Predadores de toga, quem são e o que fazem

por Luís Carlos de Oliveira Ribeiro

Nos últimos tempos a imprensa foi inundada por uma nova moda. Refiro-me à litigância predatória. Já falei sobre esse assunto algumas vezes. Creio, todavia, que é preciso falar dos outros predadores: os juízes.

É possível distribuir os juízes predadores em cinco grandes categorias, sendo certo que alguns deles pertencem a mais de uma delas.

A primeira categoria dos predadores de toga são os “juízes pragmáticos”, aqueles que se preocupam mais com a eficácia dos processos que devem julgar do que com a justiça que devem aplicar. Nessa categoria estão os juízes que recebem salários acima do teto, os que inventam e exigem penduricalhos abaixo da moralidade e os que aceitam propinas para proferir decisões. Eles navegam num mundo cinza em que legalidade e ilegalidade se confundem e/ou coexistem para proporcionar vantagens econômicas para os predadores de toga. Alguns membros dessa categoria gostam de vender sentenças e acórdãos no atacado.

Os juízes que acreditam ser defensores da justiça e exigem ser tratados com respeito vêm logo depois. Eles são os predadores de toga mais comuns e perniciosos, porque além de humilhar os advogados e cidadãos os “juízes assertivos” ignoram a legislação que devem cumprir e fazer cumprir preferindo aplicar nos processos versões distorcidas e personalizadas da Lei. Os membros dessa quadrilha de predadores togados assassinam as prerrogativas dos advogados, destroem a autoestima de quem entra em contato com eles e comprometem a objetividade do Direito substituindo-o por suas próprias subjetividades egocêntricas. Nas ruas, aeroportos e aviões estão sempre à vociferar “O senhor sabe com quem está falando?”.

A terceira categoria dos predadores de toga é composta pelos “juízes profissionais”, aqueles que se preocupam mais com a preservação dos direitos conferidos pela legislação do que com a aplicação da Lei. Os “juízes profissionais” protegem os abusos e ilegalidades cometidos por seus colegas com grande eloquência verbal e violência institucional imoderada. Quando se tornam corregedores, presidentes de associações de juízes e celebridades midiáticas, esses predadores de toga transformam desculpas esfarrapadas em argumentos pseudo-jurídicos favoráveis aos membros da sua caterva que deveriam ser, mas não serão punidos.

Os “juízes profissionais” são defensores da justiça e da democracia. Eles devoram o princípio civilizatório da responsabilidade funcional dos juízes e vomitam argumentos maliciosos, mofados e mentirosos. São eles que criam as fortalezas institucionais impenetráveis que garantem a impunidade dos seus colegas de trabalho que cometem pequenos abusos ou fazem grandes negociatas ilegais. Os “juízes profissionais” foram contra a criação do CNJ, mas depois que esse órgão foi criado eles se uniram às demais quadrilhas de juízes até conseguir capturá-lo

Existe uma quarta categoria de predadores de toga: a dos “juízes humanistas”. Ela surgiu e se consolidou nas últimas décadas e compõe a chamada bancada progressista nos tribunais. Os “juízes humanistas”, também conhecidos como “juízes justicieros”, aplicam a legislação brasileira com base na Constituição e nos direitos humanos. Eles odeiam o autoritarismo e são extremamente punitivistas em relação aos cidadãos que cometem crimes contra a humanidade.

De maneira geral, pode-se dizer que os “juízes justicieros” acreditam que a principal missão do Judiciário é proteger a democracia e os direitos humanos. Adeptos do mantra “Mais Justiça, menos Injustiça” esses juízes fanáticos proferem decisões justas, abertas e transparentes para beneficiar a sociedade e prejudicar os inimigos da justiça.

A última grande categoria dos predadores de toga é composta pelos “juízes tecnocratas”. Eles são mais favoráveis à aplicação da Lei do que à preservação dos direitos conferidos pela legislação. Nas últimas décadas, os “juízes tecnocratas” se esforçaram muito para reduzir o impacto das indenizações por dano moral a fim de maximizar os lucros dos empresários.

Bancos, plataformas de vendas online, planos de saúde, redes de supermercados, empresas de telefonia, distribuidoras privatizadas de água e energia, etc… foram muito beneficiados pela nova jurisprudência criada com base no tecnocrático jurídico praticado pelos membros dessa categoria. Em troca, os empresários custeiam os congressos, convescotes de juízes dentro e fora do Brasil. Mas isso obviamente não configura compra de sentenças e acórdãos no atacado. Os “juízes tecnocratas” toleram o movimento gay, mas odeiam o MST. Eles apoiaram e aplaudiram Jair Bolsonaro, mas se sentem desconfortáveis num país governado por Lula.

Isso é tudo por enquanto. As questões exploradas aqui de maneira muito singela podem ser discutidas de maneira mais profunda, mas confesso que fico entediado sempre que penso sobre os predadores de toga. Estou convencido de que eles são irrelevantes e estão fadados à extinção. Eles são os maiores entusiastas da Inteligência Artificial, tecnologia que permitirá ao país jogá-los na lata do lixo, vigiá-los de maneira constante, transformá-los em apêndices biológicos de um sistema automatizado baseado na Constituição Cidadã que eles odeiam e se recusam a cumprir e fazer cumprir. Ok… eu sei que essas são apenas divagações utópicas e irônicas.

Existem juízes que não se encaixam em nenhuma dessas categorias. Os juízes para a democracia não são predadores. Eles são as principais presas dos juízes pragmáticos, assertivos, profissionais, humanistas e tecnocratas. As prerrogativas profissionais dos juízes para a democracia incomodam muito seus colegas, porque eles não podem ser nem removidos dos seus cargos, nem impedidos de proferir decisões judiciais válidas e eficazes, nem silenciados. Aqueles que escrevem artigos científicos e livros criticando as mazelas do Estado, da Política e do Judiciário são vigiados de maneira feroz e incansável. Não é incomum juízes democráticos enfrentarem processos no CNJ. Silenciá-los nas redes sociais parece ser o principal objetivo dos predadores de toga.

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

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Última Atualização: 03/07/2024