A investida do ministro do STF, Flávio Dino, contra ONGs que carecem de mecanismos de transparência e podem servir como pretexto para práticas criminosas traz à tona casos envolvendo uma figura de destaque do Governo Bolsonaro: a ex-ministra da Mulher, Damares Alves, atualmente senadora.
ONG de Damares investigada
Alves fundou uma ONG que enfrentou graves acusações, incluindo envolvimento em tráfico de crianças e tráfico sexual de indígenas. Em 2016, a Polícia Federal solicitou à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) informações sobre supostos casos de exploração sexual e tráfico de indígenas, mencionando a Atini – Voz Pela Vida, fundada por Damares, e outras duas organizações. Segundo o Ministério Público, a Atini utilizava o apelo humanitário do combate ao infanticídio entre povos indígenas como fachada para práticas de tráfico e exploração sexual.
Um dos casos mais emblemáticos da denúncia refere-se a uma adolescente indígena de 16 anos da etnia sateré-mawé. Em 2010, ela foi levada por um tio materno e sua esposa para uma chácara administrada pela Atini. Durante sua estadia, engravidou de um indígena de outra tribo. A criança nascida dessa relação foi colocada para adoção, o que gerou um processo judicial. O Ministério Público solicitou a devolução da criança à mãe biológica, argumentando que a adoção violou os direitos da adolescente e da comunidade indígena.
ONG de fachada de aliado de Damares recebeu repasses do governo e emendas
Além da ONG de Damares, a então ministra de Jair Bolsonaro entrou para a mira da Corregedoria-Geral da União (CGU), em 2023, em relatório que apontou que a pasta da qual comandava, o Ministério de Direitos Humanos, fez repasses milionários a ONGs de fachada.
E uma das ONGs era ligada a um aliado direto de Damares, o ex-deputado Professor Joziel (Patriota-RJ), o Instituto Desenvolvimento Social e Humano do Brasil (IDSH), que recebeu mais de R$ 13 milhões do governo Bolsonaro, entre 2019 e 2022. Assim como as atuais ONGs banidas pelo ministro Flávio Dino, o IDSH também recebeu R$ 3,8 milhões em emendas pelo ex-deputado.
Dois anos antes, em 2021, no primeiro ano do governo Bolsonaro, a Associação Beneficente Ensine Mão Amiga, de uma assessora de Damares Alves, recebeu R$ 200 mil de uma Secretaria do Ministério da Mulher, então comandado pela ministra. Além desta, outras oito ONGs de fachada receberam R$ 17 milhões do governo Bolsonaro, parte dos recursos por meio de emendas parlamentares de aliados do governo.
Igreja, drogas e desvio de dinheiro público
Além de ONGs, instituições religiosas ligadas à família de Damares também estiveram na mira de investigações. Seu tio e padrinho político, Josué Bengtson, pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular e ex-deputado, foi acusado de utilizar a própria igreja para esquemas de de desvio de dinheiro público. Bergston, é um dos principais líderes da Igreja Quadrangular no Pará.
Bengtson foi condenado em 2018 pela Justiça Federal à perda do mandato por enriquecimento ilícito. Ele fez parte de um esquema de desvio de recursos da saúde no Pará, conhecido como ‘máfia das ambulâncias’. Seus direitos políticos foram suspensos por oito anos. Segundo denúncias do Ministério Público Federal (MPF), o pastor direcionava verbas a municípios, onde licitações eram fraudadas e o dinheiro era depositado na conta dele e da igreja.
Em um episódio marcante de 2023, a Polícia Federal apreendeu quase 300 quilos de Skunk — uma variedade concentrada de maconha — em um avião pertencente à mesma denominação religiosa.
Na época, a Igreja do Evangelho Quadrangular afirmou que o homem preso seria um prestador de serviço terceirizado. Em nota, a instituição afirmou que o detido havia “procurado nosso piloto querendo fazer um voo para levar, segundo ele, algumas peças de trator para uma cidade do interior”.
Ofensiva contra ONG’s irregulares
Nesta sexta (03), o ministro Flávio Dino tomou medidas concretas contra diversas entidades do terceiro setor que não cumpriram com requisitos básicos de transparência. Ele suspendeu o repasse de recursos de emendas para 13 ONGs e outras organizações após um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) identificar falhas graves na prestação de contas. A decisão também incluiu a determinação de que as ONGs irregulares sejam inscritas no Cadastro de Entidades Privadas Sem Fins Lucrativos Impedidas (CEPIM) e no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS).
Além disso, Dino ordenou que a CGU realize auditorias detalhadas nas entidades suspeitas e deu um prazo de 10 dias para que as ONGs apresentem as informações pendentes. Caso não cumpram, novos repasses de recursos serão suspensos. A medida é vista como uma tentativa de coibir abusos e garantir maior transparência na destinação de verbas públicas.