Relator da APDF das Favelas, o ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin votou por reconhecer o “estado de coisas inconstitucional” na segurança pública do Rio de Janeiro e propor uma série de medidas ao estado. Após sua manifestação, a sessão desta quarta-feira 5 foi suspensa pelo presidente da Corte, Luís Roberto Barroso.
Ainda não há definição sobre quando o tema voltará à pauta, mas, segundo Barroso, isso pode acontecer no prazo de três semanas a um mês. O próximo a votar é o ministro Flávio Dino. Com a declaração de “estado de coisas inconstitucional”, o relator reconhece haver uma violação sistemática e massiva de direitos humanos.
No início de sua manifestação, Fachin declarou que as medidas ordenadas pela Corte no âmbito da ação — como a restrição de operações policiais na pandemia — nunca foram “expressão de desprestígio e enfraquecimento da atividade policial”. Além disso, reconheceu o empenho dos policiais e disse que as determinações buscam garantir a vida de todos.
“A deterioração da segurança pública não é uma ameaça para os cidadãos brasileiros, mas é também para os policiais que dedicam sua vida ao ofício, e não raro as perdem em numerosos e inaceitáveis suicídios e assassinatos.”
Ele defendeu que as favelas não podem ser tratadas como “zonas francas de crime” e que as incuersões policiais têm de respeitar critérios mínimos de segurança. “O desafio é combater o crime sem cometer crimes”, resumiu.
O ministro ainda rebateu as “ilações” de que as restrições impostas pelo Supremo impediriam o trabalho da polícia e possibilitariam o avanço do crime organizado. Ele argumentou que a situação no Rio não é adequada, mas sustentou não ser possível atribuir à atuação do STF problemas crônicos.
“Todos temos notícias da gravidade e da complexidade das disputas territoriais, da presença de foragidos de outros estados sob proteção armada, da ilegal circulação de fuzis e armamento pesado e das dificuldades de trabalho das forças policiais, especialmente com o crescimento do número de barricadas, impedindo qualquer aproximação”, acrescentou.
Entre as iniciativas propostas por Fachin estão:
- Adoção de medidas administrativas e normativas para monitorar as mortes causadas por policiais, detalhando indicadores como uso excessivo da força e número de civis vítimas de confrontos armados;
- Divulgação de dados sobre as mortes de civis e policiais e suas circunstâncias;
- Criação de um programa de assistência à saúde mental dos policiais, com obrigatoriedade de avaliação psicossocial quando eles participarem dos chamados incidentes críticos;
- Cumprir mandados judiciais apenas durante o dia e disponibilizar ambulâncias para as operações policiais. Se a ação ocorrer sem mandado, ela deve ter base em “causas prévias e robustas de flagrante delito” (não pode resultar exclusivamente de denúncia anônima);
- Elaborar e disponibilizar relatórios detalhados ao fim de cada operação policial; e
- Instalar GPS e sistemas de áudio e vídeo nas fardas e viaturas policiais. A Polícia Civil também terá de usar câmeras corporais quando realizar patrulhamento ostensivo e diligências externas.
O relator ainda recomendou que as autoridades preservem vestígios de crimes, de modo a impedir a remoção indevida de material que será usado em investigações, e evitem utilizar escolas e unidades de saúde como base de apoio em operações policiais nas favelas.
Também houve a sugestão para instituir um comitê interinstitucional consultivo, coordenado pelo Ministério Público do Rio e pela Defensoria Pública do estado, para acompanhar a política de segurança pública e verificar se o governo fluminense cumprirá as exigências do STF.
“O Estado é obrigado a desfazer, prender e desarmar as milícias, os grupos de extermínio que são responsáveis pelas violações do direito à vida. A questão é fazer isso tudo sem recorrer a procedimentos que lesam direitos de centenas de milhares de pessoas inocentes, sem atingir crianças e adolescentes, sem violar o direito à vida com exceções arbitrárias”, advertiu Fachin.
Em 2022, o STF estabeleceu protocolos provisórios para as operações policiais no Rio, em uma tentativa de reduzir a letalidade policial. Ao analisar os dados dos últimos três anos, o ministro concluiu que o cenário melhorou, mas defendeu que seria “prematuro” encerrar o processo.