do Fórum 21

Abobrinhas, delírios e recados na posse de Trump

por Tatiana Carlotti

Três graus negativos e sensação térmica de menos 11. Foi desta magnitude o frio que cobriu Washington na posse de Donald Trump nesta segunda-feira (20). Para não congelar o nariz dos magnatas, a cerimônia aconteceu na rotunda do Capitólio, o belo prédio construído em 1793 e depredado pela turbe trumpista em janeiro de 2021. Muitos juravam que Biden, e não Trump, havia sido derrotado.

O republicano sustentou a mentira e não compareceu à posse de Biden, o que torna a presença democrata uma espécie de “é assim que se faz” em um regime democrático. Não espanta que uma das principais medidas de Trump tenha sido conceder um amplo perdão a quase todos os 1.600 acusados pela invasão do Capitólio.

Enquanto Trump discursava, nas primeiras fileiras, à sua esquerda, Joe Biden e Kamala Harris arregalavam os olhos com os absurdos prometidos pelo bilionário. Marcaram presença as principais lideranças democratas, o independente Bernie Sanders, ex-presidentes como Obama (novamente sem Michelle), o casal Clinton e Bush filho.

À direita de Trump, além de sua excêntrica família – com destaque à Melania Trump, que manteve os belos olhos ocultos sob as abas de um chapéu –, era possível identificar os não menos excêntricos “multibilionários”: Mark Zuckerberg (META), Jeff Bezos (Amazon), Sundar Pichai (Google) e Elon Musk (X, Space) em pleno alinhamento com o trumpismo. E pelo saguão desfilaram os CEOs da Apple, Tik Tok e tantos outros…

Musk, como de praxe, em uma dose aguda de onipotência, tão típica dos ricos, muito ricos, ousou a saudação nazista botando a ponta dos dedos duras sobre o peito e esticando-a rapidamente: “eu dou meu coração a vocês”.

O mesmo cumprimento de Steve Bannon, um torpe ideólogo e articulador da extrema-direita global, que lamentou a ausência de Bolsonaro na posse no vídeo disseminado pela Folha de S. Paulo, apontando Eduardo Bolsonaro, vulgo “bananinha”, como um futuro presidente do Brasil.

Este é o nível.

Delírios

Apostando no tom messiânico e com promessas grandiosas e genéricas, Trump usou o delírio para embalar seus apoiadores em vários momentos. “A Era de Ouro dos Estados Unidos começa agora. A partir desse dia o nosso país florescerá e será respeitado e invejado por todo mundo; não permitiremos que mais ninguém tire vantagens sobre nós”, disse ao emendar o bordão “Make America Great Again” (MAGA).

Vendendo esperanças e criando um antes caótico e um depois redentor com a sua chegada, Trump fez promessas tão grandiosas quanto vazias: “nossa soberania será recuperada, nossa segurança restaurada, as balanças da Justiça serão reequilibradas”. E após um suspiro dramático, declarou: “o declínio da América chega ao fim”.

Trump, que nunca admite erros e se diverte zombando da fragilidade alheia, vestiu a personagem de mártir, alimentando as teorias da conspiração em torno de sua figura. Ao remorar “a bala assassina” que “perfurou” sua orelha durante um comício de campanha, sentenciou: “eu fui salvo por Deus para tornar a América grande novamente”.

“O dia 20 de janeiro de 2025 é o dia da liberação. A minha esperança é a de que nossa recente eleição seja lembrada como a mais importante do país”, complementou.

Seu discurso, porém, não foi só ego e delírio. Trump também passou recados dentro e fora das fronteiras do império.

Vangloriou-se pelo cessar-fogo em Gaza, que atribui como a primeira conquista de sua eleição. Foi um dos poucos momentos em que Biden e Kamala, que sustentaram a matança de famílias inteiras, mulheres, crianças, aplaudiram. “Desde ontem, um dia antes de assumir a presidência, os reféns do Oriente Médio estão voltando para casa”, gabou-se Trump, garantindo que “a América retomará o seu lugar como a nação mais poderosa e respeitada do mundo”.

Recados

Trump agradeceu as comunidades negras e hispânicas “pelo amor e pela confiança”. “Eu ouço sua voz e estou ansioso para trabalhar com vocês nos próximos anos”, disse ao citar Martin Luther King, “nós tornaremos o sonho dele realidade”.

Minutos depois, o bilionário declarava o fim da “política de engenharia social de raça e gênero em cada aspecto da vida pública e privada. Nós forjaremos uma sociedade que não enxerga a cor e que seja baseada no mérito”.

Disse também que “a partir de hoje, haverá na política oficial dos EUA apenas dois gêneros: masculino e feminino”. Aos militares, garantiu que não permitirá que os soldados fiquem “sujeitos a teorias políticas radicais e a experimentos sociais”.

E, pasmem, foi ovacionado.

Aos imigrantes não documentados, principais alvos de uma xenofóbica campanha, reiterou: “deportará milhões e milhões de pessoas”. Aos demais, prometeu emprego e mais emprego.

Disse que apostará na indústria automobilística e na exportação de petróleo e gás, abandonando os caminhos sustentáveis da economia verde. “Você poderá comprar veículos automotivos como nunca graças aos trabalhadores automotivos cujo voto de confiança nos ajudou tremendamente”, afirmou.

Trump também mencionou uma “reforma do sistema de comércio” e mandou um estranho recado aos países parceiros. “Em vez de tributar os cidadãos, estabeleceremos tarifas e impostos sobre outros países para enriquecer os nossos cidadãos. Para isso estamos estabelecendo o serviço de receitas externas que irá coletar impostos e receitas que entrarão em massa para o nosso tesouro”, sentenciou.

Seu governo, bradou, “vai estabelecer um inédito departamento de eficiência governamental” e “após anos e anos de esforços ilegais e inconstitucionais para restringir a livre expressão” nos Estados Unidos, disse que assinará um decreto “para trazer de volta a liberdade de expressão” nos Estados Unidos.

Leia-se: a desregulamentação das plataformas e redes sociais que dará ainda mais poder à indústria das fake news, que enchem o bolso transbordante de Musk e Zuckerberg, com consequências gravíssimas para as democracias do mundo inteiro.

E não para por aí: ao proprietário da Space X, um poético Donald Trump prometeu lançar “astronautas americanos para plantar nossas estrelas no planeta Marte”.

Pobres marcianos.

Abobrinhas

Apesar dos esforços da Corte Suprema, que lhe garantiu o direito de concorrer à presidência neste ano, Trump não poupou críticas à Justiça dos Estados Unidos. Abordou como “perseguição política” as acusações e a condenação que lhe pesam e anunciou mudanças, prometendo “uma Justiça justa e imparcial” e trazer “o estado de direito de volta às nossas cidades”.

Ideias estapafúrdias também ganharam destaque no discurso, como as propostas de renomear o Golfo do México para Golfo da América, e de retomar ao Canal do Panamá, segundo ele, sob controle da China. “Nós demos de presente e vamos tomar de volta”, afirmou.

Um festival de abobrinhas que traduz o pão e circo da extrema-direita, alimentando a polêmica e garantindo a dose barata de populismo que mantém as redes em alta e alimenta a circulação de fake news.

Uma tática comum aos chefes e ministros de estado, que seguem a cartilha disruptiva da extrema-direita, como Bukele de El Salvador, Milei da Argentina, Meloni da Itália, todos presentes na cerimônia.

Do lado dos BRICS, o presidente Xi Jinping da China, com quem os Estados Unidos disputam a hegemonia, chegou a ser convidado, mas não foi. Mandou seu vice, Han Zheng.

O presidente Lula, por sua vez, publicou nas redes sociais a seguinte mensagem:

“Em nome do governo brasileiro, parabenizo o presidente Donald Trump por sua posse. As relações entre o Brasil e os EUA são marcadas por uma história de cooperação, baseada no respeito mútuo e em uma amizade histórica. Nossos países têm fortes laços em diversas áreas, como comércio, ciência, educação e cultura. Tenho certeza de que podemos continuar a progredir nessas e em outras parcerias”.

Sobre o Brasil e a América Latina, Trump passou o recado: “Eles precisam muito mais de nós do que nós precisamos deles. Na verdade, não precisamos deles, e o mundo todo precisa de nós”.

Bolsonaro, obviamente, não foi convidado.

O que vem por aí

Memes que saíram nas redes ironizando a posse de Trump.

Já presidente dos Estados Unidos, Donald Trump assinou uma imensa lista de revogações e decretos contemplando 78 medidas. Confira abaixo cada uma delas, conforme a lista publicada pelo advogado criminalista e mestre em Direito Welington Arruda, em sua conta oficial no X.

Imigração e Segurança Fronteiriça

  1. Revogação do programa de liberação condicional humanitária para imigrantes.
  2. Reativação da construção do muro na fronteira com o México.
  3. Implementação da política de “permanecer no México” para solicitantes de asilo.
  4. Fim do programa de proteção a imigrantes menores de idade (DACA).
  5. Restrição de vistos de trabalho temporário.
  6. Ampliação de deportações aceleradas para imigrantes irregulares.
  7. Reversão da proibição de deportação para países considerados perigosos.
  8. Restrição de concessão de asilo para vítimas de violência doméstica e de gangues.
  9. Retomada da separação de famílias na fronteira.
  10. Redução da cota de refugiados admitidos anualmente.

Energia e Meio Ambiente

  1. Retirada dos EUA do Acordo de Paris sobre Mudança Climática.
  2. Cancelamento de restrições à perfuração de petróleo e gás em áreas protegidas.
  3. Revogação de normas de emissão de carbono para veículos automotores.
  4. Reativação do oleoduto Keystone XL.
  5. Revogação de proteções ambientais para áreas de conservação federais.
  6. Extinção de regulamentos sobre poluição hídrica em áreas industriais.
  7. Permissão para exploração mineral em áreas indígenas.
  8. Cancelamento de subsídios para fontes de energia renovável.
  9. Redução de padrões de eficiência energética para eletrodomésticos.
  10. Dissolução do Conselho Consultivo de Mudança Climática.

Políticas Sociais e Diversidade

  1. Eliminação de programas de diversidade, equidade e inclusão no setor público.
  2. Fim da obrigatoriedade de treinamentos de diversidade em agências federais.
  3. Redefinição oficial de gênero baseada no sexo biológico.
  4. Proibição de financiamento federal para cuidados médicos de transição de gênero.
  5. Restrição ao uso de banheiros públicos conforme identidade de gênero.
  6. Cancelamento da obrigatoriedade de seguro-saúde cobrir contraceptivos.
  7. Redução de políticas de combate à discriminação no local de trabalho.
  8. Fim do financiamento para pesquisas sobre equidade racial.
  9. Revogação do reconhecimento de identidade de gênero não-binária em documentos oficiais.
  10. Cancelamento da proteção de direitos para estudantes LGBTQ+ em escolas públicas.

Saúde e Políticas Públicas

  1. Retirada dos EUA da Organização Mundial da Saúde (OMS).
  2. Revogação da expansão do Obamacare.
  3. Redução dos requisitos para planos de saúde de baixo custo.
  4. Cancelamento de subsídios para medicamentos de alto custo.
  5. Permissão para empresas negarem cobertura de saúde por razões religiosas.
  6. Retirada de incentivos para vacinação contra a COVID-19.
  7. Fim da obrigatoriedade de máscaras em prédios federais.
  8. Dissolução da força-tarefa federal contra pandemias.
  9. Cancelamento de regras de segurança para produtos farmacêuticos importados.
  10. Eliminação de diretrizes sobre saúde mental no ambiente de trabalho.

Economia e Comércio

  1. Cancelamento de tarifas sobre produtos chineses impostas pela administração Biden.
  2. Retirada dos EUA de acordos comerciais multilaterais.
  3. Redução de regulamentações bancárias para pequenas e médias empresas.
  4. Ampliação de subsídios para a indústria de combustíveis fósseis.
  5. Extinção de restrições a investimentos estrangeiros em setores estratégicos.
  6. Flexibilização de regras de importação de alimentos e medicamentos.
  7. Revogação de padrões de segurança no setor de transportes.
  8. Redução do salário mínimo federal para contratos públicos.
  9. Cancelamento de regulações trabalhistas para empresas de tecnologia.
  10. Suspensão de programas de auxílio a pequenas empresas criados durante a pandemia.

Defesa e Relações Internacionais

  1. Aumento do orçamento de defesa dos EUA.
  2. Reafirmação de sanções econômicas contra o Irã.
  3. Retirada de tropas americanas de regiões em conflito, incluindo Síria e Afeganistão.
  4. Cancelamento de negociações de desarmamento nuclear com a Coreia do Norte.
  5. Suspensão de financiamento para programas de ajuda externa a países africanos.
  6. Ampliação da presença militar na Ásia-Pacífico.
  7. Revogação do tratado de controle de armas com a Rússia.
  8. Fim do programa de reassentamento de refugiados afegãos.
  9. Cancelamento do tratado de livre comércio com a União Europeia.
  10. Proibição de investimentos em empresas chinesas ligadas ao setor militar.

Justiça e Direitos Civis

  1. Redução das diretrizes sobre violência policial.
  2. Cancelamento de programas de fiscalização de crimes de ódio.
  3. Ampliação do uso de prisões privadas em contratos federais.
  4. Restrição ao direito de voto por correio.
  5. Reintrodução da pena de morte para crimes federais.
  6. Proibição do ensino de “teoria crítica da raça” em escolas públicas.
  7. Suspensão de revisões em casos de sentenças longas para réus minoritários.
  8. Redução dos programas de reabilitação para presos.
  9. Cancelamento de programas de monitoramento policial comunitário.
  10. Ampliação das penalidades para crimes de imigração ilegal.

Administração Pública

  • 71. Cancelamento de políticas de proteção a denunciantes dentro do governo.
  • 72. Implementação do programa “Schedule F” para facilitar demissões de servidores públicos.
  • 73. Revogação da política de teletrabalho para funcionários públicos.
  • 74. Redução de orçamento para agências reguladoras federais.
  • 75. Eliminação de normas de transparência de gastos públicos.
  • 76. Ampliação do poder do Executivo sobre agências independentes.
  • 77. Redefinição de critérios para contratação de servidores federais.
  • 78. Dissolução de comissões de supervisão de ações do Executivo.

Confira aqui a íntegra da posse de Donald Trump na última segunda-feira (20).


Imagens: reprodução YouTube.

Tatiana Carlotti – Repórter do Fórum 21 desde 2022, com passagem por Carta Maior (2014-2021) e Blog Zé Dirceu (2006-2013). Tem doutorado em Semiótica (USP) e mestrado em Crítica Literária (PUC-SP).

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Last Update: 22/01/2025