Com a final no último sábado 17 dos campeonatos maranhense e amapaense, vencidos respectivamente por Maranhão e Trem, finalmente conhecemos todos os campeões dos estaduais masculinos de 2025 no Brasil. Ao todo, foram 27 torneios, 270 clubes, 13,8 milhões de reais em premiação, muitos profissionais, campos e torcedores de diversos municípios do País. Números que expressam o potencial, mas também a desigualdade do futebol brasileiro. Por causa da concentração econômica e geográfica, a temporada acaba agora para mais de 100 times, que não possuem outras competições em vista no restante do ano.
Na transmissão dos jogos, 24 veículos de TV aberta, seis canais de TV por assinatura e nove plataformas de streaming, totalizando dezesseis grupos de comunicação, proporcionaram um pouco de alegria, tristeza, raiva e calmaria para os amantes do ludopédio de Norte a Sul do País. Neste artigo (e desde 2023), o Observatório das Transmissões de Futebóis, um projeto do Intervozes e do grupo de pesquisa Crítica da Economia Política da Comunicação (Cepcom), da Universidade Federal de Alagoas, faz um levantamento de onde os campeonatos foram transmitidos e quais as implicações do modelo de distribuição dos direitos de imagem para os torcedores.
Futebol em pé de (des)igualdade
Um “bicho de sete cabeças” que tem suscitado muito debate, sobretudo por conta da quantidade de jogos e da extensão do calendário nacional, os estaduais permitem disputas mais diversas em um cenário de bastante desequilíbrio regional. Equipes do primeiro escalão, como Corinthians, Flamengo, Atlético Mineiro e tantas outras que figuram nas principais competições nacionais e continentais, visitam campos do interior nos rincões dos seus estados e encontram-se com diferentes versões do mundo da bola.
Isso não é diferente no caso das transmissões. Campeonatos de alguns estados onde estão os clubes tradicionais se tornam produtos mais valiosos em comparação com os torneios onde a disputa acontece entre agremiações que nem sempre despontam nas divisões de elite. Como resultado, assistimos a uma distribuição bastante desequilibrada das receitas. A título de exemplo, o Paulistão 2025 movimentou 7 bilhões de reais, segundo um estudo publicado pela Ernst & Young, enquanto mais de dez torneios não possuem sequer premiação das federações locais.
Se por um lado as vendas dos direitos de imagem impulsionam a economia de grandes clubes, federações e empresas de comunicação, os times e as entidades de menor expressão nem sempre são beneficiados. A invisibilidade de alguns campeonatos estaduais faz com que algumas federações financiem a exibição dos jogos, enquanto torcedores pagam valores altos em ingressos e pacotes de TV e streaming. Quem sai ganhando é o monopólio da mídia, que segue ditando as regras do jogo.
Panorama das transmissões dos campeonatos estaduais masculinos de 2025
Palco de disputas mais localizadas na mídia, os estaduais assistiram um avanço maciço da Record, que passou de dois para dez campeonatos transmitidos entre 2024 e 2025. Neste ano, afiliadas da emissora controlada pelo bispo Edir Macedo da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) assumiram a exibição de três torneios no Norte (acreano, amapaense e roraimense), quatro no Nordeste (alagoano, maranhense, potiguar e sergipano), além dos campeonatos brasiliense, paulista e paranaense, alçando suas transmissões a todas as regiões do Brasil.
Outro grupo de comunicação que impulsionou sua rede de transmissões dos estaduais foi a Globo, ampliando de cinco para oito campeonatos exibidos: três no Nordeste (cearence, paraibano e pernambucano), dois no Sudeste (carioca e mineiro) e dois no Sul (catarinense e gaúcho), além do torneio mato-grossense. Em síntese, juntas, Globo e Record abarcaram dois terços dos campeonatos, interiorizando suas transmissões em busca de retorno com os estaduais.
Concentrados na região Centro-Sul do Brasil, os estaduais com clubes que jogam a primeira divisão nacional geralmente são os mais valorizados pelas detentoras de imagem, sendo a Série A do Campeonato Brasileiro a principal métrica para o sucesso da audiência e por consequência, da comercialização nos próximos anos. Os principais exemplos desta situação são os torneios paulista e carioca. Entre as vinte equipes participantes da primeira divisão nacional, os dois campeonatos representam a metade dos competidores.
O Paulistão foi exibido em TV aberta pela Record TV e pela TNT Sports na TV fechada. MAX, Zapping+, Paulistão+ e Cazé TV (YouTube) dividiram as transmissões no streaming. Já o Cariocão, que conta com o atual campeão nacional e da Libertadores, também possui seis emissoras: TV Globo e Band transmitem na TV aberta, SporTV e BandSports na TV fechada e, por fim, no streaming estão o Premiere e o Canal GOAT, que exibiu a competição via YouTube.
Apesar da centralização no eixo Rio-São Paulo, equipes do interior como os paulistas Velo Clube e Noroeste, que conseguiram o acesso para a principal divisão estadual, não contavam com calendário nacional. Com a permanência, as equipes conquistaram a possibilidade de disputar a Série D no ano de 2026, assegurando o ano completo de trabalho. Esta situação de incerteza é vivida pela maioria dos clubes brasileiros, que dependem dos estaduais para a manutenção financeira e sobrevivência no futebol profissional.
O abismo da mídia e dos estaduais
O mapeamento das transmissões dos campeonatos estaduais de 2025 evidencia um modelo profundamente desigual. A visibilidade dos torneios depende do valor de mercado dos clubes e de sua localização no eixo dominante do futebol brasileiro. Enquanto o eixo Rio-São Paulo e algumas outras edições pontuais aproveitam-se da audiência nas diversas plataformas de transmissão, a realidade em muitos estados é outra. Quando não há retorno financeiro, sobra para a TV pública, bem como para clubes e federações organizarem os campeonatos locais.
A diversificação das plataformas, ao contrário do que se imagina, não garantiu maior acesso. Ao fragmentar direitos e transferir os custos ao torcedor, o modelo ampliou as barreiras de classe. O controle da mídia segue concentrado e poucos grupos definem o que será transmitido. Há, portanto, um reforço do padrão excludente, no qual parte do futebol brasileiro ainda permanece invisível.
Sem times na primeira divisão nacional, o estado do novo futuro presidente da CBF, Samir Xaud, é um exemplo de como o mesmo produto pode enfrentar uma realidade completamente destoante: a única transmissão do estadual de Roraima foi pela afiliada da Record TV, a TV Imperial.
Outros estados têm a TV pública como detentora dos direitos de transmissão, casos de Bahia, Ceará, Mato Grosso do Sul e Espírito Santo, onde o torneio local é exibido por afiliadas da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC). No Pará, Goiás e Espírito Santo, afiliadas da TV Cultura mostraram os jogos e, por fim, no Amazonas, ficou por conta da TV A Crítica, vinculada ao governo do estado, a transmissão da edição. Apenas o campeonato tocantinense ficou sem transmissão na TV aberta, sendo exibido pelo Youtube, assim como outros 20 torneios, exibidos por empresas menores e canais próprios de clubes e federações.
Essa estrutura, como pudemos ilustrar, não é apenas um mero reflexo do mercado. É resultado de decisões políticas. Enquanto alguns estaduais se consolidam como vitrine globais, outros sobrevivem às custas de iniciativas locais ou são simplesmente ignorados. De todo modo, nos perguntamos: como garantir o direito à comunicação e à cultura em um país tão desigual?