Por Delfim Netto, na CartaCapital

Temos sempre afirmado que um dos problemas mais vexatórios para os economistas é o da taxa de câmbio. Todos os modelos de explicação do seu comportamento são muito insatisfatórios, especialmente no curto prazo. No longo prazo, adequadamente definido (de 15 a 100 anos!), e, se nada acontecer, parece que ela convergirá para o que se chama paridade do poder de compra, que nivela os preços dos países envolvidos.

Desde meados dos anos 70, os economistas começaram a tratar a taxa de câmbio como o preço de um ativo, ou melhor, como a relação entre o valor de duas variáveis nominais (dólares e reais, por exemplo). Isso deu origem à teoria do portfólio, que atende ao desejo de diversificação de risco dos detentores das moedas. A relação leva em conta os prêmios de risco e os montantes dos ativos desejados nas diferentes moedas.

Os economistas têm hoje uma infinidade de modelos: cada um tem o seu e alguns (apesar de não serem Keynes), têm pelo menos dois para explicitar suas próprias contradições. Há suspeita de que, sendo a taxa de câmbio apenas uma relação de troca entre duas unidades monetárias (2 reais = 1 dólar), ela não estará ancorada firmemente se a autoridade monetária não estiver vigilante ou não tiver reservas suficientes caso deseje sustentá-la. Estamos longe daquele mundo feliz dos anos 50, quando aprendemos com Bresciani-Turroni e Milton Friedman que a taxa de câmbio flutuante era relativamente estável (com desvios aleatórios), graças ao comportamento racional dos agentes, que, especulando, geravam um benefício não intencional: a estabilidade…

Existem pelo menos três modelos básicos para explicar o comportamento da taxa de câmbio:
1. O modelo monetário com preços flexíveis.
2. O modelo monetário com preços com inércia.
3. O modelo de balanço dos ativos (portfólio). Nenhum deles resiste ao teste empírico e nenhum deles funciona (no sentido de que permite previsão) fora do período ao qual foram ajustados. Não sabemos bem como se forma a taxa de câmbio e qual é a sua dinâmica, mas não temos a menor dúvida sobre a sua importância fundamental na evolução do PIB, nas expectativas inflacionárias e no equilíbrio do balanço de conta corrente. O seu comportamento depende muito das expectativas dos agentes (e há alguns capazes de movê-las à custa de compra ou venda alavancadas no crédito) e dos rumores que são capazes de propagar…

Explicar a relação entre as moedas é uma questão vexatória para os economistas. Os modelos básicos para determinar as taxas não cumprem suas funções.

Não é surpresa, portanto, verificar que o grande economista (grande mesmo) Paul De Grauwe, da Universidade Católica de Louvain, chegou à desalentadora “descoberta científica de que existe uma impressionante acumulação de pesquisas empíricas que mostram que as taxas de câmbio das mais importantes moedas não têm relação com os fundamentais a que se referem as teorias” (acima mencionadas). Ele sugere a seguinte interpretação para a ausência de relação entre a taxa de câmbio euro-dólar e os “fundamentais” (taxas de crescimento do PIB, taxas de inflação, taxas de juros reais):

“Há grande incerteza sobre como os fundamentos afetam a taxa de câmbio. Essa incerteza é graças à dinâmica dos especuladores no mercado de câmbio, onde os grafistas interagem com os fundamentalistas, produzindo um movimento complexo da taxa de câmbio que não é, na maior parte das vezes, relacionada com os fundamentos. Por causa da incerteza dos agentes, é o próprio comportamento da taxa de câmbio que ancora as suas crenças e os leva a procurarem variáveis fundamentais que explicariam tais movimentos. Assim, no começo de 1999, o dólar começou a valorizar-se, o que passou a ser percebido como um sinal da força da economia americana e, ao mesmo tempo, da fraqueza da economia da Eurolândia. Isso colocou em marcha uma busca de boas-novas sobre os Estados Unidos e mais-novas sobre a Eurolândia. Essa busca é frequentemente bem-sucedida porque sempre existem evidências conflitantes sobre a força ou fraqueza de uma economia. O resultado desse processo foi criar sentimentos positivos sobre a economia americana e negativos sobre a economia da Eurolândia, o que, por sua vez, reforçou o movimento de valorização do dólar.” A grande surpresa é que, como mostrou De Grauwe, “essa evolução de crenças não é irracional. É a resposta racional à extrema incerteza sobre como a economia funciona e como o futuro vai afetá-la”.

Nota da redação: Este artigo pertence ao acervo de um leitor que o encaminhou para republicação, por ocasião dos recentes debates a respeito do mercado especulativo e taxa de câmbio. Não foi possível identificar a data em que foi publicado originalmente.

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Last Update: 23/12/2024