
A Polícia Federal (PF) reuniu uma série de provas que comprovam o uso ilegal da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para fins políticos durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Segundo o relatório final da investigação, divulgado após o Supremo Tribunal Federal (STF) retirar o sigilo dos autos, foram encontradas evidências de que a estrutura paralela da Abin agiu para atacar adversários, proteger aliados e interferir em investigações, inclusive envolvendo os filhos de Bolsonaro.
A PF já indiciou pelo menos 35 pessoas por envolvimento na Abin Paralela. Jair Bolsonaro não foi incluído nesses indiciamentos porque já é réu no STF no inquérito sobre a trama golpista, investigação mais ampla que envolve diferentes núcleos bolsonaristas. Mas o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) e o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ) foram indiciados.
Documentos enviados a Bolsonaro
Entre os principais elementos da investigação estão documentos produzidos pela Abin e repassados diretamente ao então presidente. A PF identificou que ao menos dois arquivos foram enviados para contatos de WhatsApp associados a Bolsonaro: “JB 01 8” e “JB 01 5”, ambos com fotos do ex-presidente.
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Um deles, intitulado “Presidente TSE informa”, continha críticas ao sistema eleitoral brasileiro. O outro, “Abin Pendências”, abordava medidas do governo durante a pandemia de Covid-19. Além disso, o arquivo “Bom dia Presidente.docx” foi enviado a um grupo de WhatsApp que reunia policiais federais ligados a Alexandre Ramagem, então diretor da Abin.
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Quando questionado pelo ministro Alexandre de Moraes sobre o envio de tais arquivos, Alexandre Ramagem, que comandou a agência no governo passado, afirmou que eram apenas “anotações mentais” que não haviam sido compartilhadas com ninguém.
Drones e câmeras para propaganda
O uso indevido de equipamentos da Abin também foi identificado. A PF apontou que drones e câmeras de segurança instaladas na Esplanada dos Ministérios foram usados para registrar manifestações pró-Bolsonaro. As imagens geradas foram aproveitadas politicamente, inclusive em postagens nas redes sociais do então diretor da Abin.
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Um dos exemplos citados foi uma motociata promovida por Bolsonaro em 2021, cujas imagens feitas pelos drones foram publicadas no perfil de Ramagem no Twitter. Segundo a PF, o uso desses equipamentos para fins pessoais caracteriza desvio de finalidade.
A corporação afirmou que imagens de drones usados para o acompanhamento de “motociatas” bolsonaristas eram repassadas a Ramagem.
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Vigilância a adversários
As mensagens obtidas pela PF também mostram que integrantes da estrutura paralela da Abin eram acionados para monitorar opositores do governo.
Em uma das conversas, o militar Giancarlo Gomes Rodrigues — levado à Abin por Ramagem — recebe um pedido para “olhar com carinho” o deputado Marcelo Ramos (PSD-AM), então vice-presidente da Câmara. Giancarlo responde dizendo que passaria a “dica” ao grupo.
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Em outro trecho, há referências ao monitoramento de “células left” (esquerda, em inglês), incluindo membros de movimentos sociais como MST e da central sindical CUT.
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Carlos Bolsonaro no centro da rede
O vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente, é apontado como destinatário final das informações produzidas pela Abin paralela. De acordo com a PF, ele comandava uma rede de desinformação e era responsável por gerenciar as redes sociais do pai.
Uma das provas é uma mensagem de uma ex-assessora de Carlos que pede “ajuda” a Ramagem para conseguir dados sobre um inquérito envolvendo “PR e os 3 filhos”. A PF interpretou isso como uma tentativa de blindar o núcleo familiar.

O caso Carvajal
Em 2022, a Abin foi envolvida em uma operação clandestina que tentava associar Luiz Inácio Lula da Silva, então candidato à Presidência, ao ex-chefe de inteligência venezuelano Hugo “Pollo” Carvajal, acusado de narcotráfico. A ideia, segundo a PF, era influenciar negativamente o processo eleitoral.
Em 6 de dezembro de 2021, um coordenador da Abin enviou mensagem sobre o envio de um “trabalho detalhado e um resumo para o PR”. Dias depois, o próprio Bolsonaro mencionou Carvajal em uma reunião ministerial gravada em 5 de julho de 2022.
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No dia seguinte, a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) publicou nas redes sociais conteúdo relacionando Lula ao venezuelano.
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Levantamento de inquéritos
A PF descobriu que, em fevereiro de 2020, Ramagem imprimiu uma lista com números de inquéritos relacionados a 66 políticos que foram candidatos em 2018 e não se elegeram. A planilha, retirada do sistema da PF no Rio de Janeiro, foi recuperada pela Controladoria-Geral da União (CGU). O envio para impressão foi feito com o login de Ramagem.
Ligação com a trama golpista
Ramagem também é citado por sugerir a criação de um “grupo técnico” para revisar as urnas eletrônicas. Um dos nomes mencionados foi o do major da reserva Angelo Denicoli, apontado como articulador de uma campanha de desinformação junto ao argentino Fernando Cerimedo. Ambos foram indiciados no inquérito do golpe.
Áudio revela pressão sobre Receita
Entre os materiais obtidos está o áudio de uma reunião no Palácio do Planalto, em agosto de 2020, sobre a investigação contra Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no caso das rachadinhas. No áudio, Bolsonaro sugere acionar o então chefe da Receita Federal e o presidente do Serpro.
Ataques a ministros e políticos
A PF identificou mensagens com orientações para difamar autoridades. Um exemplo foi o ministro do STF, Luís Roberto Barroso, então presidente do TSE. Um dos suspeitos pediu para “sentar o pau” em um assessor do ministro.
Senadores da CPI da Covid também foram alvo: Omar Aziz (PSD-AM), Randolfe Rodrigues (PT-AP) e Renan Calheiros (MDB-AL). Em uma conversa, um dos investigados fala em “consultar os processos judiciais dos três senadores patetas do circo” e “catar os podres com jeito”.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP) também foram alvos de algo parecido. Ao conversarem sobre uma futura ação contra Kataguiri, um dos investigados diz que é preciso “levantar tudo” sobre “pessoal de gabinete”, ao que o outro responde: “o foda é achar. Foi igual ao que fiz do Lira”.
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Associação falsa com o PCC
Outro documento recuperado, “Prévia Nini.docx”, mostra uma tentativa de associar os ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes ao Primeiro Comando da Capital (PCC), por meio da advogada Nicole Fabre, ligada à ONG Anjos da Liberdade. A PF classifica como tentativa de difundir fake news contra membros do STF.
“O arquivo ‘Prévia Nini.docx’ mostra a distorção, para fins políticos, da providência, indicando a pretensão última de relacionar a advogada Nicole Fabre e os Ministros do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes com a organização criminosa Primeiro Comando da Capital – PCC, alimentando a difusão de fake news contra os magistrados da Suprema Corte”, afirmou a PF.
Blindagem a Jair Renan
Em 2021, a estrutura paralela da Abin também foi usada para proteger Jair Renan Bolsonaro, então alvo de inquérito por suspeita de tráfico de influência. Agentes da Abin passaram a monitorar o empresário Allan Lucena, ex-sócio de Jair Renan.
Lucena procurou a Polícia Militar do Distrito Federal (PM-DF) após perceber ter sido seguido por um carro. O suspeito, quando abordado, identificou-se como agente da PF cedido para a agência de inteligência.
Um dos investigados chegou a lamentar que o software FirstMile não estivesse mais em uso: “Agora faz falta”, escreveu. “Colocava para monitorar o dia inteiro e preferencialmente à noite, aí saberíamos os passos deles.”
