BRASIL S/A
Acabou a distração
Com Bolsonaro preso, a realidade da política estagnada e o atraso econômico sobem ao palco
Por Antonio Machado
O país da vida ganha, dos criadores de clickbait e de posts meme, parou nas últimas semanas pelo julgamento no STF de Jair Bolsonaro e seus aprendizes de golpistas. Trata-se de minoria – barulhenta, mas minoria -, entre a imensa maioria que não se pode dar ao luxo de travar batalhas imaginárias nas redes sociais.
O que as une é a estagnação política de mais de quatro décadas.
A condenação do ex-presidente a 27 anos de cadeia, com início da pena em regime fechado, chega aos seus contrários como uma catarse capaz de promover um processo transformador e expurgar a nação das emoções negativas que vem de longe. Melhor aguardar sentado.
O presidente Lula foi condenado na Lava Jato a mais de nove anos de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, pena aumentada na 2ª instância a 12 anos e um mês, e ficou preso, numa sala da PF em Curitiba, 580 dias. Condenado a 425 anos de prisão, Sérgio Cabral cumpriu apenas seis anos em regime fechado.
Lula foi solto quando o STF mudou por 6 votos a 5 a jurisprudência de 2016, revogando permissão à prisão de réus antes do trânsito em julgado. Além disso, assumiu que o caso não se conectava à roubalheira na Petrobras, foco da Lava-Jato, resultando daí que o então juiz Sérgio Moro não teria competência legal para julgá-lo.
Os processos foram anulados, como os aliados de Bolsonaro acham que poderá ocorrer mais adiante, com outra composição do plenário do STF, valendo-se do voto do ministro Luiz Fux pela absolvição.
Tecnicamente, Lula não foi absolvido, como Bolsonaro poderá não ser também, embora não se descarte que aconteça tal e qual, e é assim que a política nacional continua atrelada a passadismos, a casuísmos, ao viés de momento dos ministros do STF. Nesta cena, o definitivo é flexível, ajustando-se à conveniência de cada época.
Bolsonaro se elegeu em 2018 ao mostrar-se o mais antipetista dos candidatos. Depois, com seus atos, perdeu para Lula, reabilitado pelo STF, ao ser ameaçado desde 2019 pelo golpismo do ex-capitão. Convenhamos, essa história nada tem de dignificante…
A perversão do imobilismo
A política seguirá conflagrada, tal como no tempo de Lula preso. A direita já mostrou que aprendeu com a esquerda como falar grosso e reunir multidões. Também não há nada a festejar com a prisão de Bolsonaro, e não por que ele esteja sendo injustiçado. O que há a lamentar é a miséria institucional e política que nos atrasa.
Política praticada em torno de nomes, não de ideias e visões, põe o país a reboque de excentricidades e temperamentos pessoais quase um culto a personalidades sem as quais seria o caos. Talvez para o PT, que não formou herdeiros à altura do maior líder de massas que o país conheceu desde Getúlio Vargas. Mas não é o caso da direita, apesar de Bolsonaro não se ver como o cara errado na hora certa.
Líderes promovem ideias e constroem programas, o que para um país gigante e subdesenvolvido só pode ser na direção do progresso. Mas não é o que temos. Ou é populismo explícito ou são ameaças de que sem eles haverá tragédias: a venezuelização, diz um lado; a fome e a soberania empenhada, diz o outro. E assim estamos: estagnados.
Tais parolagens ilustram bem as oportunidades perdidas, e não são poucas, e o sequestro sem nem nos apercebermos pela mais perversa das ideologias: o imobilismo como sequela do medo da instabilidade recorrente. Criou-se no imaginário coletivo a ideia de que o risco de novas iniciativas é sinônimo de ameaça e não de oportunidade.
Desafio da inércia mental
Omite-se há tempos, na cena política nacional, que a riqueza das nações e a civilização são construídas com produção e as inovações criadoras de mercados. Como romper essa inércia mental é o desafio ignorado no debate mediocrizado do bolsonarismo versus lulismo.
E novas distorções vão sendo adicionadas. Uma delas é o STF como última instância decisória ou recursiva (assim como os militares se viam no passado, ou se veem e estão quietos devido ao escândalo de Bolsonaro et caterva) de um processo que deveria ser decidido pelo legislativo. E ainda há a ingerência de Trump, para o qual o STF pune Bolsonaro para favorecer o governo Lula, embora a Justiça aqui seja independente, ao contrário da Turquia de Erdogan, aliada dos EUA, onde o Judiciário é submisso ao presidente iliberal.
Os líderes dos partidos de centro e direita conhecem todos esses constrangimentos, inclusive o maior: detém maioria de dois terços no Congresso, quase todos os estados e 87% dos 5.568 municípios. Apesar disso, não tem candidato próprio e estão prontos a aderir ao presidente da vez. Hoje, apoiam o governo Lula, mas aguardam o ungido por Bolsonaro para lhe emprestar apoio ou não. Difícil…
E constrangedor… Parte da elite do Congresso tem “favor fiscal” investigado pela PF numa ação tramitando em sigilo com relatoria do ministro Flávio Dino, do STF. É um dos jeitos de fazer “base governista”: dar corda para “travessuras” dos aliados de ocasião e usá-las como instrumento de persuasão quando necessário.
Como virar meme nas redes
Se esse é o processo político normalizado, ele está estagnado. Do lado do gasto, o caixa acabou. O orçamento federal é deficitário desde 2023. Com o custo da dívida do Tesouro, é negativo há mais de uma geração. As contas são fechadas com dívida, que encarece o crédito, também onerado pela taxa Selic, o meio de o BC conter a inflação de demanda atiçada pelo populismo fiscal. Outra forma é elevar ainda mais os impostos, como se tem feito. Até quando?
Só neste mandato de quatro anos, a dívida pública deverá crescer 13,6 pontos de percentagem em relação ao PIB – R$ 1,74 trilhão no período, R$ 434 bilhões ao ano. Não tem como continuar assim.
O próximo governante terá de desatar esse nó. E o fará com única certeza de que trabalhará com as bancadas de centro e de direita maiores que as atuais, o bafo no cangote do mundo sem regras, que está moribundo como adverte relatório da Comissão Europeia desta semana, e o senso de que programa fiscal é política econômica.
Não é. É só um plano de contas, necessário, mas não é um programa de impulso do desenvolvimento. O que carece é uma forma totalmente nova de pensar a economia política, com foco no aumento da oferta. Partido e candidato que destacar um programa assim poderá romper a estagnação mental, superar a polarização e virar meme nas redes. É o que as pesquisas apontam: o cansaço com os mesmos de sempre.
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