Do céu magnífico à arquitetura genial de Oscar Niemeyer, a cidade de Brasília é famosa por muitas coisas, e o Carnaval não é uma delas. Neste feriado de Momo, a capital federal, normalmente vazia nesta época, viveu dias de agito, não por conta dos blocos ou das escolas de samba que resistem, mas graças ao frenético vaivém de parlamentares, assessores e integrantes do governo, que desfilaram pelos corredores de palácios e gabinetes para colocar na avenida o enredo da reforma ministerial. Ciente de que precisa afinar a bateria de seu governo na segunda metade do mandato, o presidente Lula fez um movimento de peças no primeiro escalão que envolve o PT e o Centrão, apontando para uma ofensiva política e de propaganda com olhos voltados para 2026.
Para surpresa de muitos integrantes da base governista, Lula confirmou a ida da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, para a Secretaria de Relações Institucionais (SRI). Ela substituirá Alexandre Padilha, que enfrentou dificuldades políticas no trato com o Congresso Nacional nos dois primeiros anos de governo e agora voltará ao Ministério da Saúde, função na qual teve bom desempenho durante o governo de Dilma Rousseff, no lugar de Nísia Trindade. A dança das cadeiras consolida um movimento iniciado em janeiro com a troca de Paulo Pimenta por Sidônio Palmeira na Secretaria de Comunicação e conclui o que Lula considera a primeira etapa da reforma ministerial.
As três pastas serão responsáveis por dar mais “agressividade ao governo”, seja no trato político com a base parlamentar, tarefa que caberá a Gleisi, seja na aceleração e divulgação de programas com forte apelo popular, caso do programa Mais Acesso a Médicos Especialistas, prioridade de Padilha. Também integra a comissão de frente do governo o Ministério da Educação, sob o comando de Camilo Santana. Bem avaliado, o ex-governador do Ceará é um dos considerados “irremovíveis” na avaliação política de Lula, ao lado de nomes como Rui Costa (Casa Civil), Fernando Haddad (Fazenda), Simone Tebet (Planejamento) e Marina Silva (Meio Ambiente).
O presidente pede uma postura mais assertiva dos seus auxiliares na reta final do mandato
Geradora de grande expectativa no governo, a chegada de Gleisi mexe indiretamente com o Centrão, que tinha na figura do ex-presidente da Câmara, Arthur Lira, do PP, o maior crítico de Padilha. Havia esperança entre os parlamentares de que o novo titular da SRI pudesse vir de algum partido de centro, como MDB ou PSD, o que, em tese, tornaria mais fácil o diálogo entre Executivo e Legislativo. “É uma aposta de risco. Se der errado, o presidente terá de assumir o ônus de ter contrariado a percepção de boa parte da base”, diz Efraim Filho, líder do União Brasil no Senado. O senador da Paraíba foi um dos que tentaram, em pleno Carnaval, emplacar como alternativa o nome de Jaques Wagner, mas o senador petista prefere continuar onde está. Outro nome ventilado para a SRI até a última hora, o deputado Isnaldo Bulhões, do MDB, pode ser anunciado nos próximos dias como novo líder do governo na Câmara.
Embora vestida por uma parte da mídia com a fantasia de “radical de esquerda”, a aposta no governo é que Gleisi saberá ser hábil nas negociações da pauta de votações no Congresso e, ao mesmo tempo, firme na defesa do governo contra o bolsonarismo, qualidades já demonstradas quando foi senadora e também na presidência do PT. “Lula não iria colocar na SRI alguém em que ele não tivesse plena confiança, é uma área sensível, onde é preciso fazer exatamente aquilo que foi pensado pelo presidente”, diz o deputado Carlos Zarattini, do PT. Ele ressalta o bom relacionamento político da futura ministra com o novo presidente da Câmara, Hugo Motta, do Republicanos: “Gleisi terá condições de desenvolver um novo quadro. A sensação é de que se criou uma situação absolutamente nova, diferente da que a gente estava vivendo entre Padilha e Lira”.
A posse de Gleisi Hoffmann na SRI está marcada para 10 de março, e a expectativa é de que se transforme em um ato de defesa política do governo. “Sempre entendi que a política é o caminho para avançarmos no desenvolvimento do País e melhorarmos a vida do nosso povo. É nesse sentido que seguirei dialogando democraticamente com os partidos, governantes e lideranças políticas”, disse, em nota, a futura ministra. Lula, por sua vez, acrescentou que “a companheira Gleisi vem para somar na interlocução entre o Executivo e o Legislativo”.

Novas peças. Hoffmann assume a articulação política. Alckmin deve deixar o MDIC. Como compensação ao PSB, cogita-se Amaral na pasta da Ciência – Imagem: Ricardo Stuckert/PR e Cadu Gomes/VPR
Já a posse de Padilha acontece na quinta-feira 6, logo após o fechamento desta edição de CartaCapital. A avaliação no governo é que o futuro ministro, que é médico e profundo conhecedor da realidade da pasta da Saúde, terá maior capacidade de diálogo político do que a sua antecessora. Embora admirada por seu perfil técnico e atuação destacada no enfrentamento ao obscurantismo bolsonarista durante a pandemia, quando presidia a Fiocruz, Nísia Trindade estava, na visão de Lula, abrindo flancos de crise política para o governo justamente em temas que deveriam ser motivo de boa avaliação, como a retomada dos calendários de vacinação infantil e de combate à dengue.
Primeira mulher a ser ministra da Saúde no Brasil, Nísia não escondeu seu constrangimento com a demissão, mas Lula, como reconhecimento à competência da auxiliar, estuda indicá-la para um cargo internacional importante, provavelmente na Organização Mundial da Saúde: “Nísia era uma companheira da mais alta qualidade, mas estou precisando de um pouco mais de agressividade e agilidade na política”, disse o presidente. Com essa missão, Padilha deverá estrear no novo posto com a gravação de uma mensagem ao povo brasileiro, na qual falará sobre o programa para reduzir a fila de consultas e exames especializados nas áreas de oncologia, cardiologia, oftalmologia, otorrinolaringologia e ortopedia. Para executar o Mais Acesso a Especialistas, o governo investiu 3,6 bilhões de reais. Espera-se que esta e outras iniciativas, como o Pé-de-Meia do Ministério da Educação, ajudem a melhorar a avaliação do governo até o ano eleitoral.
Lula prometeu novas mudanças após o Carnaval: “Não é só escolher quem sai, mas, sobretudo, quem vai entrar. Se eu colocar alguém que vai jogar menos do que o jogador que saiu, então eu, como técnico, errei”, disse o presidente. As próximas trocas devem ocorrer entre os partidos mais à esquerda da base governista e envolver também o PSD. Ela começaria com a saída do vice-presidente Geraldo Alckmin, do PSB, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC). Para seu lugar iria um nome do PSD, e a preferência de Lula é por Rodrigo Pacheco, que deixou a presidência do Senado. A movimentação serviria para consolidar a representatividade do partido do errático Gilberto Kassab no primeiro escalão. Já Alckmin teria uma função mais política e seria uma das peças-chave para a articulação do palanque governista para 2026. Como compensação ao PSB, o partido assumiria o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, que hoje tem como titular Luciana Santos, do PCdoB.
A eventual entrada de Tabata Amaral no governo pode ajudar a desatar o nó na Margem Equatorial
“Os nomes em estudo são os de Márcio França, que deixaria o Ministério do Empreendedorismo, onde o partido está escondido, e o de Tabata Amaral. O primeiro tem mais conhecimento sobre o setor, mas a deputada pode agregar mais politicamente”, diz um dirigente do PSB. A ida de Tabata para o primeiro escalão do governo teria ainda o poder de ajudar Lula a resolver um dos maiores pepinos do governo: a exploração de petróleo no trecho da Margem Equatorial próximo à Foz do Amazonas. Isso porque o suplente de Tabata na Câmara Federal é Rodrigo Agostinho, atual presidente do Ibama. A eventual volta de Agostinho ao Parlamento abriria caminho para que o Ibama tomasse uma “decisão política” e abrisse caminho para as pesquisas de exploração e produção da Petrobras na região.
Indagado por CartaCapital sobre essa possibilidade, Agostinho preferiu não fazer comentários. Sua saída do Ibama, em todo caso, atenderia ao desejo mútuo de Lula e de Marina Silva para que a ministra continue à frente da pasta de Meio Ambiente até o fim do governo. Mesmo pressionada por sua própria base após a divulgação de uma carta aberta de intelectuais, ambientalistas e militantes de seu partido, a Rede, contra a exploração na Foz do Amazonas, Marina tem dito a interlocutores que, embora ressalte sempre a capacidade técnica do Ibama, não fará da questão um cavalo de batalha a ponto de deixar o governo no ano em que o Brasil receberá a 30ª Conferência das Nações Unidas Sobre as Mudanças Climáticas, a COP–30.
O PCdoB, por sua vez, seria compensado com a ida de Luciana Santos para o Ministério das Mulheres. Ela entraria no lugar da petista Cida Gonçalves que, apesar de contar com prestígio na esquerda em geral, teve, na visão de Lula, um desempenho muito tímido à frente da pasta. A busca por nomes politicamente mais ativos deverá pautar também a troca na Secretaria-Geral da Presidência. Embora goze da simpatia de Lula e tenha feito um trabalhado considerado excelente pelo governo na condução do G–20 Social, o ministro petista Márcio Macêdo é considerado uma figura apagada em uma pasta que tem o poder de articular os movimentos sociais e contou no passado com nomes petistas de peso, como Luiz Dulci e Gilberto Carvalho.

Defesa. Benquisto pelos militares, Múcio permanece no cargo ao menos até o fim do ano – Imagem: Ricardo Stuckert/PR
Na dança ministerial, a vaga de Macêdo, segundo fontes da direção do PT, pode ser ocupada por Paulo Teixeira, hoje ministro do Desenvolvimento Agrário. A solução permitiria realocar o ex-comandante da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, no primeiro escalão, à frente do MDA. Teixeira, por sua vez, continuaria em uma pasta próxima aos movimentos sociais. A volta de Pimenta contemplaria ainda o PT do Rio Grande do Sul, que pleiteia retornar ao comando do ministério que ocupou nos primeiros governos de Lula. Atualmente na presidência do Conab, o deputado Edegar Pretto corre por fora. Procurado por CartaCapital, Teixeira garante desconhecer qualquer mudança. “Não estou sabendo de nada”, disse o ministro.
Situação curiosa vive o ministro da Defesa, José Múcio. Embora criticado por petistas por sua postura ambígua com os militares e mesmo depois de ter anunciado sua saída por “pressões familiares”, o ministro atendeu a um apelo de Lula e garantiu sua permanência ao menos até o fim de 2025. “Na verdade, o ministro não quer sair nem os militares querem que ele saia. Agora, com a denúncia contra os militares golpistas, Lula vai precisar do Múcio mais que nunca, teremos generais no banco dos réus”, avalia o historiador Francisco Carlos Teixeira. Ele observa, porém, que o ministro é um representante dos militares junto ao governo, não o contrário: “Nessa transição de um governo cheio de golpistas para um governo realmente institucionalizado não houve responsabilização alguma, mas é preciso que ela aconteça muito largamente. A figura de Mauro Cid ainda nas Forças Armadas é o sinal mais perfeito de uma política de apagamento do golpe”. Até 2026, será preciso investir muito em conjunto, evolução e harmonia, para garantir que o samba do governo empolgue a plateia na avenida. •
Publicado na edição n° 1352 de CartaCapital, em 12 de março de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Afinando a bateria’