Contrariando as especulações iniciais que circularam na internet horas depois do atentado a um mercado de natal na cidade alemã de Magdeburg que matou ao menos cinco pessoas e feriu mais de 200, o suspeito que atirou um carro em alta velocidade contra uma multidão na noite desta sexta-feira 20 tem um perfil que destoa de outros atentados atribuídos a imigrantes.
Refugiado de meia-idade, ele se dizia ex-muçulmano e perseguido por radicais religiosos e por seu país de origem, a autocrática Arábia Saudita, simpatizava com o partido anti-imigração AfD e atuava como médico – uma profissão de prestígio, cujo exercício na Alemanha por estrangeiros requer um alto nível de integração à sociedade e domínio do alemão.
A designação “islamofóbico” partiu da ministra alemã do Interior, Nancy Faeser, que afirmou neste sábado durante visita a Magdeburg não poder dizer muito sobre o caso, dado que as investigações ainda estão em andamento, mas que “só podemos dizer com certeza que o agressor era claramente islamofóbico”.
O BKA, a Polícia Federal alemã, está ajudando nas investigações conduzidas pelas autoridades estaduais. Para que o caso passe à esfera federal, é preciso ainda investigar se o atentado envolveu uma organização terrorista, o que ainda não pôde ser confirmado.
Mensagens postadas pelo suspeito na internet têm levado especialistas a afirmar que a hipótese de terrorismo parece distante, embora a motivação do crime continue incerta. Em entrevista coletiva concedida às 16h (12h de Brasília) deste sábado 21, autoridades citaram como hipótese uma “insatisfação com o tratamento de refugiados sauditas”.
Por que suspeito teve pedido de refúgio aceito
Nascido em 1974 na cidade saudita de Hufuf, segundo a revista alemã Der Spiegel, o suspeito se mudou para a Alemanha em 2006, para estudar.
Em 2016, foi reconhecido pelo governo alemão como refugiado. Em entrevista concedida ao jornal Frankfurter Zeitung em 2019, ele alegou ter sido ameaçado de morte em seu país de origem por ter renunciado à fé islâmica – crime passível de prisão e até pena de morte na Arábia Saudita, segundo uma entidade alemã de apoio a refugiados seculares.
“Vida comum” e atuação profissional na psiquiatria
O suspeito vivia em Bernburg, cidade de 32 mil habitantes a menos de 50 quilômetros de Magdeburg, ambas no estado da Saxônia-Anhalt, e atuava profissionalmente como médico especializado em psiquiatria e psicoterapia.
Ele trabalhava desde 2020 no sistema prisional, com pessoas que sofrem de dependência química. A clínica psiquiátrica em Bernburg, uma instituição estadual, afirmou que ele estava afastado da função desde o final outubro, por ter sido avaliado como inapto para o trabalho.
Segundo o jornal Mitteldeutsche Zeitung, ele teria se ausentado do trabalho nas últimas semanas por motivo de doença. Colegas de trabalho ouvidos pelo jornal afirmam que ele parecia despreparado em reuniões com a equipe.
Um vizinho do suposto agressor em Bernburg ouvido pela MDR descreveu o homem como muito “retraído”, mas com comportamento “normal”. “E agora descobrimos, depois de mais de três anos [de convivência como vizinhos], que esse homem matou várias pessoas, feriu várias pessoas”, lamentou. “O homem fugiu para cá porque deu às costas ao islã. Não dá para entender.”
Ativismo
Em entrevista concedida ao jornal Frankfurter Zeitung em 2019, o suspeito disse que as mulheres da Arábia Saudita recorriam a ele em busca de proteção “porque foram violadas pelo seu tutor masculino”. O sistema de asilo alemão, disse ele, era “um caminho para as mulheres alcançarem a liberdade”.
À emissora britânica BBC, o médico deu entrevista no mesmo ano apresentando o serviço que criou para ajudar ex-muçulmanos a fugir de perseguição em seus países de origem, sobretudo no Golfo Pérsico. Ele alegou que 90% das pessoas que o procuravam eram mulheres entre 18 e 30 anos.
O suspeito teria procurado diversos veículos jornalísticos alegando ter denúncias a fazer. Ao Spiegel, ele criticou as autoridades alemãs e ativistas que defendem o direito ao asilo, acusando-os de desinformar pessoas em busca de refúgio e não impedir que regressassem a países do Golfo. Também afirmou que, uma vez de volta a seus países de origem, mulheres seriam mortas por seus pais.
Radicalização e simpatia com a AfD
Nos últimos anos, seu discurso se radicalizou. Oito dias antes do ataque, ele publicou em sua conta no X uma entrevista que deu a um blog islamofóbico americano. Entre as teorias conspiratórias que compartilha, está a de que o Estado alemão tem conduzido uma “operação secreta” para “caçar e destruir vidas” de ex-muçulmanos sauditas em todo o mundo ao dar asilo a “jihadistas sírios”.
Além de simpatizar abertamente com a AfD, ele queria criar uma “academia para ex-muçulmanos” em cooperação com o partido, segundo o Spiegel. “Quem mais lutaria contra o islã na Alemanha?”, argumentou.