O Pix, método de pagamento instantâneo criado por servidores públicos e favorito dos brasileiros, também virou alvo dos ataques arbitrários de Donald Trump. Mais do que uma ação em defesa de seu aliado extremista, Jair Bolsonaro (PL), a investida tem cunho claramente comercial: é uma forma de interferir numa ferramenta pública e gratuita, que vem chamando atenção fora do país e preocupa empresas emissoras de cartão e big techs dos EUA.

Nesta semana, Trump anunciou a abertura de uma investigação comercial contra o Brasil, alegando que o Pix — assim como outras atividades e produtos brasileiros — supostamente figuraria no rol do que ele considera como “práticas desleais”. A medida vem no bojo de outros ataques do governo estadunidense, dentre as quais está a taxação em 50% dos produtos brasileiros exportados aos EUA.

“É um total descabimento, é uma argumento imperialista de um império decadente que não consegue mais impor sua hegemonia através da superioridade tecnológica e busca fazer valer seus interesses financeiros”, avalia, em entrevista ao Portal Vermelho, o professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais (Deri) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Maurício Andrade Weiss.

Maurício Vaz. Foto: reprodução/redes sociais

Ele lembra que o Pix foi uma construção dos servidores de carreira do Banco Central, muito eficiente e que se tornou um grande sucesso. “Com a possibilidade do Pix parcelado, não apenas os cartões de débito, mas também os de crédito podem perder relevância no Brasil, reduzindo os potenciais de ganhos dos cartões de bandeiras dos EUA e das redes sociais que buscam implementar meios de pagamento como outra forma de ganho financeiro”, acrescenta Weiss.

Em 2024, segundo dados do governo federal, o Pix foi o instrumento de pagamento que mais cresceu em termos de quantidade de transações no país – o aumento foi de 52%. Com isso, ele respondeu por quase metade (47%) do total de transações de pagamento (excluídas as em espécie) realizadas no Brasil no último trimestre do ano passado.

De acordo com o Banco Central, os brasileiros movimentaram mais de R$ 26 trilhões em transferências feitas via Pix ao longo de 2024. O BC salienta, ainda, que apenas quatro anos após o seu lançamento, o Pix “já é o meio de pagamento mais difundido entre os brasileiros”, sendo usado por 76,4% da população. Em seguida, vêm o cartão de débito (69,1%), dinheiro (68,9%) e os cartões de crédito (51,6%).

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Importante salientar, ainda, que conforme reportagem da Agência Brasil, publicada neste sábado (19), o Pix vem sendo monitorado pelos EUA desde 2022. Documento do Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos (USTR, do inglês) já revelava, há três anos, que o país estava preocupado com os impactos da popularização da plataforma brasileira de pagamentos instantâneos, desenvolvida a partir de 2018 e em uso desde novembro de 2020.

Segundo o principal dirigente do USTR, Jamieson Greer, a investigação solicitada mais recentemente por Trump teria o objetivo de apurar “os ataques do Brasil às empresas de mídia social americanas, bem como outras práticas comerciais desleais que prejudicam empresas, trabalhadores, agricultores e inovações tecnológicas” dos Estados Unidos.

Brics e as transações internacionais

Mas, há ainda outros pontos incômodos para os EUA, que envolvem os países do Brics e as negociações comerciais entre eles, que hoje passam obrigatoriamente por mecanismos estabelecidos a partir de interesses das grandes nações do Norte, além do uso do próprio dólar como moeda corrente nas transações internacionais.

É o caso, por exemplo, do Swift (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication) — Sociedade para Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais —, sistema global de comunicação entre bancos, criado em 1973, na Bélgica, e que permite a troca de mensagens financeiras e a realização de transferências internacionais entre as instituições e hegemoniza as transações comerciais entre países.

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“O sistema de pagamento chinês, que substituiu o Swift, por exemplo, é uma ameaça significativa para os EUA conseguirem impor sanções econômicas, como está ocorrendo no caso russo, e o Brasil demonstra interesse em participar”, pondera Weiss. Ele avalia que a tecnologia do Pix pode vir a complementar esse sistema, tornando o mecanismo brasileiro ainda mais potente.

Além disso, o Brics tem discutido maneiras de negociar entre si com o uso de uma moeda própria ou com a de seus respectivos países, sem a necessidade de depender do dólar, o que obviamente vai contra o ímpeto imperialista e controlador dos EUA.

“Nós cansamos de ser subordinados ao Norte. Queremos ter independência nas nossas políticas, queremos fazer comércio mais livre e as coisas estão acontecendo de forma maravilhosa. Nós estamos discutindo, inclusive, a possibilidade de ter uma moeda própria, ou quem sabe com as moedas de cada país a gente fazer comércio sem precisar usar o dólar”, reforçou o presidente Lula em entrevista ao Jornal Nacional na semana passada, após a carta em que Trump anunciou parte das sanções.

Nesse cenário, o professor Weiss aponta, ainda, a gravidade e o ineditismo da ingerência de um país sobre outro em questões como essa. “Não tenho conhecimento de alguma interferência desse tipo na história da economia. É uma tática que fere as leis internacionais e, inclusive, o princípio dos Estados Soberanos estabelecidos pelo Tratado de Westphalen (Vestáflia) ainda no século 17”, salienta.

Para ele, o episódio mostra a necessidade de o Brasil manter sua posição altiva e assegurar sua soberania digital. “Além de garantir a continuidade e expansão do Pix e de seus meios de pagamento, o Brasil deveria criar uma rede social própria e não aceitar interferência externa nas regulações recém-aprovadas pelo STF sobre as mídias digitais”.

Ademais, diz, “o investimento em data centers que estão sendo buscados pela Fazenda devem ser acompanhados por autonomia de dados e não compartilhados com empresas estrangeiras. O Brasil já possui um sistema de banco de dados públicos e precisa ampliar sua infraestrutura”.

Ele também acredita que o Brasil deve apostar mais em plataformas públicas e deixar de gastar com as privadas. Estudo recente feito por pesquisadores da USP e UnB mostrou que em dez anos, o serviço público brasileiro, em suas três esferas (municipal, estadual e federal) gastou R$ 23 bilhões com tecnologias estrangeiras na área de comunicação e sistemas internos.

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Last Update: 20/07/2025