Entre 1880 e 1924, mais de um milhão e trezentos mil italianos entraram no Brasil, quase todos chegando ao Porto de Santos, de onde eram encaminhados para a cidade de São Paulo e para o interior paulista. A maioria era procedente de Nápoles, que, nas décadas finais do século 19 e nas primeiras do século 20, perdeu ao menos 25% de sua população para a emigração. Eles deixaram para trás suas famílias, a pobreza e até a própria história ao rumar para o Brasil na esperança de vida melhor. Boa parte nunca mais retornou ao seu país.
A saga dessa gente é rememorada no livro “Breve história da imigração meridional italiana no Estado de São Paulo”, que o jurista, escritor e historiador Durval de Noronha Goyos Jr. lança para celebrar os 150 anos da imigração italiana no Brasil. Ele analisa as condições socioeconômicas, políticas e demográficas da Itália antes da emigração, assim como avalia a situação do Brasil à época em que italianos vieram em massa para cá.
O autor explica que havia interesse recíproco de ambos os governos, embora não explicitado da parte italiana, nessa emigração-imigração. A Itália recém-unificada, no movimento do Risorgimento, vivia um período de miséria, com boa parte de sua população passando fome, sobretudo nas pequenas cidades. Ao deixar o país, essa numerosa parcela de emigrantes não só aliviava o peso demográfico nas contas públicas, como contribuía decisivamente para recuperação da economia local por meio das remessas de dinheiro que daqui enviava para os remanescentes.
Já o Brasil, que estava às voltas com a chamada abolição da escravatura, necessitava de mão de obra barata para substituir os escravos nas fazendas de café interioranas e também precisava povoar áreas férteis de baixa densidade demográfica. Além disso, havia um interesse particular da imperatriz Teresa Cristina, esposa de Dom Pedro II, que era filha do rei das Duas Sicílias, em trazer para cá seus compatriotas.
Na capital paulista, os imigrantes vindos da parte meridional da Península Itálica ocuparam bairros como o Bixiga, o Brás e a Mooca. O sotaque era tão marcante que, nesses bairros, os imigrantes de outras nacionalidades também falavam o português com acento napolitano, que persiste até os dias atuais.
Quando iniciou a grande imigração italiana, conforme Gilberto Freyre, a cidade de São Paulo tinha apenas uma indústria. Com o tempo, alguns imigrantes que vieram para os contratos rurais em lavouras no interior conseguiram se liberar e se estabeleceram na capital, onde montaram fábricas e outros negócios, nos ramos de açúcar, linguiça, cigarro, tintas, têxtil, construção civil, metalurgia e outros. Aos poucos, atraíram para trabalhar na cidade seus parentes e outros compatriotas que viviam na área rural. E assim contribuíram para tornar São Paulo um dos principais polos industriais no mundo.
O número de indústrias na cidade saltou de 314 em 1907 para 4.458, em 1920 – a maioria de pequeno e médio portes, embora tenham surgido alguns impérios fabris construídos por imigrantes, como Francesco Matarazzo, que “tornou-se proprietário ou acionista controlador de mais de 350 fábricas, entre outros empreendimentos diversos, e um dos cinco homens mais ricos do mundo”.
Noronha – que em 2013 publicou o livro “A campanha da Força Expedicionária Brasileira pela libertação da Itália”, pelo qual recebeu condecoração da Presidência da República do Brasil – cita que os imigrantes italianos trouxeram não apenas contribuições empresariais, mas principalmente mão de obra urbana à cidade de São Paulo. “E, assim, os italianos foram em grande parte responsáveis pela introdução de ideias socialistas na cidade e no Brasil, a partir da organização sindical dos trabalhadores das fábricas.”
Na Mooca, bairro industrial e operário paulistano que em 1886 construiu a Hospedaria dos Imigrantes – hoje Museu da Imigração –, floresceu o movimento sindical brasileiro, marcado pela decisiva e expressiva participação dos italianos e seus descendentes, sob a influência do Partido Socialista Italiano, que tinha subsede na capital. Ali no bairro ficava a chamada “praça vermelha”, assim conhecida devido à quantidade de manifestações trabalhistas que lá ocorriam nas primeiras décadas do século 20, com destaque para a greve geral de 1917.
Com prefácio da brasilianista Antonella Rita Roscilli, escritora, jornalista e tradutora italiana, o livro de 200 páginas é fartamente ilustrado com fotos históricas. A foto de capa é do fotógrafo napolitano Salvatore Scialò.
Simultaneamente, o autor lançará o “Dicionário de Aforismas, Provérbios e Expressões Idiomáticas da Língua Napolitana”, nos idiomas napolitano, italiano, português e inglês. O conteúdo, em 350 páginas, foi extraído de livros, dicionários, canções, peças teatrais, poemas, preces, grafites e outras fontes, além de sua própria memória linguística de infância, que ele herdou da mãe, natural de Molise, sul da Itália.
Noronha, que colabora frequentemente com o Vermelho e com a Fundação Maurício Grabois, tem 72 livros publicados em vários idiomas, com temas que transitam pelo direito internacional, lexicografia, linguística, história e economia. Em 2021, lançou “As Guerras do Ópio na China e os Tratados Desiguais”. Em 2020, publicou “A Constituição de Cuba de 2019 à luz do direito comparado”. É integrante da Academia de Letras de Portugal, foi presidente da União Brasileira de Escritores (UBE) e faz parte do Sindicato dos Escritores do Estado de São Paulo.
Publicadas pela Editora Observador Legal (http://observadorlegal.com.br), ambas as obras sobre a imigração serão lançadas em São Paulo e São José do Rio Preto.
Na capital paulista, será no dia 15 de julho, às 19h30, no Circolo Italiano (Avenida Ipiranga, 344). No interior, será em 23 de julho, às 19h30, no anexo da Paróquia Nossa Senhora do Sagrado Coração (Rua XV de Novembro, 4128, bairro Redentora).
Toda a renda será revertida para associações beneficentes da comunidade italiana nas duas cidades.