
A colaboração premiada do traficante italiano Vincenzo Pasquino revelou as conexões entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e a máfia calabresa ‘Ndrangheta, uma das organizações criminosas mais poderosas da Europa.
Pasquino, que foi líder da máfia, detalhou o envolvimento da facção brasileira com narcotraficantes italianos, com foco em novas rotas e interesses no Brasil, especialmente após a antiga atuação da ‘Ndrangheta na América do Sul.
Essas revelações levaram à negociação de um acordo entre a Procuradoria-Geral da República (PGR) brasileira e as autoridades italianas, com o objetivo de criar equipes conjuntas de investigação permanente para combater máfias e organizações criminosas nos dois países.
Giovanni Melillo, procurador antimáfia e antiterrorismo da Itália, virá a São Paulo nos dias 24 e 25 de junho para assinar o acordo inédito, que fortalecerá a cooperação entre as autoridades dos dois países no combate ao crime organizado.
Em entrevista à GloboNews e ao G1, Giovanni Bombardieri, procurador antimáfia de Turim e responsável pelas investigações contra a ‘Ndrangheta, destacou a importância da colaboração de Pasquino e os objetivos da máfia Calábria no Brasil.
O tráfico de cocaína, armas e apoio a organizações paramilitares brasileiras são parte das atividades que conectam a ‘Ndrangheta ao PCC, como revelou Pasquino.
O papel de Vincenzo Pasquino
Vincenzo Pasquino foi um intermediário chave entre os narcotraficantes da América do Sul e os clãs da ‘Ndrangheta. Ele morou no Paraná e em São Paulo, estabelecendo conexões com o PCC e a facção Comando Vermelho (CV).
Em 2017, Pasquino veio ao Brasil para estreitar os laços entre a máfia italiana e o PCC, mudando a dinâmica do relacionamento para o transporte e envio de armas e drogas para a Europa.
Em 2021, Pasquino foi preso em uma operação conjunta entre a Polícia Federal do Brasil, a Interpol e a polícia italiana, em João Pessoa, onde ele foi capturado junto com Rocco Morabito, um dos traficantes italianos mais procurados.

Relações com o PCC
A ‘Ndrangheta tem uma longa história de cooperação com organizações criminosas sul-americanas, especialmente com o PCC.
Giovanni Bombardieri afirmou: “O relacionamento da ‘Ndrangheta com organizações criminosas sul-americanas vem de longa data. O que está emergindo hoje nessas investigações é a relação da ‘Ndrangheta com organizações criminosas brasileiras, em especial com o PCC”.
Essas conexões foram confirmadas por Pasquino e outros elementos da investigação, com foco no transporte de cocaína da América do Sul para a Europa e tentativas de envio de armas para organizações paramilitares no Brasil.
Novas rotas e portos
A ‘Ndrangheta procurou estabelecer novos portos seguros no Brasil para essas operações, buscando expandir suas rotas de tráfico e ampliar suas atividades criminosas no continente europeu.
“Pasquino diz que a ‘Ndrangheta procurou o PCC justamente para encontrar novos portos de saída para as drogas da América do Sul. Isso preocupa, porque significa novas rotas do tráfico internacional que afetam diretamente a Itália e também as organizações criminosas italianas no Norte da Europa”, disse Giovanni Bombardieri.
A participação do Brasil no tráfico internacional
O Brasil tem um papel logístico importante no tráfico internacional de drogas, especialmente por meio do PCC, que facilita a distribuição da cocaína produzida na América do Sul.
De acordo com um estudo de uma ONG dedicada ao combate ao crime organizado, o PCC atua no transporte da droga para a Europa, com a ajuda da Máfia dos Bálcãs. O estado de São Paulo, onde o PCC tem suas raízes, é considerado estratégico devido ao porto de Santos, o maior da América do Sul.
A pesquisa revelou que a maior parte da cocaína apreendida no Brasil é interceptada no porto de Santos, evidenciando o papel crucial do estado na distribuição de drogas para o mercado europeu.
A socióloga e pesquisadora Isabela Vianna destacou: “Mais da metade da cocaína apreendida no país acontece no porto de Santos. Olhando só para o porto de Santos, são várias formas de embarcar a droga para que ela chegue no continente europeu”.
Delação de Pasquino e acordo de cooperação
Em 2024, Pasquino decidiu colaborar com as autoridades italianas e firmou um acordo de delação premiada. Desde então, a PGR tem auxiliado as autoridades italianas nas investigações sobre as conexões entre a ‘Ndrangheta e o PCC. Esta é a primeira vez que um traficante ligado à ‘Ndrangheta compartilha informações sobre suas conexões com organizações criminosas no Brasil.
Como parte do acordo, a PGR assinará em junho um acordo de cooperação com as autoridades italianas para criar equipes conjuntas de investigação permanente. Esse acordo é inédito, pois nunca antes houve uma colaboração contínua entre as promotorias dos dois países para investigar máfias e organizações criminosas.
Cooperação internacional
A colaboração entre as autoridades brasileiras e italianas tem sido fundamental para os resultados nas investigações contra o tráfico de drogas e o crime organizado.
Giovanni Bombardieri destacou que, no passado, a cooperação se limitava à fase final das investigações, mas agora é possível intervir durante o processo, com resultados concretos graças à ajuda dos investigadores brasileiros.
“Na Itália, antigamente, a cooperação se limitava à fase final (da investigação). Hoje, felizmente, temos instrumentos de investigação para que possamos fazer a intervenção ainda durante o processo. Temos resultados nas investigações com a ajuda de brasileiros que são importantíssimos”, afirmou Giovanni Bombardieri. “É muito importante termos essa cooperação. Chegar tarde significa não atacar esse grupo criminoso”.