A sorte ucraniana
por Daniel Afonso da Silva
A sorte ucraniana parece selada. O presidente norte-americano prometeu. E, agora, começa a cumprir.
Ainda em seu martírio, após a derrota de 2020, Donald J. Trump iniciou uma fortíssima condenação à ação do Ocidente contra a Rússia.
O seu apoio ao presidente Putin e aos interesses nacionais russos na região era evidente. Da mesma forma que a sua contumaz aversão ao apoio do presidente Biden e do conjunto da União Europeia às intenções ucranianas.
Quando, enfim, conseguiu afirmar-se candidato, começou a reiterar, ao seu modo, sempre estridente, que resolveria a situação em 24 horas.
Tão logo venceu as eleições, começou a enviar emissários aos quatro cantos do mundo para tomar pulso da situação. Notadamente em Moscou e Kiev. Mas também em Bruxelas, Paris, Londres, Pequim e Tel Aviv. Em novembro-dezembro de 2024, ele ainda acreditava conseguir resolver a situação em 24h. Em seguida, começou a mudar de opinião. De modo que, na cerimônia de posse, no último 20 de janeiro, ele voltou à carga sobre o tema e estabeleceu um calendário mais dilatado. Substituindo um dia por cem.
Novos emissários foram enviados a todas as partes e especialmente a Moscou e Kiev. Autoridades europeias foram novamente implicadas. Militares norte-americanos de várias trajetórias também. Até que o gesto decisivo vem de ocorrer nesta quarta-feira, 12 de fevereiro.
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Nesta quarta-feira, ele despachou para Bruxelas o seu secretário de defesa, Pete Hegseth, com a mensagem formatada aos europeus, russos e ucranianos.
Pete Hegseth foi contido e diplomático. Mas enfático. Afirmando a integralidade do acordo mental Trump-Putin sobre o assunto. Fazendo, sem meias palavras, entender-se que a Ucrânia perdeu o direito às suas fronteiras de 2014. E qualquer intenção diferente tornou-se irrealizável. A Ucrânia não deve nem vai ingressar na OTAN. E qualquer movimentação nesse sentido será sumariamente vetada. Os norte-americanos deixarão de apoiar a gestão interna de segurança e defesa do país eslavo. E os europeus devem fazer o mesmo.
Mais límpido que isso, apenas o próprio Trump ou o próprio Putin falando.
Pete Hegseth despiu-se de qualquer tom marcial. Ele veio em friend.
Mas todos os presentes na reunião-quadro sobre a situação ucraniana entenderam bem.
A doutrina Trump para o Ucrânia foi lançada. O estancamento de recursos financeiros, militares e mesmo retóricos virou questão de dias.
As pretensões de Zelensky, assim, foram, sinceramente, esmagadas. E, com elas, a dos europeus. Deixou, instantaneamente, de portar sentido – se é que teve algum dia – o ingresso da Ucrânia na União Europeia. Restando a Bruxelas e Kiev a assimetria de sempre. Como diria Kissinger ou qualquer contemporâneo da Guerra Fria, para manter-se a serenidade de Moscou.
Daniel Afonso da Silva é doutor em História Social pela Universidade de São Paulo e autor de “Muito além dos olhos azuis e outros escritos sobre relações internacionais contemporâneas”.
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