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Ronaldo Bicalho
O escritor e teórico literário argentino Ricardo Piglia afirma que todo conto sempre conta uma história visível e outra oculta. Essa última sempre é narrada de forma enigmática, de forma a ser revelada só no final ou a garantir uma tensão entre as duas versões até o final.
As narrativas atuais sobre o setor elétrico sempre apresentam uma parte aparente e outra secreta. No entanto, diferentemente da tese de Piglia, o oculto nunca é revelado e todo o esforço é feito para mantê-lo assim: oculto.
O acordo entre o Governo e a Eletrobras em torno da revisão de alguns pontos da sua privatização é um exemplo pedagógico da ocultação da história real por trás das aparências.
A discussão em torno do número de cadeiras ocupadas pelo Governo no Conselho de administração da companhia esconde o crucial da disputa entre a maior empresa elétrica do País e o Governo.
O controle sobre um conjunto de ativos cruciais para a evolução da transição energética brasileira é o que está no centro dessa história, sempre escondido por trás da dança das cadeiras no Conselho de Administração.
Reservatórios, hidrelétricas e transmissão são recursos chaves para fazer face à intermitência das fontes renováveis. A Eletrobras concentra mais de 40 % desses recursos sob o seu controle, se candidatando ao papel de protagonista da transição elétrica brasileira e às gigantescas rendas associadas a esse protagonismo.
Segundo Piglia, para Borges a história oculta é sempre a mesma. E aqui não é diferente. O que está de fato em jogo é o de sempre: poder e grana. No caso, muita grana.
Essa grana poderia ser usada para reduzir os custos da transição brasileira e aumentar o acesso da economia e da sociedade à energia elétrica, porém essa parte da história não é contada pelos valorosos especialistas em suas infindáveis tertúlias setoriais.
No entanto, essa não é a única parte oculta do nosso conto elétrico. Há um outro ponto obscuro da história que explica a própria privatização.
A privatização da Eletrobras ocorreu em um contexto de fragilização das instituições que tornou viável o conjunto de ilicitudes que sustentou esse assalto ao patrimônio público. Fragilização que atingiu seu auge na preparação e tentativa de golpe de estado do final de 2022 e início de 2023.
Se o golpe de Estado recebeu uma forte resposta das instituições em nome da garantia da sua própria existência e as penalizações àqueles que as ameaçaram estão na pauta política e jurídica, o golpe econômico, representado pela privatização da Eletrobras, não recebeu a mesma atenção e repulsa.
Instituições que falam grosso com os golpistas políticos afinam quando se trata de enfrentar os golpistas econômicos. E aí o enfrentamento é substituído pela cumplicidade; o antagonismo pela sociedade.
Porém, tanto em um caso quanto no outro se trata da mesma coisa: a defesa das regras, das normas, dos procedimentos legais, da lei e da ordem, da constituição e das suas instituições.
Portanto, enfrentar e punir aqueles que avançaram sobre a ordem política e econômica é fundamental para restabelecer a normalidade institucional. Não fazê-lo é sancionar a desordem institucional e sinalizar para a sociedade que o crime político ou econômico compensa.
Assim, a grande história oculta no conto do embate entre Governo e Eletrobras por cadeiras no Conselho de Administração da empresa é a disputa decisiva pelo controle, de um lado, dos ativos cruciais para a transição energética brasileira e, de outro, das instituições decisivas para a manutenção da integridade do País.
Em outras palavras, o que está em disputa não são cadeiras, mas o futuro do País.
A leitura pedestre que vê apenas o lado visível, explicitado na dança das cadeiras, do acordo, não se iludam, não é fruto de uma aparente ignorância, mas de uma mal dissimulada má-fé.
Quem defende trocar o poder real na assembleia de acionistas pelo poder aparente das cadeiras no Conselho de Administração também está escondendo uma parte relevante da história. Qual o real interesse no fechamento desse acordo que troca o futuro do País por cadeiras em conselhos de administração? Talvez sejam os duzentos mil mensais que essas cadeiras garantem àqueles que pousam sobre elas seus valorosos traseiros.
Ronaldo Bicalho é Pesquisador do Instituto de Economia da UFRJ, diretor do Ilumina e apresentador do programa Curto-Cicuito no Canal do Instituto de Economia da UFRJ.
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