A importância geográfica estratégica da Geórgia nas atuais disputas entre Rússia, China e a OTAN foi explicada pelo doutorando na Universidade de Coimbra, João Pedro Monteiro de Carvalho, no Agenda Mundo desta semana. Pesquisador sobre Política Internacional com enfoque nos países do Cáucaso do Sul, Eurásia e espaço pós-soviético, João Pedro apontou os riscos da Geórgia se tornar uma nova Ucrânia dentro do contexto atual.
Apesar de ser um país pequeno, a Geórgia desempenha um papel crucial na Nova Rota da Seda, uma iniciativa de conectividade global liderada pela China, principalmente com o início da guerra na Ucrânia. Localizado nos Bálcãs do Sul, o país facilita essa rota tanto por via terrestre, não sendo necessário passar pelo país em conflito, sendo fundamental para a China se comunicar eficientemente com o Ocidente.
Além disso, a Geórgia se destaca no transporte energético, importando gás liquefeito dos EUA devido a conflitos na região, ao mesmo tempo em que é um ponto crucial para o gás produzido no Azerbaijão. A manutenção desse canal é de interesse tanto da Rússia quanto do Ocidente, sublinhando o papel da Geórgia para a estabilidade e o comércio internacionais.
Assim, o país também se tornou um alvo da disputa entre a ocidentalização e o domínio russo nas últimas décadas, processo que se agravou a partir da chamada revolução rosa. Em 2003, as mobilizações populares culminaram na ascensão do Movimento Nacional Unificado (MNU) ao poder. João Pedro definiu o MNU como um partido pragmático e que abrange diversos espectros políticos.
Liderado por Mikhail Saakashvili, o então governo do MNU implementou reformas neoliberais, afetando principalmente as populações rurais, e orientou o país para uma política pró-Ocidente e pró-integração com a União Europeia e a OTAN. No entanto, desde então, houve mudanças políticas na Geórgia, e o partido atualmente no poder é o “Sonho Georgiano” (Georgian Dream), liderado por Bidzina Ivanishvili, que venceu as eleições em 2012 e continua a ser uma força política dominante no país.
Segundo João Pedro, os apoiadores do MNU se concentrariam nas áreas urbanas que defendem o retorno ao liberalismo. No entanto, este seria um setor minoritário, sendo “difícil a remoção deles do poder porque isso dá um bom apoio popular, não só o lado econômico que é uma coisa boa, mas pelo lado reacionário”, explica o pesquisador ao expor que a atual gestão possui uma postura conservadora nas pautas de costumes e direitos a grupos oprimidos.
“É possível que um grupo pró-Ocidente, mais liberal volte ao poder, certamente, mas talvez não o Mikhail Saakashvili”, apostou o pesquisador ao considerar o passado do ex-mandatário georgiano.
Saakashvili, conhecido por sua defesa de uma agenda liberal que não foi amplamente aceita pela maioria da população, enfrentou críticas severas por sua condução de uma guerra considerada sem propósito contra a Rússia, em 2008. Após deixar a Geórgia, ele assumiu o cargo de governador em Odessa, na Ucrânia.
Quanto às recentes discussões sobre a entrada da Geórgia na OTAN, João Pedro enfatiza que o cenário é “mais problemático do que parece”, destacando o registro de supostas denúncias recebidas pelo governo georgiano. “Não se sabe até onde isso é um jogo de cena do primeiro ministro, mas o que é claro é o seguinte: se é uma ameaça física ou não, a chantagem ocidental é evidente”.
O pesquisador reforça que a aproximação da OTAN em relação a Geórgia, não tem como objetivo a incorporação do pequeno país balcânico, mas de nutrir simpatia popular à sua própria agenda. No entanto, nem todos os líderes ocidentais estariam calculando todos os riscos dessa operação. “Os líderes ocidentais sabem, claramente, que uma adesão da Geórgia, assim como da Ucrânia, a Otan, significa necessariamente uma guerra contra a Rússia”, aponta João Pedro.
Considerando o tema uma “questão geopolítica maior”, o pesquisador afirma que tanto a OTAN quanto a Rússia “trabalham pelo caos e a Geórgia fica no meio disso, assim como a Ucrânia”. Enquanto a Rússia se esforça por garantir a segurança de suas fronteiras, físicas e políticas, ao manter a influência sob às antigas repúblicas soviéticas vizinhas, algo que “toda grande potência faria”, na visão do pesquisador brasileiro, a tentativa de aceitar a Geórgia na OTAN manteria “a Rússia em xeque mais que propriamente uma oferta de adesão”.
No entanto, a exemplo da investida militar georgiana contra a Rússia em 2008, um acirramento entre os dois países poderia gerar consequências ainda mais desastrosas que no caso ucraniano. “A Geórgia não tem força militar suficiente para fazer qualquer tipo de frente à Rússia”, ressalta o pesquisador ao explicar que uma nova tentativa militar contra a Rússia poderia resultar em algo mais trágico que 2008.