Abaixo o Copom
por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva
Os psicólogos dizem que a simplificação da realidade é a porta para o extremismo. Se um indivíduo está em uma situação difícil, é porque não se esforçou o suficiente. Tudo o que ele passou não significa nada. É como se ele não tivesse uma história de vida. Melhor ainda, é como se ele não fosse e que todas as mazelas que o acometeram são comuns a toda a população, que as soube superar e ele não. Isso o torna merecedor de sua situação, de seu infortúnio. A isso se chama de meritocracia, que não passa de uma simplificação da realidade. Da mesma forma, dividir os seres humanos entre homens e mulheres, negando as demais naturezas sexuais, definindo-as como aberrações, é igualmente uma simplificação da realidade. Ter as coisas como garantidas faz a vida mais confortável. São modelos como os economistas usam para retratar a vida material do ser humano.
É preciso escolher algumas variáveis para explicar os fenômenos econômicos. É que elas são tantas que excedem a compreensão humana. Isso faz com que a Economia como ciência resvale para o ideológico. É justamente o viés ideológico que nos leva a considerar cada variável como significativa ou não. Isso leva os economistas às portas do extremismo agarrando-se a simplificações absolutas. Crer que os planos de negócios baseados em fluxo de caixa são a única maneira antever a realidade de um negócio é um bom exemplo. Outro é a certeza absoluta de que somente a manipulação do nível da taxa de juros controla a inflação. Será que não há outro meio de lidar com esse fenômeno?
Esta coluna vem insistindo em que a elevação exagerada da taxa de juros provoca um efeito adverso. Para facilitar o entendimento, peçamos ajuda aos cavalos.
Depois dos treinos mais extenuantes, costuma-se pôr botinhas de gelo nos locomotores dos animais para a vasoconstrição o que impede que se instale um processo inflamatório que se pode tornar irreversível. A aplicação não deve durar mais que cinco minutos porque para regularizar a circulação nos cascos, os vasos vão se dilatar mais do que antes do contato com o gelo. Resumindo, é o efeito adverso.
Algo muito semelhante acontece com a taxa básica de juros. No início, posto que o Governo sempre paga, os recursos vão sair do mercado, dirigindo-se aos papéis da dívida pública, desacelerando o consumo, consequentemente, a escalada de preços. Nas matérias denominadas “Taxa de inflação x taxa de juros, o papel dos núcleos” publicadas em 18 e 25 de julho de 2023, assim como na de autoria do Prof. Fernando Nogueira da Costa em 6 de fevereiro de 2021, esse efeito é posto em cheque com o acréscimo de um motivo extra, o crédito de varejo. As matérias citadas discorrem sobre o que os economistas chamam de custo de oportunidade, que se aplica aos investidores, não sobre o crédito destinado aos consumidores, cujo grau de racionalidade na decisão por consumir é muito limitada. É melhor dizer que o modelo não reflete o comportamento do indivíduo. Este pode estar sujeito a carências advindas, por exemplo, da insuficiência do nosso sistema previdenciário, levando o indivíduo a se endividar, não para manter o nível de consumo, mas para simplesmente sobreviver.
É nesse ponto em que o BC cria uma distorção que invalida o emprego da taxa de juros como constritor do consumo, um crédito ao varejo com risco-zero. Trata-se do consignado, que anula os efeitos pretendidos pela política monetária. É que os rendimentos oriundos do carregamento dos títulos da dívida pública, equivalentes a R$ 870 bilhões nos últimos doze meses, que se concentram no mercado financeiro, acabam por se traduzir em antecipação de consumo nas mãos dos aposentados e servidores públicos, sem o menor risco para quem empresta. Assim a taxa básica de juros não é a que se deve considerar como parâmetro para o custo de oportunidade, porém, a taxa praticada pelos operadores do crédito consignado. Se ela for – digamos – 2,1% ao mês, os juros anuais chegarão aos 28,32% ao ano, muito superior aos 10,5% pagos pelo BC.
Ocorre que os juros elevados aumentam muito o risco de inadimplência e o Acordo de Basileia induz o rigor na mitigação dos riscos. Para desconto de duplicatas, por exemplo, o Banco do Brasil cobra 2,2% de juros ao mês, o mesmo que 28,7% ao ano, com a exigência de 125% de SPR (Solicitação Prévia de Recebível). A SPR difere da antiga caução porque os papéis têm que passar pelo comitê de crédito do banco a priori, sobre o que o tomador não recebe um tostão. Assim, um desconto de duplicata tem uma taxa real de 58,52% ao ano com risco mitigado, seja pelo sobrevalor caucionado, seja pela atuação do comitê de crédito.
Por um lado, a oferta de bens e serviços fica prejudicada porque os empresários se veem obrigados a trabalhar capital próprio, empurrando para cima a margem de contribuição. Ao mesmo tempo, os consumidores veem contínua e consistentemente reduzido o seu poder de consumo por conta dos juros exorbitantes que paga, seja consignado, seja para financiamento específico. Como se isso por si só não fosse capaz de levar a economia ao caos, É preciso lembrar que o próprio BC promove uma enxurrada de oferta de crédito via manutenção do carregamento da dívida pública. Se o Congresso Nacional não revir a independência do Banco Central, mais cedo ou mais tarde, terá de lidar com como dar um reset creditício no país. Por enquanto, resta clamar: “Abaixo o Copom porque o poder corrompe”.
Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou o mestrado na PUC, pós graduou-se em Economia Internacional na International Afairs da Columbia University e é doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo. Depois de aposentado como professor universitário, atua como coordenador do NAPP Economia da Fundação Perseu Abramo, como colaborador em diversas publicações, além de manter-se como consultor em agronegócios. Foi reconhecido como ativista pelos direitos da pessoa com deficiência ao participar do GT de Direitos Humanos no governo de transição. É pré candidato a vereador em São Paulo pelo PT. https://doarpara.com.br/prof-luiz-alberto
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