Segundo o relato da influenciadora, o crime ocorreu enquanto ela estudava em casa. Ao ouvir um ruído na sala, inicialmente atribuído ao gato, percebeu pela fresta da porta a aproximação do irmão. Nos 20 minutos seguintes, ela foi golpeada várias vezes com facas de cozinha. Durante o ataque, ele ainda tentou atear fogo em seu corpo utilizando álcool em gel. Sabino conseguiu fugir, telefonar para o namorado e buscar socorro. O agressor foi preso em flagrante e segue detido preventivamente.
Um histórico de ameaças
A tentativa de assassinato não foi um episódio isolado. Desde 2022, Laura vinha registrando boletins de ocorrência sobre ameaças, muitas delas de natureza misógina e política. Ela também denunciou o próprio irmão por comportamento agressivo e ameaças recorrentes. Apesar disso, a medida protetiva solicitada contra ele só foi expedida cinco dias antes do ataque — e a notificação judicial só chegou após o crime.
O agravamento da situação, segundo ela, também se deu após a disseminação de uma fake news publicada por um influenciador de direita. A publicação, com milhares de interações, a associava falsamente ao uso de drogas e maus-tratos, e desencadeou uma onda de ataques nas redes. Dois dias depois, Sabino foi esfaqueada.
Durante o ataque, o irmão mencionou a notícia falsa e criticou os posicionamentos políticos da vítima, de acordo com o depoimento prestado por ela à polícia. “Disse que eu era um personagem da internet, que defendia patifarias”, afirmou.
Saúde mental e ausência do Estado
A família relata que o agressor já apresentava histórico de transtornos mentais, e que procuraram ajuda em diversas instâncias públicas de saúde para viabilizar uma internação. Não conseguiram vaga. Clínicas particulares, segundo eles, estavam fora da realidade financeira familiar. Com o agravamento do quadro, ele passou a alternar moradias entre a casa de uma tia e a da mãe.
No dia do ataque, saiu de ônibus da casa onde morava, pulou o muro da residência da irmã, pegou duas facas de serra na cozinha e iniciou o atentado. Sabino tentou se defender, sofreu cortes nos braços e ombros, e só percebeu que estava sendo esfaqueada ao ver o chão coberto de sangue. Segundo ela, o irmão despejou álcool em gel sobre seu corpo e procurou fósforos para incendiá-la. Foi nesse momento que conseguiu fugir.
No boletim de ocorrência, o autor alegou que sua intenção era matar a irmã e depois tirar a própria vida, em uma tentativa de atingir emocionalmente o pai. No entanto, áudios obtidos pela reportagem revelam outra versão: ele falava abertamente sobre se recusar a trabalhar, esperava herdar bens do pai e mencionava que “ficaria doce igual caramelo” quando recebesse dinheiro da família.
Os registros mostram ainda conteúdos machistas e homofóbicos enviados por ele à irmã — linguagem semelhante à usada em grupos extremistas dos quais a influenciadora também é alvo nas redes. A Defensoria Pública de Minas Gerais informou que ainda não houve a designação de defesa formal para o caso.
Contexto de violência política e de gênero
A trajetória de Laura Sabino é marcada por atuação comunitária e envolvimento com movimentos sociais, sobretudo em defesa das mulheres. Nascida em Ribeirão das Neves (MG), uma das cidades com os piores índices de desenvolvimento humano para mulheres no país, ela integrou coletivos de apoio a vítimas de violência doméstica desde a adolescência.
Mesmo hesitando em reconhecer-se como vítima, Sabino relata que procurou ajuda e se afastou das redes em determinados períodos por medo de que os ataques extrapolassem o ambiente virtual — como de fato aconteceu. Em setembro de 2023, ela participou de audiência pública sobre violência de gênero contra mulheres com atuação política e, em dezembro, foi incluída no Programa de Proteção a Defensores dos Direitos Humanos.
“A violência que sofri não foi um ponto fora da curva, foi a consequência de uma série de negligências e omissões”, afirmou. Ela diz que só decidiu tornar o caso público após começar a receber mensagens com referências à tentativa de feminicídio: “Vi pessoas dizendo que eu era boa com cortes, que deveria fazer mais vídeos assim. Preferi relatar tudo para um veículo sério antes que a extrema direita distorcesse os fatos.”
Organizações como Terra de Direitos e Justiça Global vêm alertando para o aumento da violência política de gênero. Entre 2022 e 2024, quase metade dos ataques mapeados por essas instituições teve mulheres como alvo, especialmente aquelas que atuam em causas sociais.
Em nota, o Programa de Proteção a Defensores dos Direitos Humanos de Minas Gerais afirmou que o caso de Sabino “escancara a urgência de políticas efetivas” de proteção. “É preciso garantir que ativistas como ela possam continuar seu trabalho sem medo, com dignidade, segurança e respeito”, declarou.
Sobrevivência e continuidade
Quase três meses após o atentado, Sabino tenta retomar a rotina. Volta aos poucos ao ativismo, aos estudos e ao trabalho nas redes. Ao lado do pai, professor da UFMG e figura fundamental em sua formação, ela processa o trauma. “Tem dias mais leves, outros mais pesados. Quando deito, tudo volta na minha cabeça. É como um luto”, desabafa.
Mesmo diante da violência, a influenciadora reafirma sua disposição de seguir lutando: “Esse episódio foi só mais um capítulo de uma vida inteira de luta. Eu não vou parar.”
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