A segunda Independência do Brasil
por Eduardo Appio
O dia 10 de julho de 2025 ficará marcado na História do Brasil como o nosso segundo Dia da Independência, graças à guerra comercial declarada unilateralmente contra nosso país pelo presidente dos Estados Unidos.
Em 1822 o Brasil deixou de ser uma colônia de Portugal, ao declarar que se constituía um país livre e Soberano.
O conceito de Soberania surge com a emergência dos chamados Estados Nacionais de que nos fala Georges Burdeau no seu mais conhecido livro, O Estado. O Estado Nacional decorre da institucionalização do poder, quando então emerge a clara separação entre O monarca e suas funções.
Anos mais tarde, já no século XX, surge o Estado providência de que nos fala Pierre Rosanvallon em seu A crise do Estado Providência. O Estado passa a desempenhar funções essenciais na eliminação da pobreza e busca de equidade social.
A sua principal característica consiste na hegemonia do uso da força do Estado em relação ao cumprimento das decisões judiciais e normativas dentro do seu próprio território.
A privação desta capacidade política de impor as ordens emanadas das Cortes de Justiça significaria a renúncia à própria Soberania e independência para governar. A própria legitimidade do governo eleito passaria a ser colocada em cheque, criando as condições para um indesejável golpe de Estado, com a consequente deposição de juízes e governantes.
A firme reação do governo brasileiro à guerra comercial declarada por Donald Trump contra o Brasil é proporcional ao agravo imposto e significa ratificar nossa plena Soberania.
As relações entre o Brasil e os Estados Unidos sempre foram marcadas pela paz e liberdade de comércio. Todavia, muitos dos documentos que estavam sob sigilo nos Estados Unidos, desde a década de 60, demonstram que o Brasil sofria uma espécie de tutela distante no que toca com suas opções geopolíticas. Esta tutela se mostrou bastante evidente durante o golpe militar de 64, o qual se contrapunha ao governo João Goulart. Neste momento, o governo eleito se aproximava da China e da União Soviética durante a Guerra Fria.
Anos mais tarde, a Presidente do Brasil sofreu espionagem política em seu gabinete e agentes de inteligência norte-americanos circulavam clandestinamente pela dita Repúblika de Curitiba graças à Operação Lavajato.
Em pleno século 21, marcado pelo multilateralismo, esta tutela não mais se justifica. Muito pelo contrário, prejudica e evolução comercial e política de nosso Brasil.
Ainda que nossa Republica de 1891 tenha sido forjada pela genialidade de Ruy Barbosa no modelo constitucional dos Estados Unidos, hoje se impõe um divórcio entre as duas maiores potências das Américas. Ambos os países são Soberanos dentro de seus territórios e suas opções de comércio devem ser ditadas pela liberdade em escolher novos parceiros que atendam o interesse de seus cidadãos.
Isto é democracia. Uma guerra comercia declarada por motivação político partidária ou sectarista vai contra a própria essência da Constituição dos Estados Unidos.
O reconhecimento da liberdade de decidir é pressuposto essencial da jurisdição de nosso Supremo Tribunal, o qual tem sido injustamente criticado ao longo dos últimos cinco anos. Golpistas de toda ordem invocam a Liberdade como arma para aniquilar a própria Democracia. O objetivo é erodir a legitimidade da Suprema Corte.
O Supremo Tribunal tem, contudo, o poder dever de julgar com plena liberdade os atos terroristas do 8 de janeiro de 2023.
Este acerto de contas com a História não ocorreu ao fim do golpe militar de 1964, ao contrário de outros países como a Argentina.
Inadmissível qualquer tipo de pressão direta ou indireta sobre os Ministros que compõem a Suprema Corte. Esta liberdade para decidir toca diretamente com a garantia de cada um dos cidadãos brasileiros. Ela significa que ninguém está acima da Lei e da Constituição.
Liberdade plena, ainda que tardia.
Eduardo Fernando Appio é um escritor e juiz federal brasileiro, ex-titular da 13.ª Vara Federal de Curitiba, havia sido designado para atuar nos processos da Operação Lava Jato. Atualmente, Appio está como Juiz da 18ª Vara Previdenciária da Justiça Federal do Paraná
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