Quem vence a batalha? Um gorila de dorso prateado ou cem homens desarmados? A premissa surgiu por volta de 2020 em algum fórum de internet, viralizou em 2022 no TikTok e parece ter voltado agora em 2025 a partir do X (ex-Twitter).
O ponto que me interessa não é bem quem vence, mas a avalanche de debates, memes e fanfics que surgem ao redor disso, numa velocidade que só a internet pode proporcionar.
Na medida em que avança a digitalização da vida, é cada vez mais difícil separa cultura de cibercultura. Até porque a internet não inventa muita coisa nova. Culturas sempre foram feitas de hibridismos, fusões, transgressões e uma pitada de caos e aleatoriedade. A internet só fez potencializar isso tudo.
Assim, se já éramos o país da cultura antropofágica, com o digital viramos o país da cultura remixofágica. Não por acaso o Brasil é uma potência memética. Os memes fazem parte de muitos aspectos da nossa vida cotidiana. Aqui, até Joahnn Sebastian Bach vira funk (“Bum bum tam tam”).
É o que alguns autores como Jenkins vão chamar de cultura participativa, onde fãs produzem, remixam e ressignificam. E a internet esta cheia disso. Memes, pacotes de modificações de jogos e muitas fanfics vão misturando o sério com o deboche, a tradição com a invenção, épico e grotesco.
Harry Potter comunista, Barbie marxista, Naruto na Cracolândia e – uma das minhas preferidas – o romance entre Selena Gomez e Faustão, são só alguns exemplos da caosmose que domina cultura no mundo digital. Hibridização e caos criativo é a palavra-de-ordem.

Imagem criada por IA por um fã. No final de 2024, quando Selez Gomez anunciou seu noivado real, Faustão foi trending topics no Brasil.
Eu sei, é difícil achar alguma coisa séria nesse mar de absurdo. Mas isso nos lembra que, tal como fanfics, tradições são também fruto da invenção imaginativa.
Guilherme I, um dos patronos da Inglaterra, sequer falava inglês (o idioma não existia na época). Uma mistura de celtas, saxões, normandos e outros. Por aqui durante muito tempo falamos nheengatu. Mas em um dado momento, essa mistura de povos escravizados, nações indígenas, etnias, religiões e culturas, – por meio da violência, do poder e da conveniência – decidiu que se chamaria Brasil e que essa seria a história que contaria sobre si mesma. Assim nasceram todas as nações, todas as culturas.
Sempre que alguém falar sobre a doutrina do destino manifesto nos Estados Unidos, ou que os sionistas tem direito à Palestina por direito divino, ou sobre o a “grande Rússia”, ou alguém sair em defesa da “família tradicional”, lembrem-se: tradições são grandes fanfics nacionais. Tudo isso foi inventado. Não existe natureza que não seja mediada pela cultura e as ideologias estão aí para provar.
O que antes levava décadas e séculos para se sedimentar, hoje nasce, cresce e morre em semanas na internet. Não sem contradições. A plataformização e o avanço das Big Techs parecem apontar no sentido contrário: o que vemos é um avanço de uma censura algorítmica. Por restrição ou promoção seletiva, tentam impor um padrão de forma e conteúdo sobre o que se produz e publica. É fórmula para escrever, fórmula para editar, trend para seguir. O Facebook, por exemplo, declarou que restringiria conteúdos sobre sionismo desde os ataques de 7 de outubro. Apesar da fanfic que contam sobre si mesmas é de que são meros mediadores tecnológicos e neutros. Nada mais falso. Vamos ficando cada vez mais refém de um naturalizado “formato das redes”.
Enquanto isso vão se apoderando também da infraestrutura e outras camadas de serviço, se constituindo como uma passagem obrigatória: o que se faz hoje na internet por fora da Meta (Facebook, WhatsApp, Instagram), Google, Amazon, Apple e Microsoft? O que nasceu como promessa de democratização, sob as big techs, corre o risco de passar por um processo de feudalização. A monopolização da internet é também uma ameaça para a cultura. E olha que nem tocamos no ponto de que também a inteligência é um processo coletivo.
Dizem que o risco da internet é que com ela a cultura fique burra. Particularmente, penso diferente: o risco é que ela seja domesticada. Viva o caos da cultura!