Nesta quarta-feira (10), o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), atendeu parcialmente a um pedido do Senado Federal e suspendeu o trecho de sua própria liminar que, na semana anterior, havia restringido exclusivamente à Procuradoria-Geral da República (PGR) a prerrogativa de apresentar pedidos de impeachment contra ministros da Corte. Com a nova decisão, retorna a regra original da Lei de Impeachment (Lei nº 1.079/1950), permitindo que qualquer cidadão possa apresentar uma denúncia por crime de responsabilidade contra os magistrados do STF, cabendo ao Senado a análise.
A decisão inicial de Gilmar Mendes, proferida em 3 de dezembro em resposta a ações do Solidariedade e da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), havia gerado uma crise no Congresso Nacional, especialmente no Senado, o maior atingido pela medida. O presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), havia criticado a decisão, afirmando que ela tentava “usurpar as prerrogativas do poder Legislativo“, que detém a competência para legislar sobre o processo de impeachment.
Em reação à medida do ministro, começou a avançar o projeto de lei (PL) 1388/2023, de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que também visava modificar a Lei do Impeachment (que é de 1950). Diante da tramitação do projeto, o Senado protocolou um pedido ao STF solicitando a suspensão da liminar de Gilmar até que o Congresso concluísse a votação do novo marco legal, o que acabou sendo concedido.
A análise de Gilmar Mendes sobre o pedido do Senado inicia com vários elogios inusitados aos parlamentares, como se o próprio ministro estivesse em uma tribuna:
“O Senador Davi Alcolumbre, em sua primeira gestão à frente da Presidência do Senado Federal (1º.2.2019 a 1º.2.2021), analisou 36 (trinta e seis) pedidos de impeachment apresentados contra Ministros do Supremo Tribunal Federal. Em todas essas oportunidades, Sua Excelência, demonstrando elevado espírito público, aguda percepção institucional, prudência e notável coragem cívica, determinou o arquivamento das iniciativas, preservando, com firmeza e responsabilidade, a estabilidade das instituições republicanas e a independência do Poder Judiciário.
Da mesma forma, ao longo de seus quatro anos à frente da Presidência do Senado Federal (1º.2.2021 a 1º.2.2025), o Senador Rodrigo Pacheco demonstrou notável zelo e equilíbrio na análise dos pedidos de impeachment envolvendo Ministros do Supremo Tribunal Federal. Até mesmo diante do pedido formulado pelo então Presidente da República, Sua Excelência, de forma serena e escorreita, adotou postura de preservação institucional, determinando o arquivamento e reafirmando, assim, seu compromisso com a Constituição Federal, a independência do Poder Judiciário e a estabilidade das instituições do Estado.”
É inacreditável. Em uma decisão oficial, o juiz, que deveria se ater exclusivamente ao cumprimento da Lei, decide elogiar pessoalmente os senadores. Pelo grande feito de… arquivar pedidos de impeachment contra os ministros do STF. Gilmar Mendes nem sequer se dá ao trabalho de discutir o mérito dos pedidos, como se o próprio fato de alguém pedir o impeachment de um ministro fosse uma ilegalidade. Para o ministro, o STF, que já é um órgão profundamente antidemocrático porque seus integrantes não são eleitos, deveria ser imune a qualquer tipo de controle.
Mais adiante, Gilmar Mendes justifica da seguinte forma a sua mudança:
“A mim me parece, nesse contexto, que o Senado Federal, em especial os Senadores que passam pela cadeira presidencial, tem demonstrado adequada percepção dos potenciais traumáticos, sob o ponto de vista institucional, que decorrem da instauração de processos de impeachment contra Ministros do Supremo Tribunal Federal, sendo certo que, por isso mesmo, vem adotando postura prudente e equilibrada, em consonância com os postulados da separação dos poderes e da independência judicial.”
Para Gilmar Mendes, não apenas o controle do STF seria inaceitável, como ele próprio se arroga na função de interferir nos demais poderes. Não é papel do STF dar lição de moral no Senado ou decidir quando seus integrantes estão prontos ou não para votarem uma determinada medida. O ministro atua como se a Corte fosse um segundo Senado, um poder legislativo acima das demais casas.
Não bastasse o comportamento completamente ilegal, inconstitucional e autoritário do ministro, ele também revela uma baixeza moral inacreditável. O recuo da medida é, obviamente, o resultado de um acordo feito entre o STF e o Senado. Nem Gilmar Mendes atuou com base na Lei, nem o Senado atuou de acordo com a vontade livre de seus integrantes.
Gilmar Mendes aceitou suspender a liminar porque a proposta do Senado conserva o essencial de sua medida: a exigência de dois terços (2/3) dos votos do Senado para a abertura de um processo de impeachment contra ministros do STF. O Senado, por sua vez, cedeu à pressão autoritária do ministro, visando preservar o seu poder enquanto casa que irá analisar os pedidos de impeachment.
Parafraseando Romero Jucá, investigado pela Operação Lava Jato durante o golpe de 2016, trata-se de um acordo “com o Supremo, com tudo”. Um acordo para que os poderosos se resolvam, enquanto os direitos da população são ainda mais diminuídos.
O ministro também retirou o julgamento da liminar do plenário virtual do STF, transferindo a análise para o plenário presencial, o que, na prática, adia a discussão para 2026.
Apesar do recuo na legitimidade para denúncia, outros trechos da liminar foram mantidos por Gilmar Mendes, sob a justificativa de proteger a independência do Poder Judiciário:
- Fica mantida a exigência de dois terços (2/3) dos votos do Senado (54 senadores) para a abertura de um processo de impeachment contra ministros do STF. Anteriormente, a Lei de 1950 previa maioria simples (21 senadores). Mendes argumentou que o quórum mais elevado é essencial para evitar o uso político e a instabilidade institucional.
- Impedimento de análise de mérito: permanece a proibição de que os pedidos de impeachment sejam fundamentados apenas no mérito das decisões judiciais proferidas pelos magistrados. A responsabilização deve se limitar a casos de má conduta ética, corrupção ou desvio de função, e não ao teor de suas sentenças.
O ministro também fez questão de elogiar a atuação recente dos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre e Rodrigo Pacheco, por terem agido com “prudência” e “notável coragem cívica” ao arquivar dezenas de pedidos de impeachment contra ministros nos últimos anos, preservando a estabilidade institucional.