No domingo (27), os Estados Unidos e a União Europeia chegaram a um acordo sobre tarifas. Enquanto Trump comemora, muitos líderes europeus criticam acidamente o pacto costurado pela comissária-geral da UE, Ursula von der Leyen. O ministro da França para assuntos europeus, Benjamin Haddad, chega a classificar o acordo como “insustentável”.
De fato, a Europa dá (mais uma) clara prova de vassalagem e fraqueza. Os países da UE aceitaram tarifas de 15% sendo que em janeiro pagavam em média 1,7% em exportações para o mercado estadunidense e, detalhe adicional: com o dólar parelho ao euro. Como o dólar se desvalorizou quase 13% neste período, exportar para os EUA fica ainda mais caro e difícil.
Por outro lado, Trump talvez não tenha tanta razão assim para comemorar. Isso porque:
1º – A União Europeia se comprometeu em comprar US$ 750 bilhões do setor energético norte-americano, investir US$ 600 bilhões na economia dos EUA e adquirir mais equipamentos militares. Porém, estas são “promessas”, declarações de intenção não vinculativas: são compromissos futuros sem força legal. As dificuldades neste caso são claras: como será a divisão das “compras” e “investimentos” destinados aos EUA? O país que não cumprir sua “cota” nas compras e investimentos sofrerá que tipo de sanção, ainda mais com a UE dividida em relação ao acordo?
2º – A tarifa de 50% sobre a exportação pela UE de matérias-primas industriais essenciais para o mercado americano (aço, alumínio e cobre) foi mantida, sendo duvidoso encontrar qualquer ganho dos EUA neste aspecto, pois são matérias-primas fundamentais para a indústria de construção e defesa estadunidense. Em 2024, os Estados Unidos importaram, da UE, aproximadamente US$ 12,7 bilhões em aço, alumínio e cobre e devem continuar importando, pagando bem mais caro, pois o país tem poucas alternativas neste quesito. O maior exportador de aço e alumínio é a China e o Chile lidera a exportação de cobre.
3º – Os Estados capitalistas da Europa viam os EUA, desde o fim da segunda grande guerra, como um parceiro constante e confiável. Essa percepção vem se deteriorando desde o governo Trump 1, e agora entra em uma fase crítica. Um acordo tão assimétrico inevitavelmente obrigará a Europa a tornar menos firmes os compromissos políticos e econômicos com os EUA.
A União Europeia desmoralizada
A UE tem sido, ao longo de décadas, um fiel baluarte do imperialismo estadunidense no “velho” mundo. No entanto, cada vez mais cidadãos europeus se perguntam: qual a vantagem de fazer parte da União Europeia? O acordo Trump – Ursula von der Leyen só jogou mais lenha nesta fogueira.
A França expressa explicitamente sua insatisfação e mesmo outros países que deram o aval para o acordo revelam claro constrangimento nas declarações públicas de suas autoridades governamentais, enquanto nos bastidores circula que este foi um acordo tarifário imposto pelos interesses prioritários da Alemanha e não da Europa como um todo. Como consequência, o discurso anti-UE ganhará ainda mais força entre as diversas correntes políticas, desde a esquerda mais consequente até a extrema-direita, pois a Inglaterra, que saiu da União Europeia em 2020, terá uma tarifa básica significativamente menor, de 10%.
Trocando em miúdos: com a Europa dividida e sob forte pressão econômica e política, os laços com os EUA sofrerão desgastes de forma exponencial, obrigando os europeus a buscar parceiros mais confiáveis, constantes e flexíveis, o que representa, a longo prazo, uma excelente oportunidade, por exemplo, para o BRICS.
O tiro de Trump, neste caso, pode perfeitamente sair pela culatra.

Perigosos subversivos atacam o Estado e o Exército! Esta poderia ser uma chamada para o trecho abaixo de um prefácio escrito por Friedrich Engels para a edição de 1895 do livro de Marx, “Luta de Classes na França”. Descubram quem eram os tais subversivos. Ao final da citação faço um breve comentário situando o texto historicamente.
“Faz hoje quase 1600 anos que no Império Romano atuava também um perigoso partido subversivo. Esse partido minava a religião e todos os fundamentos do Estado; negava sem rodeios que a vontade do imperador fosse a lei suprema; era um partido sem pátria, internacional, estendia-se por todo o Império desde a Gália à Ásia e mesmo para lá das fronteiras imperiais. Durante muito tempo minara às escondidas, sob a terra.
Todavia, já há muito tempo que se considerava suficientemente forte para aparecer à luz do dia. Esse partido subversivo, que era conhecido pelo nome de cristãos, tinha também uma forte representação no exército; legiões inteiras eram cristãs. Quando lhes ordenavam que estivessem presentes nas cerimônias sacrificiais da igreja oficial, para aí prestarem as honneurs, esses soldados subversivos levavam o seu atrevimento tão longe que, como protesto, punham no capacete uns distintivos especiais: cruzes.
Mesmo os vulgares castigos dos quartéis pelos seus superiores não surtiam qualquer efeito. O imperador Diocleciano já não podia assistir tranquilamente ao minar da ordem, da obediência e da disciplina dentro do seu exército. Interveio energicamente porque ainda era tempo para isso. Emitiu uma lei contra os socialistas, quer dizer, uma lei contra os cristãos. Foram proibidas as reuniões de subversivos, os locais de reunião encerrados ou demolidos, os símbolos cristãos, cruzes etc., proibidos, como na Saxônia os lenços vermelhos. Os cristãos foram declarados incapacitados para ocuparem cargos públicos, e nem sequer podiam ser cabos (…) proibiu-se sem mais rodeios os cristãos de defender os seus direitos perante o tribunal. Mas até esta lei de exceção não teve êxito. Os cristãos arrancaram-na dos muros, escarnecendo dela, e diz-se mesmo que deitaram fogo ao palácio, em Nicomédia, nas barbas do imperador.
Este vingou-se com a grande perseguição aos cristãos do ano 303 da nossa era. Foi a última no seu gênero. E foi tão eficaz que dezessete anos mais tarde o exército era composto predominantemente por cristãos e o autocrata de todo o Império Romano que se lhe seguiu, Constantino, chamado pelos padres o Grande, proclamou o cristianismo religião de Estado.
Londres, 6 de Março de 1895”
Introdução de Friedrich Engels à edição de 1895 de As Lutas de Classes em França de 1848 a 1850 – Karl Marx.
Comentário: No texto acima, Engels faz uma correlação da perseguição aos cristãos na antiguidade com a lei alemã que em 1878 proibiu a propaganda socialista. Em 1890, mesmo impedido de fazer campanha, o partido marxista alemão da época (Partido Social Democrata da Alemanha) foi o mais votado para o Reichstag e a lei antissocialista não foi mais prorrogada.