O Palácio do Planalto mudou de posição. Depois de o presidente Lula prometer “reciprocidade” ante a imposição, pela Casa Branca, de uma sobretaxa de 25% sobre as importações norte-americanas de aço e alumínio, o governo reuniu-se com representantes das maiores siderúrgicas e decidiu trilhar o caminho sinuoso da negociação. A conclusão é que a medida é mais uma das bravatas de campanha de Donald Trump e que o objetivo do republicano é pressionar por um acordo. No primeiro mandato, Trump aumentou as tarifas desses mesmos produtos, mas, pressionado pelos compradores internos, aceitou estabelecer cotas livres de impostos. Quase metade da produção brasileira, o equivalente a 4 milhões de toneladas, é enviada aos Estados Unidos. No ano passado, as siderúrgicas nativas faturaram 3 bilhões de dólares com as vendas para o mercado norte-americano. À revelia de eventuais negociações diplomáticas, o País precisa buscar novos parceiros, se quiser ficar menos dependente dos esbirros do presidente dos EUA. Brasília chegou a cogitar, em resposta, a cobrança de impostos das big techs, com as quais Trump divide o poder. Em entrevista a uma rádio de Minas Gerais, Lula afirmou: “Seremos recíprocos. É o mínimo de decência”. E acrescentou: “Na Organização Mundial do Comércio, você tem uma permissão para taxar qualquer produto até 35%. Para nós, o que seria interessante era os EUA baixarem a taxação e nós baixarmos a taxação. Mas, se eles ou qualquer país aumentar a taxação do Brasil, nós iremos utilizar a reciprocidade e taxar eles também, ou seja, é simples e democrático”. A sanha de Trump não acabou. O republicano ameaça elevar as tarifas de forma linear de automóveis, semicondutores e produtos farmacêuticos.
Alívio
A inflação oficial em janeiro fechou em 0,16%, a menor taxa registrada pelo IPCA para o mês. Em dezembro, o índice havia chegado a 0,52%. A redução das tarifas de energia em cerca de 14% puxou a variação dos preços para baixo. Os alimentos continuaram, porém, a pesar no bolso dos consumidores: alta de 0,96%, acentuada pelo custo das refeições em domicílio. A cenoura subiu no período mais de 36%, o tomate, 20,27%, e o café, 8,56%. No acumulado de 12 meses, a inflação ficou em 4,56%.
Congresso/ Anistia ressuscitada?
Motta diz que o 8/1 não foi uma tentativa de golpe e atiça os bolsonaristas

Para o novo presidente da Câmara, tudo se resumiu a uma onda de vandalismo, sem qualquer relação com a trama golpista de Bolsonaro – Imagem: Vinicius Loures/Ag. Camara e Marcelo Camargo/ABR
Eleito com a votação recorde de 464 deputados, o novo presidente da Câmara, Hugo Motta, angariou o apoio de petistas e bolsonaristas graças ao influente padrinho Arthur Lira, mas também por ter guardado obsequioso silêncio durante a campanha, evitando manifestar-se sobre qualquer tema sensível. Passada a eleição, Motta resolveu abrir a boca e não tardou a decepcionar os governistas. Além de criticar o rigor do Supremo Tribunal Federal com os golpistas que devastaram Brasília em 8 de janeiro de 2023, ele afirmou que não considera uma tentativa de golpe aqueles ataques: “Golpe tem que ter um líder, tem que ter pessoa estimulando, apoio de outras instituições interessadas, como as Forças Armadas, e não teve isso”.
A declaração do novo chefe da Câmara causou espanto entre os petistas. Sem citar Motta diretamente, a deputada Gleisi Hoffmann, presidente do PT, manifestou no X que a anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro é “totalmente descabida”. Segundo ela, não se trata de uma questão partidária, e sim de “defender a democracia, respeitar e cumprir a decisão da Justiça sobre os ataques aos Três Poderes”.
Já o vice-líder do governo na Câmara, Rogério Correia, chamou de “negacionismo inaceitável” ignorar as evidências da trama golpista: “Não vale um relatório de mil páginas aprovado no Congresso via CPMI? Não valem os múltiplos indiciamentos da PF após provas e delações? Não valem as minutas golpistas no PL? Não valem as bombas no aeroporto de Brasília e os planos de assassinato de Lula, Alckmin e Moraes?”
Como era esperado, os bolsonaristas festejaram a declaração de Motta e passaram a usá-la para buscar apoio à proposta de anistia dos envolvidos no 8 de Janeiro. “A fala ajuda a convencer deputados. Além disso, temos que aproveitar o momento político do governo, que está muito fragilizado”, celebrou o deputado Sóstenes Cavalcante, líder do PL na Câmara. Para os governistas que esperavam mais comedimento do novo presidente, a intervenção de Motta foi um balde de água fria.
Sede de poder
A anistia aos golpistas do 8 de Janeiro não foi a única proposta reavivada pelo novo presidente da Câmara. Uma PEC a prever a adoção do semipresidencialisno no Brasil, conferindo ainda mais poder aos parlamentares, foi protocolada na quinta-feira 6, pouco depois de Motta manifestar apoio à iniciativa. “Penso que a discussão deve existir, mas não que isso seja aplicado para 2026, 2030. Discutir reforma eleitoral para a eleição seguinte é muito difícil de aprovar”, disse. Após o aceno de Motta, os deputados Luiz Carlos Hauly (Podemos) e Lafayette de Andrada (Republicanos) não tiveram dificuldade para coletar as 171 assinaturas necessárias para iniciar a tramitação da proposta.
Defesa/ Confissões no Roda Viva
Múcio pediu ajuda a Bolsonaro para se aproximar de comandantes militares

“Sempre tivemos uma relação muito boa”, explicou o ministro de Lula – Imagem: TV Cultura
Após confirmar sua permanência no cargo a pedido do presidente Lula, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, voltou a constranger o governo na segunda-feira 10. Em entrevista ao programa Roda Viva, na TV Cultura, ele disse que “recorreu” ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para se aproximar dos comandantes das Forças Armadas ao assumir a pasta.
“A primeira dificuldade foi ser recebido pelos comandantes. Foi quando eu recorri ao presidente Bolsonaro, meu colega de muitos anos, sempre tivemos uma relação muito boa”, afirmou Múcio, acrescentando que somente o almirante Almir Garnier Santos, que comandava a Marinha à época, teria se recusado a encontrá-lo, “mais por birra política”.
Além de incensar Bolsonaro, o ministro da Defesa ainda agradeceu a cúpula das Forças Armadas por não ter aderido à trama golpista. “Na realidade, nós devemos a eles por não ter havido um golpe do dia 8.”
Chuva sem trégua
O ano de 2024 registrou um recorde na temperatura média global, superando os níveis pré-industriais em 1,6°C, conforme aponta um relatório de cientistas do Centro Interdisciplinar de Ciências do Sistema da Terra, da Universidade de Maryland, nos EUA. Os especialistas também destacaram que, no ano passado, as chuvas foram acima da média, com distribuição irregular que castigou regiões como o Sul da Ásia e a Austrália. Segundo dados preliminares, a precipitação média global foi de 2,9 milímetros por dia, superando em 0,09 milímetros a média de 1983 a 2023. Se confirmados, esses números indicam um novo recorde de precipitações.
Grande São Paulo/ Cada um por si
Pela primeira vez, uso de transporte individual supera coletivo

A busca pelo conforto fala mais alto que o trânsito e a crise climática – Imagem: iStockphoto
O uso do transporte individual ultrapassou o coletivo na Grande São Paulo, revela um estudo divulgado pelo Metrô na terça-feira 11. De acordo com a pesquisa Origem e Destino, 51,2% dos deslocamentos diários na região metropolitana são feitos por carros, motos e aplicativos de transporte. Em 2017, os trajetos em ônibus, metrô e trens lideravam com 54,1%. A queda no uso do transporte público é acompanhada de uma diminuição geral de 15,1% nos deslocamentos da população: o total de viagens diárias passou de 42 milhões, em 2017, para 35 milhões em 2023.
Com entrevistas realizadas em 32 mil domicílios de 39 municípios paulistas, o levantamento aponta ainda que, mesmo com o aumento dos subsídios municipais e apesar da expansão das linhas de metrô e trem, a demanda por transporte coletivo não foi recuperada após a pandemia de Covid–19. O home office contribuiu para reduzir os deslocamentos e aplicativos como Uber e 99 caíram cada vez mais no gosto popular.
Equador/ Páreo a páreo
O segundo turno das eleições presidenciais será acirrado

González (dir.) “surpreendeu” nas urnas – Imagem: Galo Paguay/AFP e Presidencia do Equador
Parte dos institutos de pesquisa, não por acaso aquela com mais visibilidade na mídia internacional, subestimou a força da frente de esquerda comandada pelo ex-presidente Rafael Correa. Contados os votos do primeiro turno das eleições presidenciais equatorianos, o atual mandatário direitista, Daniel Noboa, e a advogada Luiza González, representante da Revolução Cidadão, praticamente empataram. A diferença ficou nas casas depois da vírgula: 44,3% para ele, 43,8% para ela. Os demais postulantes repartiram as migalhas. Os adversários repetirão no segundo turno, em abril, o mesmo duelo de dois anos atrás, quando a crise política desaguou no pleito antecipado. Naquela ocasião, Noboa venceu por 52,3% a 47,7% dos votos válidos. A insatisfação popular com a violência desmedida, o baixo crescimento e os apagões quase diários de energia é maior do que imaginavam os apoiadores do presidente, herdeiro de uma das mais poderosas oligarquias do país. O embate estendeu-se à Assembleia Nacional. A Ação Democrática Nacional, de Noboa, obteve 43,52%, e o Revolução Cidadã, de González, 41,15%.
A cerca de Milei
Cosplay pobre de Donald Trump, o presidente da Argentina, Javier Milei, autorizou a construção não de um muro, mas de uma cerca na fronteira com a Bolívia. Na segunda-feira 10, a ministra da Segurança, Patricia Bullrich, anunciou a assinatura do contrato para a obra. Como no hay plata, a cerca de 200 metros de comprimento e 2,5 metros de altura vai cobrir apenas 0,027% da divisa entre os dois países. O plano Guemes visa, em tese, conter o contrabando, o tráfico de drogas e de seres humanos e a entrada de imigrantes ilegais. O governo argentino não descarta erguer outras cercas na fronteira com os demais vizinhos, o Brasil incluído.
Romênia/ Tumulto à Putin
O presidente renuncia em meio a denúncias de interferência russa

Iohannis estava pressionado pela extrema-direita – Imagem: Samer Al-Doumy/AFP
A anulação das eleições de dezembro pela Justiça, por suspeitas de fraude na contagem dos votos, desaguou na renúncia do presidente Klaus Iohannis, que estava em fim de mandato. “Fiz isso para poupar a Romênia desta crise inútil e negativa”, anunciou na segunda-feira 10. O Judiciário tomou a decisão de cancelar o resultado após Calin Georgescu, candidato de extrema-direita e pró-Rússia, que aparecia com cerca de 1% das intenções de voto, ter terminado em primeiro lugar. Um relatório do conselho de segurança apontou “ataques híbridos agressivos” de Moscou. Por determinação judicial, Iohannis ficaria no cargo até maio, quando os eleitores voltarão às urnas, mas partidos extremistas propuseram uma moção de censura contra o mandatário no Parlamento e agravaram o caos político.
Publicado na edição n° 1349 de CartaCapital, em 19 de fevereiro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’